“Apresentai-vos a Deus como vivos, ressuscitados dentre os mortos” (Rm 6,12-18)

Compartilhar

Leitura da Carta de São Paulo Apóstolo aos Romanos

Irmãos,
    o pecado não deve reinar em seu corpo mortal
e fazer você obedecer aos seus desejos.
    Não apresenteis os membros do vosso corpo ao pecado
como armas a serviço da injustiça;
pelo contrário, apresentai-vos a Deus
como os vivos que retornaram dos mortos,
apresente seus membros a Deus
como armas a serviço da justiça.
    Pois o pecado não terá mais domínio sobre vocês:
porque já não estais sujeitos à Lei,
vocês são súditos da graça de Deus.
    Então? Já que não estamos sujeitos à Lei
mas para a graça,
vamos cometer pecado?
Sem chance.
    Você não sabe?
Aquele a quem vocês se apresentam como escravos
para obedecê-lo,
é dele, a quem você obedece,
que vocês são escravos:
seja do pecado, que leva à morte,
ou obediência a Deus, que leva à justiça.
    Mas demos graças a Deus:
vocês que eram escravos do pecado,
agora você obedeceu de todo o coração
ao modelo apresentado pelo ensinamento que lhe foi transmitido.
    Livre do pecado,
vocês se tornaram escravos da justiça.

            – Palavra do Senhor.

Come Alive: A Revolução Interior da Graça Segundo São Paulo

Como passar da escravidão do pecado para a liberdade radical do ressuscitado

Em sua carta aos Romanos, São Paulo lança um apelo comovente: apresentar-nos a Deus ressuscitados. Este convite não é uma metáfora piedosa, mas um programa de transformação radical. Diante dos cristãos de Roma tentados pelo compromisso moral, o apóstolo revela uma verdade libertadora: a graça não dispensa a ética; ela finalmente a torna possível. Para todo crente que busca viver sua fé autenticamente, esta passagem oferece uma chave decisiva: compreender que a vida cristã não é um esforço moral heroico, mas um renascimento que envolve todo o nosso ser na luta pela justiça.

Após situar este texto no grande debate paulino sobre a graça e a Lei, exploraremos o paradoxo central: a liberdade cristã se tornando servidão voluntária. Em seguida, desenvolveremos três eixos principais: a ressurreição como evento presente, o corpo como território espiritual e a obediência libertadora. Por fim, ouviremos as ressonâncias dessa palavra na tradição cristã antes de propor caminhos concretos para colocá-la em prática.

“Apresentai-vos a Deus como vivos, ressuscitados dentre os mortos” (Rm 6,12-18)

Contexto

O capítulo 6 da Epístola aos Romanos constitui um momento crucial na argumentação de São Paulo. Tendo estabelecido nos capítulos anteriores que a salvação vem somente da fé e não das obras da Lei, o apóstolo antecipa uma objeção formidável: se a graça abunda onde abundou o pecado, por que não continuar a pecar para que a graça se manifeste mais? Essa pergunta, que pode parecer absurda, na realidade revela uma tentação permanente: a de transformar a liberdade cristã em licenciosidade moral.

Paulo escreveu aos romanos por volta do ano 57-58, de Corinto, para uma comunidade que ainda não havia visitado, mas cujas tensões conhecia. Roma era então o lar de uma Igreja mista, reunindo judaico-cristãos apegados à Torá e cristãos pagãos recém-convertidos. A questão da articulação entre graça e moralidade não era uma questão de especulação teológica, mas tocava o cotidiano desses fiéis: como viver como cristãos na capital do Império, cercados por templos pagãos e práticas imorais?

A passagem diante de nós faz parte de uma demonstração concisa. Paulo acaba de explicar que, por meio do batismo, o cristão morre e ressuscita com Cristo. Essa união com Cristo crucificado e ressuscitado não é simbólica: ela traz uma ruptura ontológica com a velha vida. O velho homem foi crucificado com Cristo para que o corpo do pecado fosse destruído. Doravante, o batizado pertence a uma nova ordem, a da ressurreição.

Em nosso trecho, o apóstolo extrai consequências práticas dessa verdade teológica. Ele usa um vocabulário marcial marcante: os membros do corpo são descritos como armas que podem ser colocadas a serviço de campos opostos. Essa militarização da linguagem não é acidental. Paulo, cidadão romano, conhece bem a organização legionária e usa essa imagem para mostrar que a neutralidade é impossível: necessariamente se serve a um senhor, seja ao pecado, que leva à morte, ou a Deus, que leva à justiça.

A estrutura retórica da passagem revela a pedagogia paulina. Primeiro, um imperativo negativo: não deixeis o pecado reinar. Depois, um duplo movimento: não apresenteis os vossos membros ao pecado, mas apresentai-vos a Deus. Em seguida, uma justificação teológica: não estais mais sob a Lei, mas sob a graça. Em seguida, uma objeção antecipada e sua refutação. Por fim, um ato de ação de graças e uma descrição da nova condição do crente.

Este texto pertence ao gênero de exortação moral, mas distingue-se da simples parênese por sua ancoragem cristológica e batismal. Paulo não propõe uma moral natural acessível pela razão, mas uma ética enraizada no evento pascal. A transformação moral flui da união mística com Cristo. É essa articulação entre indicativo teológico e imperativo ético que torna a moral paulina única e poderosa.

“Apresentai-vos a Deus como vivos, ressuscitados dentre os mortos” (Rm 6,12-18)

Análise

O cerne da nossa passagem reside numa afirmação paradoxal que subverte todas as nossas categorias: a verdadeira liberdade consiste em tornar-se escravo de Deus. Para compreender essa inversão, precisamos compreender a visão antropológica de Paulo. O homem nunca existe em um estado de autonomia absoluta. Ele está sempre envolvido em uma relação de dependência. A única questão é: a quem ele pertence?

Esta tese está em oposição direta ao ideal de autonomia que estrutura o pensamento grego e, posteriormente, a modernidade. Para Paulo, a reivindicação de independência radical constitui precisamente a forma suprema de alienação. Ao se recusar a servir a Deus, o homem não conquista sua liberdade: ele se submete ao pecado, um tirano muito mais implacável. O pecado, na teologia paulina, não é primariamente uma falha moral, mas um poder cósmico que escraviza a humanidade. É uma força pessoal, quase personificada, que reina e faz reinar a morte.

A dinâmica do texto revela um movimento de libertação em três etapas. Primeira etapa: conscientização. Paulo desafia seus leitores: "Vocês não sabem?". Essa pergunta retórica pressupõe que a verdade já é conhecida, mas não totalmente apropriada. O cristão possui o conhecimento salvador, mas deve permitir que ele transforme sua existência concreta. Segunda etapa: ação de graças. Demos graças a Deus: a libertação não vem do esforço humano, mas da iniciativa divina. Ela exige gratidão, não orgulho. Terceira etapa: reorientação prática. Apresente-se a Deus: a liberdade adquirida deve ser ativada por uma escolha diária.

A expressão mais marcante continua sendo a dos vivos que retornaram dos mortos. Paulo não diz: apresentem-se como pessoas vivas que escapam da morte, mas como pessoas vivas que já passaram pela morte e retornaram. Essa nuance é crucial. Significa que a vida cristã não é uma fuga da morte, mas uma vida vencida sobre a morte, uma vida que passou pela morte e emergiu vitoriosa. O batismo realizou essa travessia: imerso na morte de Cristo, o crente ressuscita para uma nova vida.

Esta nova vida tem uma qualidade diferente da existência biológica comum. Ela já participa da vida eterna; é vida segundo o Espírito, vida orientada para Deus. Daí a exigência ética que naturalmente decorre dela: já que ressuscitastes, vivei como ressuscitados. O imperativo deriva do indicativo. Não é: esforçai-vos para ressuscitar vivendo moralmente; é: porque ressuscitastes, a vida moral torna-se possível e necessária.

O contraste entre Lei e graça ilumina essa nova possibilidade. Sob a Lei, o homem conhecia o bem, mas não conseguia realizá-lo. A Lei revelava o pecado sem fornecer a força para superá-lo. Ela prescrevia, mas não transformava. A graça, ao contrário, muda a condição do sujeito moral. Ela não indica simplesmente o caminho; ela dá a capacidade de segui-lo. Ela cria um novo homem, capaz de uma obediência que não é mais uma restrição externa, mas sim uma adesão interna.

“Apresentai-vos a Deus como vivos, ressuscitados dentre os mortos” (Rm 6,12-18)

A Ressurreição: Um Evento Presente, Não um Evento Futuro

Quando Paulo fala dos vivos retornando dos mortos, ele não projeta essa ressurreição para uma vida após a morte distante. Ele afirma que ela já ocorreu, sacramentalmente, nas águas do batismo. Essa afirmação perturba nossa tendência de relegar as grandes promessas cristãs a um futuro escatológico confortável. A ressurreição não é apenas a esperança que consola; é a realidade que transforma o hoje.

Essa relevância da ressurreição explica a urgência do chamado de Paulo. Se já ressuscitamos, cada momento que vivemos de acordo com a antiga lógica do pecado constitui uma contradição insuportável. É como se um prisioneiro liberto escolhesse permanecer em sua cela. A porta está aberta, as correntes estão quebradas, mas precisamos ousar cruzar o limiar, para verdadeiramente habitar a liberdade que conquistamos.

Os Padres da Igreja desenvolveram magnificamente esta teologia da ressurreição presente. Para eles, o cristão vive entre duas ressurreições: a do batismo, já consumada, e a da carne, ainda aguardada. Entre as duas estende-se o tempo da Igreja, um tempo de crescimento rumo à plena manifestação do que já está dado em embrião. Santo Agostinho compara esta situação à de um herdeiro que já possui o título de propriedade, mas ainda não entrou no gozo da sua herança.

Concretamente, viver como ressuscitado significa adotar o comportamento de quem não teme mais a morte. Os mártires ilustraram essa lógica até o fim: para aqueles que já passaram pela morte com Cristo, a morte física perde o seu aguilhão. Torna-se uma passagem e não uma ruptura. Mas essa vitória sobre a morte também se exerce nas pequenas mortes cotidianas: aceitar renunciar aos próprios privilégios injustos, perdoar em vez de se vingar, dar sem calcular o retorno. Cada um desses atos proclama: Eu vivo uma vida que não teme mais a morte.

A ressurreição presente também transforma nossa relação com o tempo. Ela introduz uma dimensão de eternidade no tempo cronológico. O ressuscitado já habita o Reino enquanto ainda caminha nesta terra. Ele é cidadão de duas cidades, mas sua verdadeira pátria é a celestial. Essa dupla pertença não leva ao desprezo pelo mundo terreno; pelo contrário, é porque ele já participa da vida eterna que o cristão pode se comprometer plenamente com a justiça na história, sem ser esmagado pelo absurdo ou pelo desespero. Ele sabe que a morte não tem a última palavra, que o amor é mais forte, que o bem triunfará.

Essa esperança ativa distingue radicalmente o cristão do otimista ingênuo e do pessimista desiludido. Ele não ignora o mal; ele até observa seu enorme poder na história e nos corações. Mas ele sabe que o mal já foi derrotado, mesmo que a vitória ainda não esteja plenamente manifesta. Ele, portanto, luta com a certeza do soldado que sabe que o resultado da guerra já está decidido, mesmo que ainda haja batalhas a serem travadas.

O corpo: território espiritual e campo de batalha

Paulo usa um vocabulário corporal muito preciso. Ele não fala da alma ou do espírito em oposição ao corpo, mas dos membros do corpo como instrumentos que podem ser direcionados. Essa atenção ao corpo merece atenção, pois contradiz o dualismo que frequentemente contaminou a espiritualidade cristã.

Para o apóstolo, o corpo não é a prisão da alma; é o próprio lugar da vida espiritual. É com o corpo que o cristão serve a Deus ou ao pecado. Membros do corpo — mãos, pés, boca, olhos — tornam-se armas no combate espiritual. Esse vocabulário militar indica que o corpo é um campo de batalha, um território disputado entre dois reinos opostos.

Essa visão tem imensas consequências práticas. Significa, antes de tudo, que a santidade não é uma questão de puras intenções, mas de ações concretas. O que faço com meu corpo envolve meu destino espiritual. Os gestos importam: onde passo, o que toco com minhas mãos, as palavras que saem da minha boca. A moral cristã não é idealista; ela é encarnada. Ela não despreza a matéria, mas a leva a sério como um lugar de obediência ou rebelião.

Essa abordagem valoriza, então, as práticas corporais da espiritualidade: jejum, esmola, peregrinação, prostração, gestos litúrgicos. Essas práticas não são acessórios folclóricos; são maneiras de apresentar concretamente o corpo a Deus. Quando me ajoelho para rezar, meu corpo confessa que Deus é grande e eu sou pequeno. Quando estendo a mão para dar esmola, meu braço se torna um instrumento da caridade divina. Quando me abstenho de comida para jejuar, meu estômago aprende a maestria espiritual.

Essa teologia do corpo também lança luz sobre a moral sexual cristã, tão frequentemente mal compreendida. Se o corpo é um membro de Cristo, um templo do Espírito Santo, então certos usos do corpo tornam-se impossíveis, não por puritanismo, mas por coerência ontológica. Não se pode unir os membros de Cristo a uma prostituta, Paulo já dizia aos coríntios. Não é que a sexualidade seja ruim, é que ela envolve tanto o corpo que seu significado vai muito além do simples prazer físico.

A sabedoria paulina sobre o corpo é equidistante de dois erros opostos. De um lado, o angelismo, que ignora o corpo e vive uma espiritualidade desencarnada. De outro, o materialismo, que reduz o homem ao seu corpo biológico e nega qualquer dimensão transcendente. Paulo afirma: o vosso corpo está destinado à ressurreição, é chamado a participar da glória divina, portanto, tratai-o com o respeito devido a um santuário, reconhecendo que deve estar sujeito ao espírito.

Obediência Libertadora: O Paradoxo da Servidão Voluntária

A fórmula paulina mais paradoxal continua sendo esta: libertos do pecado, vocês se tornaram escravos da justiça. Como a escravidão pode ser liberdade? Não seria uma contradição? Para entender esse paradoxo, precisamos distinguir entre dois tipos de servidão.

A primeira servidão, a do pecado, é suportada. Ninguém escolhe deliberadamente ser escravo do mal. Caímos nele, deslizamos nele, atolamos nele. Santo Agostinho descreveu esse estado magnificamente em suas Confissões: Quis o bem, mas fiz o mal, acorrentado pelos meus hábitos, prisioneiro das minhas paixões. Essa servidão ao pecado é caracterizada pela compulsão, alienação e perda do autocontrole. O homem pecador não é livre; ele é levado pelos seus desejos, manipulado pelos seus medos, determinado pelos seus vícios.

A segunda servidão, a da justiça, é escolhida. É uma obediência livre, uma submissão voluntária. Assemelha-se ao compromisso do músico que se submete às regras da harmonia não por constrangimento, mas porque sabe que essa disciplina é uma condição para sua liberdade criativa. Ou, ainda, ao atleta que se submete a um treinamento rigoroso porque almeja a vitória. Em ambos os casos, a regra aceita liberta em vez de alienar.

Paulo especifica: vocês obedeceram de todo o coração ao modelo apresentado pela doutrina. A obediência cristã não é submissão cega à autoridade arbitrária. É a adesão cordial a um modelo, o de Cristo. A palavra grega para modelo evoca uma marca, um selo que deixa sua marca. O batizado recebe a marca de Cristo, configura-se a Ele, torna-se sua imagem. A partir de então, obedecer à doutrina cristã significa tornar-se plenamente si mesmo, realizar sua vocação mais profunda.

Essa obediência libertadora se manifesta nas escolhas concretas da vida. Cada vez que escolho a verdade em vez de mentiras convenientes, liberto minha fala da escravidão do engano. Cada vez que escolho a fidelidade apesar da atração da aventura fácil, liberto minha capacidade de amar verdadeiramente. Cada vez que pratico a justiça em vez de buscar meu próprio interesse, liberto-me do egoísmo que me constrange.

A tradição espiritual cristã desenvolveu toda uma pedagogia da obediência. Os votos monásticos de obediência visam precisamente a essa liberdade paradoxal. Ao renunciar à própria vontade, o monge descobre a verdadeira liberdade dos filhos de Deus. Ele aprende a querer o que Deus quer e, nessa unificação de vontades, encontra a paz. Não se trata mais da guerra perpétua entre o que devo fazer e o que quero fazer. Trata-se da harmonia entre o desejo e o dever.

Para o cristão no mundo, essa obediência libertadora se exerce de forma diferente, mas segundo a mesma lógica. Envolve apresentar as próprias escolhas, decisões e ações a Deus todos os dias, alinhando-as com a vontade divina conhecida pela consciência, pelas Escrituras e pelos ensinamentos da Igreja. Essa apresentação diária cria gradualmente uma segunda natureza, um hábito de santidade. O que era esforço se torna espontaneidade, a virtude amadurece em sabedoria.

“Apresentai-vos a Deus como vivos, ressuscitados dentre os mortos” (Rm 6,12-18)

Tradição e fontes

A teologia paulina da graça libertadora influenciou profundamente toda a tradição cristã, particularmente por meio de duas figuras importantes: Santo Agostinho e Martinho Lutero. Agostinho, em sua controvérsia contra os pelagianos, desenvolveu a doutrina da graça eficaz que verdadeiramente transforma a vontade humana. Para ele, a graça não é meramente um auxílio externo ao esforço moral; é uma força interior que cura a vontade ferida pelo pecado e a torna capaz de amar verdadeiramente a Deus.

Os escritos agostinianos sobre a liberdade cristã ecoam exatamente a dialética de Paulo. Em seu tratado Sobre a Graça e o Livre-Arbítrio, Agostinho explica que a verdadeira liberdade não é o poder de escolher entre o bem e o mal, mas a capacidade de não mais pecar. Essa libertas a necessitate peccandi, a liberdade da necessidade de pecar, caracteriza os bem-aventurados no céu e, de forma antecipada, aqueles que vivem sob a graça.

Tomás de Aquino, no século XIII, integrou essa perspectiva à sua síntese teológica. Na Summa, ele distinguiu entre libertas a coactione, a liberdade externa da coação que até mesmo o pecador possui, e libertas a miseria, a liberdade interna da miséria do pecado, que somente a graça proporciona. Para Tomás, a virtude perfeita liberta porque põe em harmonia a vontade e o dever: a pessoa virtuosa pratica espontaneamente o bem que ama.

A tradição mística cristã explorou as dimensões práticas dessa liberdade na graça. João da Cruz fala do esvaziamento de si mesmo necessário para que Deus atue plenamente. Teresa de Ávila descreve as moradas do castelo interior onde a alma progride em direção à união transformadora. Francisco de Sales ensina a doçura da obediência amorosa. Em todas essas grandes figuras espirituais, encontramos o tema paulino: entregar-se totalmente a Deus é encontrar a verdadeira liberdade.

A liturgia batismal da Igreja antiga ilustra perfeitamente nossa passagem. O ritual incluía uma tripla renúncia: renuncio a Satanás, às suas pompas e às suas obras, seguida de uma tripla profissão de fé: creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Esse duplo movimento responde exatamente à exortação paulina: não vos apresenteis ao pecado, apresentai-vos a Deus. O batismo realiza essa transferência de fidelidade, essa metanóia radical que muda de mestre.

Os Padres Gregos desenvolveram uma teologia da divinização que amplia o pensamento de Paulo. Para eles, libertar-se do pecado e tornar-se escravo da justiça é participar da natureza divina. A graça não nos torna simplesmente humanos aperfeiçoados; ela nos diviniza, nos torna theoi, deuses por participação. Essa ousadia teológica está enraizada na convicção de que a ressurreição de Cristo abriu um destino sem precedentes para a humanidade: tornar-se o que Deus é por natureza.

Meditação

Para concretizar o chamado de São Paulo para nos apresentarmos a Deus como pessoas ressuscitadas, aqui está uma jornada espiritual em sete etapas, progressiva e realista:

Primeiro passo : Todas as manhãs, ao acordar, perceba que este dia é uma dádiva. Diga a si mesmo: Estou vivo, ressuscitado com Cristo. Este dia me foi dado para servir à justiça. Esta consciência matinal guia o dia inteiro.

Segundo passo Identifique concretamente as partes do seu corpo que você apresentará a Deus hoje. Para onde irão meus pés? O que farão minhas mãos? O que dirão meus lábios? Apresente-as explicitamente ao Senhor em uma breve oração.

Terceiro passo : Em momentos de tentação ou decisão difícil, lembre-se do seu batismo. Renove interiormente a sua renúncia a Satanás e a sua profissão de fé. Este gesto pode ser acompanhado pelo sinal da cruz, um memorial batismal.

Quarto passo : Pratique uma forma de jejum ou abstinência, mesmo que modesta, para experimentar fisicamente que você não é escravo dos seus desejos. Pode ser um jejum alimentar, mas também um jejum midiático ou digital.

Quinto passo : Escolha um ato concreto de justiça a cada semana. Dê esmola, visite um doente, defenda alguém que foi injustamente atacado. Faça dos seus membros armas a serviço da justiça.

Sexto passo À noite, faça um breve exame de consciência, examinando os membros do corpo. Como estavam meus olhos hoje? Minhas mãos serviram? Minha boca edificou? Agradeça pelas vitórias, peça perdão pelas quedas.

Sétimo passo : Uma vez por semana, reserve um tempo maior para meditar sobre o nosso trecho de São Paulo. Leia-o lentamente, pare em uma frase que lhe interesse particularmente, medite sobre ela e peça ao Espírito Santo que a mova da mente para o coração e, depois, do coração para as ações.

Conclusão

O apelo de São Paulo aos Romanos ressoa hoje com renovada urgência. Num mundo que confunde liberdade com licenciosidade, que reduz a autonomia à independência absoluta, as palavras do apóstolo oferecem um caminho paradoxal de libertação: a verdadeira liberdade encontra-se na entrega de si mesmo a Deus. Não se trata de mais uma forma de escravidão; é a fuga de todas as formas de escravidão.

Viver como uma pessoa ressuscitada não é uma questão de heroísmo moral impossível, mas de acolher a graça transformadora. A revolução interior que São Paulo propõe não é uma melhoria gradual do velho homem; é um renascimento radical. O Batismo nos tornou novas criaturas. Agora, trata-se de deixar que essa novidade invada cada canto da nossa existência: nossos pensamentos, nossos desejos, nossas escolhas, nossos relacionamentos, nossos compromissos.

Apresentar o próprio corpo a Deus como um ser vivo que retornou dos mortos é fazer de cada gesto cotidiano um ato de ressurreição. É inscrever na carne do mundo a vitória de Cristo sobre a morte. É testemunhar que o amor é mais forte que todos os poderes de destruição. É afirmar, contra as evidências do mal que desfiguram a história, que a luz já venceu as trevas.

Esta vida ressuscitada transforma a sociedade. Homens e mulheres que não temem mais a morte tornam-se invencíveis em sua luta por justiça. Podem correr todos os riscos do amor porque não calculam mais segundo a lógica do mundo. São livres com a própria liberdade de Deus, essa liberdade que se dá sem limites, que perdoa sem limites, que espera contra toda esperança.

O convite de Paulo é, portanto, um chamado revolucionário. Uma revolução interior, antes de tudo: deixar Deus reinar em nós, em vez do pecado. Mas também uma revolução exterior: transformar o mundo introduzindo a lógica do Reino, essa lógica onde os últimos são os primeiros, onde servir é reinar, onde perder a vida é salvá-la. Esta é a vocação cristã: tornar-se pessoas vivas que passaram pela morte, pessoas livres que escolheram a obediência, escravos da justiça que manifestam a verdadeira liberdade dos filhos de Deus.

Prático

  • Despertar Ressuscitado : Comece cada dia agradecendo a Deus pelo dom da vida e renovando a oferta de si mesmo em seu serviço.
  • Memória batismal : Faça o sinal da cruz conscientemente, lembrando que pelo batismo se morre e ressuscita com Cristo.
  • Exame corporal :Todas as noites, revise as ações dos meus membros (olhos, mãos, boca) para discernir se eles serviram à justiça ou ao pecado.
  • Prática de dar : Pratique semanalmente um ato concreto de caridade ou justiça que envolva o corpo: esmola, visitas, serviço.
  • Jejum Libertador : Pratique uma forma de abstinência regular para aprender a dominar os desejos e a se libertar das necessidades.
  • Meditação Paulina : Leia e medite lentamente em Romanos 6 a cada semana, pedindo ao Espírito que dê vida concreta à Palavra.
  • Celebração eucarística : Participe regularmente da missa onde o mistério pascal é reencenado, fonte da nossa ressurreição e da nossa nova liberdade.

Referências

Principais fontes bíblicas : Epístola aos Romanos, capítulo 6; Epístola aos Gálatas 5, 1-13 sobre a liberdade cristã; Primeira Epístola aos Coríntios 6, 12-20 sobre o corpo como templo do Espírito.

Tradição patrística : Santo Agostinho, Sobre a graça e o livre-arbítrio; São João Crisóstomo, Homilias sobre a Epístola aos Romanos.

Teologia Medieval : Tomás de Aquino, Summa Theologica, Prima Secundae, Tratado sobre a Graça; Bernardo de Claraval, Tratado sobre a Graça e o Livre-Arbítrio.

Espiritualidade moderna : Martinho Lutero, A Liberdade do Cristão; João da Cruz, A Ascensão do Carmelo; Teresa de Lisieux, História de uma Alma.

Comentários Contemporâneos : Romano Guardini, A Morte de Sócrates e A Morte de Cristo; Joseph Ratzinger (Bento XVI), Introdução ao Cristianismo; Hans Urs von Balthasar, O Drama Divino.

Estudos exegéticos : Stanislas Lyonnet, A liberdade do cristão segundo São Paulo; Ceslas Spicq, Teologia moral do Novo Testamento.

Via Equipe Bíblica
Via Equipe Bíblica
A equipe do VIA.bible produz conteúdo claro e acessível que conecta a Bíblia a questões contemporâneas, com rigor teológico e adaptação cultural.

Leia também