Evangelho de Jesus Cristo segundo São Mateus
Enquanto desciam da montanha, os discípulos perguntaram a Jesus: "Por que, então, os escribas dizem que Elias deve vir primeiro?" Jesus respondeu: "Elias virá para restaurar todas as coisas. Mas eu lhes digo que Elias já veio, e eles não o reconheceram, mas fizeram com ele tudo o que quiseram. Por isso, o Filho do Homem sofrerá nas mãos deles." Então os discípulos entenderam que ele estava falando sobre... João Batista.
Reconhecendo aquele que prepara o caminho: quando Deus vem incógnito
Ou como discernir a mão de Deus na banalidade de nossas vidas e acolher os mensageiros que não vemos..
Jesus desce da montanha transfigurado, e seus discípulos fazem a pergunta perturbadora: Por que Elias ainda não veio? A resposta de Cristo subverte suas expectativas. Elias já havia aparecido disfarçado de João Batista, mas ninguém o reconheceu. Esta passagem de Mateus 17 nos convida a examinar nossa própria cegueira espiritual: Quantas vezes deixamos de perceber os sinais de Deus porque eles não se encaixam em nossa narrativa preconcebida?
Esta reflexão explora o mistério da vinda de Elias por meio de João Batista e os mecanismos espirituais de reconhecimento. Analisaremos primeiramente o contexto pós-Transfiguração e as expectativas messiânicas, desenvolvendo em seguida três temas principais: o motivo profético do Elias renascido, a dinâmica da recusa e cegueira coletivas e a ligação entre o reconhecimento equivocado do precursor e a rejeição do Messias. Por fim, fundamentaremos essas verdades em nosso cotidiano por meio de aplicações concretas e uma meditação sobre a abertura ao inesperado de Deus.
A descida da montanha: um momento crucial no ciclo de Matthew
A passagem em Mateus 17:10-13 faz parte de uma sequência narrativa de notável densidade teológica. Jesus acabara de presenciar a Transfiguração no monte (Mt 17:1-9) com Pedro, Tiago e João. Essas três testemunhas viram Cristo resplandecente em glória, conversando com Moisés e Elias, e ouvindo a voz do Pai proclamar: "Este é o meu Filho amado". Ao descerem, Jesus instruiu-os a não dizerem nada a respeito dessa visão "até que o Filho do Homem ressuscite dos mortos".«
É nesse contexto de revelação deslumbrante e da ordem de permanecer em silêncio que surge a pergunta dos discípulos. Sua pergunta não é insignificante: ela toca no âmago da escatologia judaica da época. Segundo Malaquias 3, Nos versículos 23-24, Deus enviaria o profeta Elias antes do "grande e terrível dia do Senhor" para reconciliar os corações e preparar o povo. Os escribas, portanto, ensinavam que Elias deveria preceder o Messias. Ora, Jesus claramente age como o Messias, mas onde está Elias?
A resposta de Jesus se desenrola em duas etapas. Primeiro, ele confirma o ensinamento bíblico: "Elias virá para restaurar todas as coisas". O uso do futuro do indicativo aqui pode parecer surpreendente, mas enfatiza a dimensão escatológica contínua da promessa. Em seguida, sem transição, ele acrescenta: "Elias já veio". Esse presente perfeito transforma a perspectiva. O precursor anunciado não é uma figura que virá num futuro distante, mas um homem que já realizou seu ministério. Os discípulos testemunharam sua pregação, seu batismo, sua prisão e sua execução. E não viram nada.
A identificação de Elias com João Batista não é novidade no Evangelho de Mateus. Em 11:14, Jesus já declara: «Se vocês quiserem aceitar, este é o Elias que havia de vir». Mas aqui, após a Transfiguração, onde Elias apareceu ao lado de Moisés, a revelação assume uma dimensão dramática. O precursor foi incompreendido, maltratado e, por fim, decapitado. E Jesus acrescenta esta profecia arrepiante: «Assim também o Filho do Homem sofrerá nas mãos deles». O destino do mensageiro prenuncia o do Messias. O reconhecimento equivocado por João antecipa a rejeição de Jesus.
Esta passagem ocorre, portanto, num momento crucial. A glória do Tabor ainda ilumina suas mentes, mas a sombra da Cruz já se estende. Os discípulos começam a compreender: o Reino não virá no esplendor triunfal que esperavam. Ele virá através da kenosis, da humildade e da negação. E essa compreensão se inicia com uma dolorosa retrospectiva: falhamos em reconhecer.
Anatomia Espiritual da Cegueira: Por Que Não Conseguimos Ver
A afirmação central da passagem – «eles não o reconheceram» – merece uma análise mais detalhada. O verbo grego epiginōskō Significa reconhecer plenamente, identificar-se com certeza. Não se trata de ignorância factual: todos conheciam João Batista. Seu ministério causou sensação. Multidões acorreram ao Jordão. O próprio Herodes o temia e o ouvia de bom grado (Marcos 6:20). O problema, portanto, não é a falta de informação, mas a falta de visão espiritual.
Diversos mecanismos explicam essa cegueira. Primeiro, os escribas e fariseus haviam construído uma imagem preconcebida de Elias. Esperavam uma figura gloriosa, talvez um reaparecimento físico do profeta levado ao céu num carro de fogo. João Batista, com suas vestes de pelo de camelo, sua dieta de gafanhotos e sua mensagem de arrependimento radical, não se encaixava nesse roteiro. Ele era severo demais, exigente demais, destoava muito das expectativas de um retorno triunfal.
Então, o próprio Jean recusou explicitamente o título. João 1, No capítulo 21, quando questionado pelos sacerdotes e levitas, ele respondeu: «Eu não sou Elias». Essa declaração não contradiz as palavras de Jesus, mas é uma questão de perspectiva. João nega ser a reencarnação literal do profeta, embora cumpra funcionalmente sua missão. Ele vem «no espírito e poder de Elias» (Lucas 1, 17), que é diferente de uma identidade pessoal. Mas essa nuance teológica escapa àqueles que buscam sinais externos espetaculares.
O terceiro fator dessa cegueira reside na natureza perturbadora da mensagem. João pregava a conversão radical, denunciava a hipocrisia religiosa e chamava os líderes espirituais que se batizavam sem arrependimento sincero de "raça de víboras". Seu ministério era um julgamento vivo sobre o sistema vigente. Reconhecê-lo como o Elias prometido significaria admitir a validade de sua crítica e, portanto, questionar todo um sistema religioso e social. Era mais conveniente classificá-lo como um visionário, um profeta entre outros, uma voz dissidente a ser ignorada.
Finalmente, e talvez o mais profundo, a ignorância de João revela uma incompreensão fundamental dos caminhos de Deus. As Escrituras anunciam um precursor que "colocará todas as coisas em seu devido lugar" (apokathistēmi, (Um termo que evoca restauração completa). No entanto, João foi preso e depois executado. Que restauração? Que preparação dos corações? Aos olhos de seus contemporâneos, seu ministério havia terminado em fracasso. O Messias que ele predissera não viera com o poder esperado. O machado não fora posto às raízes das árvores. O fogo purificador não consumiu os ímpios. Como poderia o fracasso ser o cumprimento de uma promessa?
Esta última pergunta se relaciona com O mistério de Pascal ele mesmo. O modo de ação de Deus não corresponde à lógica do poder humano. João cumpriu sua missão não por meio do sucesso institucional, mas por meio de lealdade radical, o que o levou ao martírio. Ele abriu o caminho ao personificar a verdade, mesmo ao custo da própria vida. E é precisamente essa lógica da kenosis que o mundo não consegue reconhecer, porque contradiz toda a sabedoria mundana.
Elias redivivus, ou o retorno do profeta na história da salvação
A tradição do retorno de Elias está enraizada nos versículos finais do profeta Malaquias, que concluem o conjunto profético do Antigo Testamento. Essa profecia não era uma especulação marginal, mas uma expectativa central da escatologia judaica do Segundo Templo. Escritos apócrifos, literatura rabínica e os Manuscritos do Mar Morto testemunham a vitalidade duradoura dessa esperança. Elias retornaria para resolver disputas haláchicas, reconciliar famílias divididas, purificar o sacerdócio e anunciar a chegada do Messias.
Por que Elias em particular? Porque, segundo 2 Reis 2, ele não morreu, mas foi «levado ao céu num redemoinho». Esse misterioso desaparecimento deixou em aberto a possibilidade de seu retorno. Além disso, o ministério histórico de Elias marcou um momento de grande crise na história de Israel. Diante da apostasia do rei Acabe e de Jezabel, e com a idolatria de Baal ameaçando subjugar o yahwismo, Elias personificou o profeta intransigente que chamou o povo de volta à Aliança. O desafio no Monte Carmelo, onde ele invocou fogo do céu sobre o sacrifício, permaneceu gravado na memória coletiva como o símbolo da escolha decisiva: «Até quando vocês ficarão indecisos entre duas opiniões? Se o Senhor é Deus, sigam-no; mas, se Baal é Deus, sigam-no» (1 Reis 18:21).
Contudo, na época de Jesus, muitos percebiam uma situação semelhante. O templo era controlado por uma elite sacerdotal comprometida por suas relações com Roma. Fé Israel estava se tornando inflexível em suas observâncias ritualísticas. O povo gemia sob a ocupação pagã. Movimentos messiânicos se multiplicavam, todos aguardando o dia em que Deus finalmente interviria para restaurar Israel. Nesse contexto, a vinda de Elias foi o sinal há muito esperado de que a contagem regressiva havia começado.
João Batista cumpre esse papel eliatico de muitas maneiras. Como Elias, ele prega no deserto, longe dos centros de poder religioso. Sua túnica de pelos de camelo lembra o manto de Elias (2 Reis 1:8). Sua mensagem clama por uma escolha radical: conversão ou perecimento. Ele pratica um batismo de arrependimento que simboliza a purificação necessária antes da vinda do Messias. E, acima de tudo, ele cumpre a missão de Malaquias de "converter o coração dos pais para os filhos", preparando um povo pronto para o Senhor.
Mas João também introduz uma inovação decisiva. O Elias esperado restauraria o culto, talvez reconstruiria o templo e reuniria as tribos dispersas. João, porém, anuncia aquele que "batizará com o Espírito Santo e com fogo". Ele aponta para além de si mesmo, para o verdadeiro restaurador, declarando: "É necessário que ele cresça e que eu diminua" (João 3, 30), cumpre a função eliatica não como um fim em si mesma, mas como uma passagem, uma ponte entre a antiga Aliança e a nova.
O reconhecimento de João como Elias por Jesus produz, portanto, uma profunda hermenêutica profética. Afirma que as Escrituras se cumprem, mas não necessariamente da maneira esperada. As Escrituras são fiéis, mas nossa leitura delas é frequentemente limitada. Deus cumpre a sua palavra, mas a sua palavra transcende a nossa compreensão. João é Elias, não por meio da reencarnação ou reaparecimento milagroso, mas por meio da participação na missão eliata, em "espírito e poder". Essa lógica de cumprimento "de uma maneira diferente" será característica de toda a revelação cristã: Jesus é o Messias, mas não o Messias político esperado; ele estabelece o Reino, mas não pela força das armas; ele triunfa, mas por meio da Cruz.
A ironia dramática da passagem reside no fato de que os discípulos, tendo acabado de ver Elias no Monte da Transfiguração ao lado de Moisés e Jesus, não compreenderam que esse mesmo Elias havia acabado de cumprir sua missão terrena em João. A visão gloriosa do Tabor contrasta fortemente com a incompreensão da planície. Isso demonstra que a revelação por si só não basta: é preciso também ter olhos para ver. A presença real de Elias na economia da salvação permeava tanto a dimensão histórica (João Batista) quanto a dimensão escatológica (a aparição na montanha), mas apenas fé Iluminada por Cristo, ela poderia conectar os dois.
Essa tensão entre a realização já concretizada e a esperança ainda presente caracteriza toda a escatologia cristã. Elias «virá» e «já veio»: as duas afirmações coexistem. O Reino «já está aqui» e «ainda não» se manifestou plenamente. Vivemos no tempo do cumprimento iniciado, onde as promessas estão sendo concretizadas a critério de Deus. fé, Enquanto aguardamos a revelação final, onde "todos os olhos verão", nossa tarefa é discernir os sinais desse cumprimento na obra de Deus hoje, sem nos deixarmos cegar pela não conformidade com padrões preestabelecidos.
«"Eles fizeram o que quiseram com ele", ou a dinâmica da rejeição.
A frase usada por Jesus – «fizeram com ele tudo o que quiseram» – ressoa como uma condenação contundente da liberdade humana deixada à própria sorte. Ela descreve não um incidente isolado, mas um padrão, uma estrutura de negação que se repetirá com o próprio Cristo. Esse «tudo o que quiseram» abrange a prisão arbitrária, o encarceramento e, por fim, a execução de João por capricho de Herodias e sua filha (Mt 14:1-12).
Os relatos da morte de João Batista em Mateus e Marcos apresentam uma confluência de fatores: a ira de Herodias, que não conseguia perdoar João por denunciar seu casamento adúltero com Herodes; a fraqueza de Herodes, que respeitava João, mas cedeu a uma promessa imprudente; a manipulação de uma dança e uma exigência mortal; e a completa ausência de julgamento ou processo legal. É pura arbitrariedade, o poder se arrogando o direito de silenciar uma voz dissidente.
Essa violência contra o profeta revela uma profunda verdade antropológica: a humanidade, entregue aos seus desejos, não suporta a luz da verdade. João denunciou o adultério real, mas, simbolicamente, denunciou toda infidelidade à Aliança. Ele lembrou a todos que a Lei de Deus é vinculativa até mesmo para os poderosos, especialmente para os poderosos. Essa mensagem era intolerável para um poder construído sobre o compromisso e a realpolitik.
As palavras de Jesus também ressaltam a dimensão coletiva da rejeição: "eles" não se refere apenas a Herodes e sua corte, mas a toda uma sociedade que permaneceu inerte, que não protestou, que aceitou a injustiça. Os discípulos de João recuperaram seu corpo e o sepultaram, depois foram informar Jesus (Mt 14:12). Mas onde estava a revolta popular? Onde estava a indignação das multidões que ouviram João no Jordão? O silêncio coletivo ratifica o crime dos poderosos.
Ao vincular explicitamente o destino de João ao que o aguardava — "assim o Filho do Homem sofrerá nas mãos deles" — Jesus estabelece uma continuidade profética na rejeição. Essa continuidade percorre toda a história bíblica. Os profetas sempre foram perseguidos. O próprio Elias teve que fugir de Jezabel, que queria matá-lo. Jeremias foi jogado em uma cisterna. Zacarias foi apedrejado no pátio do templo. Mais tarde, Jesus os lembraria disso com amargura: "Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados" (Mateus 23:37).
Esse padrão de rejeição não é acidental. Ele revela uma resistência sistêmica à palavra de Deus quando esta perturba a ordem estabelecida. As instituições religiosas, quando se tornam rígidas, tendem a rejeitar as vozes proféticas que as chamam à conversão. Conforto espiritual, respeitabilidade social, investimento em estruturas de poder: tudo isso entra em conflito com o radicalismo evangélico. João, assim como Jesus, assim como todos os profetas autênticos, representava uma ameaça a esses equilíbrios precários.
Mas, além da análise sociológica, existe um mistério teológico mais profundo. Por que Deus permite que seus mensageiros sejam tratados dessa maneira? A resposta cristã reside na teologia da Cruz. A rejeição do mensageiro é parte integrante de sua missão. Ao suportar a injustiça, João não experimenta o fracasso de sua missão, mas sim o seu cumprimento. Ele prepara o caminho para o Messias não apenas por meio de sua pregação, mas também por meio de seu martírio. Ele proclama aquele que "não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Mt 20,28), e o faz dando a própria vida.
Essa lógica contraria toda a sabedoria humana. O mundo julga o sucesso por resultados visíveis: crescimento. digital, Influência social, impacto mensurável. O Reino de Deus julga por lealdade radical, mesmo em aparente fracasso. João morre sem ter visto o Messias estabelecer o Reino de poder que ele predisse. Ele chega a duvidar, a partir de sua própria experiência, de que o Messias o estivesse estabelecendo. prisão, Enviar alguém para perguntar a Jesus: "És tu aquele que há de vir, ou devemos nós..." esperar por outro ? " (Mateus 11, 3). No entanto, é precisamente nesta fidelidade ao fim, nesta perseverança sem garantias, que a missão eliatica se realiza.
A frase "tudo o que eles queriam" é então invertida para "tudo o que Deus permitiu para a salvação". O mal cometido permanece mal, indesculpável. Mas Deus, em sua misteriosa providência, usa até mesmo a recusa e a violência para levar adiante seu plano. A morte de João se torna a semente do Reino. Seu martírio testemunha que é melhor morrer fiel do que viver em transigência. E para os discípulos de Jesus, essa lição ressoa como uma advertência e uma promessa: uma advertência de que seguir a Cristo pode levar ao mesmo destino, uma promessa de que esse destino é o caminho para a glória.
«Então os discípulos entenderam», ou a pedagogia progressiva da revelação.
O versículo final – «Então os discípulos entenderam que ele estava falando com eles sobre João Batista »"– marca um momento crucial na consciência dos Doze. Essa compreensão não é meramente intelectual (identificando João como o Elias profetizado), mas existencial: ela os conduz à inteligência do O mistério de Pascal, Deste Messias que triunfa através do aparente fracasso, deste Reino que vem em fraqueza.
Observe o "então" (bolsa), o que ressalta a natureza repentina dessa iluminação. Ela não provém de um raciocínio laborioso, mas de uma palavra de Jesus que abre os olhos. Essa é uma característica constante do Evangelho de Mateus: fé surge do encontro com a palavra de Cristo que decifra as Escrituras e a história. Os discípulos tinham ouvido João pregar, podem tê-lo seguido antes de seguirem Jesus (cf. João 1, (35-37), eles tinham testemunhado sua prisão, tinham sabido de sua morte. Mas eles não tinham "entendido". Jesus teve que conectar os pontos, articular João e Elias, João e o Messias, o sofrimento do precursor e o que aguarda o Filho do Homem.
Essa pedagogia progressiva caracteriza toda a economia da revelação. Deus não revela sua verdade de uma só vez, com uma clareza ofuscante que dispensaria... fé. Ele destila, insinua e sugere a verdade por meio de eventos, palavras e sinais que exigem interpretação. Os discípulos convivem com Jesus, veem-no agir, ouvem-no ensinar, mas muitas vezes só compreendem depois. O Cristo ressuscitado abrirá suas mentes às Escrituras (Lc 24:45), e o Espírito Santo os conduzirá a toda a verdade (Jo 16:13). Mas já nesses momentos de revelação parcial, como o de Mateus 17:13, a luz desponta.
Inicialmente, a compreensão dos discípulos se concentrou no cumprimento profético: sim, Elias havia vindo em João. Mas imediatamente se estendeu à trajetória do próprio Messias. Se o precursor foi rejeitado e morto, o Messias sofreria o mesmo destino. Essa projeção é aterradora. Ela destrói a esperança de um Messias triunfante que derrubaria os romanos e estabeleceria um reino de glória imediata. Ela nos força a repensar completamente o que significam "Messias", "Reino" e "salvação".«
É fácil imaginar o choque sentido pelos discípulos. Eles acabavam de descer de uma montanha onde viram Jesus transfigurado em glória, conversando com os gigantes da Aliança, Moisés e Elias, e confirmado pela voz divina. Tudo parecia convergir para uma manifestação deslumbrante. E, no entanto, em poucas palavras, Jesus os trouxe de volta à dura realidade: o caminho passava pela rejeição e pela morte. A glória do Tabor não apaga o Calvário; revela seu significado último, mas não o contorna.
Essa tensão entre a revelação gloriosa e a predição da Paixão permeia toda a seção central de Mateus. Pouco antes da Transfiguração, Jesus anunciou seu sofrimento pela primeira vez, provocando a reação escandalizada de Pedro: "Deus me livre, Senhor! Isso jamais te acontecerá!" (Mt 16,22). Logo após nossa passagem, enquanto descíamos de volta para a Galileia, Jesus reiterou: "O Filho do Homem será entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão" (Mt 17,22-23). O método de ensino de Jesus consiste em repetir essa verdade difícil sob diferentes perspectivas até que ela penetre nos corações.
«A expressão »Então os discípulos entenderam« não significa que compreenderam tudo de imediato, nem que aceitaram serenamente. O texto diz que eles »entenderam que ele estava falando de João”, não que absorveram completamente todas as implicações. Além disso, alguns capítulos depois, Tiago e João voltarão a exigir lugares de honra no Reino (Mt 20:20-28), mostrando que ainda não compreenderam a lógica do serviço e do sacrifício. Pedro negará Jesus, e todos fugirão. A verdadeira compreensão só virá depois da Páscoa.
Mas esse "então" representa, ainda assim, um progresso, mais um passo no caminho para... fé Na vida adulta, os discípulos começam a vislumbrar que Deus age de maneira diferente da que imaginavam. Começam a conectar os sofrimentos presentes às antigas promessas, não como uma contradição, mas como um cumprimento paradoxal. Começam, timidamente, a suspeitar que o martírio pode ser uma vitória, que a fraqueza pode ser força, que a morte pode ser uma passagem.
Essa pedagogia divina nos diz respeito diretamente. Nós também vivemos no espaço entre a revelação que começou e a compreensão que ainda precisa ser aperfeiçoada. Nós também temos momentos de Tabor, onde tudo parece luminoso, seguidos por descidas à planície onde nada parece fazer sentido. Nossa fé se constrói nessa alternância, nesses lampejos de compreensão seguidos por longas jornadas através do crepúsculo. O importante não é ter compreendido tudo de uma vez, mas permanecer no caminho, dócil à palavra que gradualmente ilumina.

Discernindo os mensageiros de Deus em nosso dia a dia.
A lição do texto se traduz imediatamente em vigilância prática. Se os contemporâneos de João não reconheceram o Elias prometido, foi porque sua estrutura interpretativa era inadequada. Eles buscavam um sinal espetacular, uma figura que correspondesse às suas expectativas. Muitas vezes fazemos o mesmo. Temos ideias preconcebidas sobre como Deus deve intervir em nossas vidas, as formas que sua providência deve assumir e as pessoas por meio das quais ele deve nos falar.
Na vida cotidiana, isso se traduz em um risco constante de não percebermos os mensageiros de Deus. A palavra que nos chama pode vir de alguém que consideramos espiritualmente despreparado. A correção de que precisamos pode vir de alguém que nos irrita. O convite para mudar de rumo pode surgir de uma circunstância que consideramos insignificante. Se sempre esperarmos que Deus nos fale com a pompa de uma liturgia impecável ou por meio de figuras carismáticas, corremos o risco de perder o ponto essencial.
Tomemos como exemplo as nossas comunidades paroquiais ou os nossos locais de trabalho. Por vezes, existem pessoas discretas, modestas e socialmente marginalizadas que, no entanto, possuem uma verdade essencial. Talvez um colega que, sem grandes discursos, viva com uma integridade que nos desafia. Talvez um membro do nosso grupo de oração que, na sua simplicidade, exponha as nossas concessões. Talvez até uma criança que, com um comentário ingênuo, nos faça lembrar o que realmente importa. "Não o reconheceram": a tragédia reside em ignorá-los, em não os ouvir, porque não se encaixam no perfil do "mestre espiritual" que escolhemos.
Em casais e famílias, essa dinâmica se repete diariamente. Quando um cônjuge faz um comentário perturbador sobre nosso egoísmo, orgulho ou excessos, ele é apenas um incômodo ou um João Batista nos preparando para acolher Cristo em nossas vidas? Quando um adolescente questiona nossa prática religiosa superficial, ele é um rebelde a ser subjugado ou um profeta nos lembrando que Deus deseja a verdade em nossos corações? Discernimento significa não rejeitar as palavras incômodas de imediato, mas examiná-las honestamente: e se Deus estiver falando comigo por meio dessa pessoa, apesar de suas dificuldades, apesar de suas imperfeições?
O texto também nos convida a refletir sobre nossa relação com as instituições eclesiásticas. João Batista exerceu seu ministério fora das estruturas oficiais do Templo. Pregou no deserto, não em Jerusalém. Batizou no Jordão, não nos banhos rituais do sacerdócio. Essa condição de forasteiro não invalidou sua missão; pelo contrário, tornou-a profeticamente necessária. De maneira semelhante, hoje, a voz de Deus não se limita aos canais oficiais. Ela pode surgir de movimentos de renovação, novas comunidades e vozes isoladas que clamam por conversão. Reconhecer essas vozes sem cair na crítica sistemática da Igreja requer um discernimento sutil, porém necessário.
Finalmente, e isto é crucial, o texto nos convida a questionar o nosso próprio papel. Talvez sejamos chamados, em nossa modesta escala, a ser como João Batista para aqueles que nos rodeiam. Não nos colocando como autoridades morais, mas vivendo uma vida evangélica radical que nos desafie. Nossa coerência entre a fé professada e a experiência vivida, nossa recusa de certos compromissos éticos, nossa disponibilidade para com os pobres: tudo isso pode preparar o caminho do Senhor nos corações daqueles que nos observam. Mas estamos prontos para pagar o preço? Pois "fizeram com ele tudo o que lhe pareceu bem" nos lembra que lealdade Pronunciamentos proféticos expõem a pessoa à rejeição, incompreensão e, às vezes, hostilidade.
Ecos na tradição
A figura de João Batista como Elias renascido influenciou profundamente a teologia cristã e a espiritualidade dos Padres da Igreja. Orígenes, em seu Comentário sobre Mateus, desenvolve a ideia de que João veio "em espírito e poder de Elias", significando que ele recebeu o mesmo carisma profético sem ser a mesma pessoa reencarnada, visto que a Igreja sempre rejeitou a metempsicose. Essa distinção nos permite compreender o cumprimento profético como participação em uma missão tipológica, e não como uma repetição literal.
São João Crisóstomo, em suas Homilias sobre Mateus, enfatiza que Jesus responde aos discípulos mostrando que as profecias se cumprem de maneira diferente daquela ensinada pelos escribas. Para Crisóstomo, o erro dos escribas não residia na leitura de Malaquias, mas em sua interpretação rígida. Eles haviam transformado o anúncio profético em um texto imutável, incapazes de aceitar que Deus conserva sua soberana liberdade na maneira como cumpre sua palavra. Essa reflexão do Padre da Igreja lança luz sobre nossa própria tentação de confinar Deus aos nossos sistemas teológicos.
Santo Agostinho, Agostinho, em sua obra *De consensu evangelistarum*, aborda a aparente contradição entre a declaração de João, "Eu não sou Elias", e a afirmação de Jesus, "Elias já veio". Ele resolve a dificuldade distinguindo entre pessoa e função. João nega ser Elias em pessoa, mas Jesus afirma ser Elias em missão. Essa hermenêutica agostiniana influenciou toda a compreensão medieval da tipologia bíblica: as figuras do Antigo Testamento encontram sua plenitude no Novo, não por meio de continuidade física, mas por meio de correspondência espiritual e funcional.
A liturgia de Advento Essa dinâmica é acolhida. João Batista ocupa um lugar central, particularmente durante a segunda metade do Advento. A Igreja nos convida a meditar sobre sua figura para nos prepararmos para o Natal, reafirmando assim seu papel de precursor. Ao contemplarmos João, somos convidados a "preparar o caminho do Senhor" em nossos corações, a "endireitar as suas veredas" por meio da conversão. O lema batista, "É necessário que ele cresça e que eu diminua", torna-se um programa espiritual: abrir espaço para Cristo, livrando-nos dos nossos fardos interiores.
Teologicamente, nossa passagem levanta a questão da hermenêutica escatológica. Como devemos ler as promessas do Antigo Testamento à luz de Cristo? Deveríamos... esperar por um cumprimento literal de todas as profecias, incluindo aquelas que parecem não ter se cumprido? A cristologia clássica responde com uma dialética do "já" e do "ainda não". Cristo inaugurou o Reino, cumpriu as promessas essenciais, mas a consumação final ainda está por vir. Da mesma forma, Elias veio em João para preparar a primeira vinda e retornará (numa perspectiva que o Apocalipse (Evoca misteriosamente as duas testemunhas de Apocalipse 11) para preparar a Parusia. Essa tensão constante ajuda a evitar duas armadilhas: a realização escatológica, que negaria toda esperança futura, e o futurismo, que ignoraria o cumprimento presente.
A teologia do martírio também está enraizada neste texto. João morre fiel à sua missão, prefigurando o martírio de Cristo e o dos discípulos. Tertuliano dirá que "o sangue dos mártires é a semente dos cristãos": a rejeição e a violência sofridas tornam-se, no plano divino, um princípio de fecundidade. O martírio não é um acidente lamentável, mas uma participação misteriosa na Cruz salvadora. Cada vez que uma testemunha de Cristo sofre injustiça pela verdade, ela "completa o que falta nos sofrimentos de Cristo" (Col 1, 24), não que o sacrifício de Cristo seja insuficiente, mas porque associa os seus membros à sua obra redentora.
Finalmente, o conceito de reconhecimento (epiginōskō) abre caminho para uma teologia de fé como visão iluminada. Os contemporâneos de João tinham olhos, mas não viam, ouvidos, mas não ouviam (Mt 13:13-15). Fé Não consiste meramente em crer em afirmações, mas em ver a presença ativa de Deus na história. É uma visão renovada que discerne os sinais dos tempos, que reconhece as idas e vindas do Senhor, inclusive e sobretudo quando trilham os caminhos da humildade e da kenosis. Esta teologia do reconhecimento culminará nos relatos das aparições pascais, onde os discípulos reconhecem o Ressuscitado somente no momento em que Ele se revela (Lc 24,31; Jo 20,16).
Exercício prático: o exame de consciência aprofundado
Para integrar essa mensagem em nossas vidas concretas, podemos propor uma prática simples, dividida em quatro etapas progressivas a serem concluídas ao longo de uma semana ou durante um retiro.
Primeiro passo Releia sua história para identificar as instâncias não reconhecidas da presença de Deus. Reserve um momento de silêncio, caderno em mãos, e pergunte a si mesmo: "Em que momentos da minha vida Deus interveio sem que eu percebesse na época?" Pode ter sido um encontro aparentemente insignificante que mudou seu rumo, um fracasso que se revelou uma bênção ou uma palavra que silenciosamente criou raízes antes de florescer. Anote esses momentos e agradeça pelo que, em retrospectiva, você percebe como obra de Deus.
Segundo passo Identifique os "Joões Batistas" em nossas vidas. Quem são as pessoas que nos chamam à conversão, à verdade, à mudança radical? Não necessariamente aqueles com mais diplomas teológicos ou os mais carismáticos, mas aqueles que, por meio de suas vidas ou palavras, nos desafiam de maneira benéfica. Lembre-se dessas figuras, talvez reconecte-se com elas se tivermos nos distanciado, e agradeça-lhes, interior ou exteriormente, por seu papel profético.
Terceiro passo Examinemos nossa resistência. Como nossas expectativas preconcebidas sobre Deus nos impedem de reconhecer Seus caminhos? Temos uma imagem "domesticada" de Deus, um Deus que deve sempre nos confortar, nos tranquilizar e validar nossas escolhas? Ou estamos abertos a um Deus que nos desafia, nos questiona e nos chama a sair da nossa zona de conforto? Confessemos nossas rigidezes e peçamos por um coração dócil.
Quarto passo Pratique a abertura diária. Todas as noites, durante uma semana, revise o seu dia, perguntando-se: "Hoje, quando Deus tentou falar comigo? Através de quem? Através de quê?" Pode ter sido através de uma palavra ouvida na missa, um versículo bíblico que ressoou em você, uma conversa, um evento inesperado ou um sentimento interior. Observe esses pequenos sinais e responda a eles com uma breve oração: "Senhor, ajude-me a reconhecer melhor a sua presença."«
Essa prática de atenção plena transforma gradualmente nossa perspectiva. Tornamo-nos mais sensíveis à maneira como Deus entra no curso ordinário de nossas vidas, muitas vezes de formas inesperadas. E essa consciência aguçada nos prepara para não perdermos a presença do Senhor quando Ele vier, não na glória deslumbrante que esperamos, mas na quietude da Encarnação contínua.

Desafios contemporâneos e resistência a esta mensagem
A nossa cultura atual torna particularmente difícil a aceitação deste texto. Vários obstáculos contemporâneos merecem ser mencionados e abordados.
Primeiro, o reinado do sensacionalismo midiático. Vivemos em uma civilização de imagens espetaculares, burburinho e viralidade. Um evento só existe se for visto, curtido e compartilhado. Nesse contexto, a ideia de que Deus possa passar despercebido, de que seu mensageiro possa ser desconhecido, parece absurda. Esperamos sinais grandiosos, milagres filmados e conversões estrondosas. O ministério de João Batista, rude e marginalizado, não teria a menor chance contra os influenciadores espirituais de nossa época. Contudo, o texto nos lembra que é justamente na discrição, até mesmo na insignificância social, que Deus muitas vezes realiza sua obra.
Depois, há o nosso individualismo consumista aplicado à religião. Queremos uma espiritualidade à la carte, que nos satisfaça sem nos perturbar demasiado. A ideia de um precursor que clama por arrependimento radical, que se refere às pessoas como uma "raça de víboras", que exige conversão antes do batismo, ofende a nossa sensibilidade. Preferiríamos um mensageiro mais conciliador, que valide as nossas escolhas, que nos assegure que tudo está bem. Reconhecer João como mensageiro de Deus implica aceitar que ele nos possa desafiar, confrontar-nos com as nossas contradições e exigir mudanças concretas.
Em terceiro lugar, nossa dificuldade com o fracasso. Numa sociedade focada em desempenho e sucesso, a ideia de que uma missão divina possa ser cumprida através de aparente fracasso, rejeição ou morte é quase impensável. Se João realmente foi enviado por Deus, por que ele acabou decapitado? prisão Por que Deus não interveio? Essas perguntas legítimas se chocam com o mistério da Cruz. No entanto, nossa cultura perdeu em grande parte a compreensão desse mistério. Ela oscila entre um positivismo ingênuo (Deus sempre deve resolver as coisas) e a... niilismo Desespero (se as coisas não melhoram, é porque não há Deus). A mensagem bíblica de salvação por meio da kenosis continua sendo um escândalo e uma loucura (1 Coríntios 1:23).
Em quarto lugar, nossa crise de autoridade e mediação. Quem é você, João Batista, para me dizer o que fazer? Quem é a Igreja para se atrever a me ensinar a verdade? Nossa época valoriza a autonomia absoluta, a construção pessoal de significado e a rejeição de qualquer pronunciamento que pretenda se impor de fora. Nesse contexto, a figura do profeta que vem "de Deus" com uma mensagem inegociável torna-se suspeita, até mesmo intolerável. No entanto, cristandade Baseia-se numa estrutura de revelação e mediação: Deus fala, envia mensageiros e revela-se por meio de palavras e sinais externos a nós. Reconhecer Elias em João Batista implica aceitar que Deus pode nos alcançar por meio de outro, por meio de uma palavra que vem de outro lugar.
Finalmente, nossa relação com a violência. O texto evoca a violência infligida a João: prisão, execução. Ele prenuncia a violência que viria contra Jesus. Para muitos hoje, a violência sofrida desqualifica a causa. Se Deus estivesse realmente com João, ele o teria protegido. Se Jesus fosse realmente o Messias, ele não teria sido crucificado. Essa lógica, compreensível de uma perspectiva humana, ignora a lógica do Evangelho. Deus não promete invulnerabilidade, mas vitória através e além da violência sofrida. Ele não elimina a perseguição, mas a transforma em um caminho de ressurreição. Isso implica uma conversão radical de nossa imaginação: deixar de projetar nossos desejos de poder triunfante em Deus, aceitando sua aparente fraqueza como o modo soberano de ação.
Diante desses desafios, a resposta não é lamentar os nossos tempos nem buscar refúgio na nostalgia do passado. É compreender a essência da mensagem: Deus muitas vezes se revela na discrição, na humildade e na aparente contradição. Reconhecer essas aparências exige um olhar perspicaz. fé, uma disposição para ajudar, um humildade que aceita ser perturbado. E isso continua sendo possível hoje como ontem, para aqueles que aceitam mudar seus critérios de julgamento do visível para o invisível, do sucesso mundano para lealdade evangélico.
Oração
Senhor Jesus Cristo, que caminhaste sobre esta terra na companhia de homens e mulheres que muitas vezes não te reconheciam, abre os nossos olhos e os nossos corações para a tua presença oculta no momento presente das nossas vidas.
Agradecemos-vos por João Batista, vosso precursor, voz que clamou no deserto, testemunha inabalável da verdade, mártir da integridade. Ele preparou os vossos caminhos, chamando à conversão, e o seu sangue derramado fertilizou o solo onde as vossas Boas Novas criariam raízes. Que ele nos ensine a viver este mesmo compromisso radical em lealdade diário.
Perdoa-nos, Senhor, por todas as vezes que deixamos de reconhecer os teus mensageiros. Quantas vezes ignoramos uma palavra que nos perturbou, fechamos a porta àquele que enviaste, julgando pelas aparências em vez de pelo Espírito? Quantas vezes preferimos as imagens que tínhamos de ti à tua presença real e desconcertante?
Conceda-nos uma nova perspectiva, um coração dócil e ouvidos atentos. Que possamos discernir a sua mão nos acontecimentos dos nossos dias, a sua voz nas palavras daqueles que nos rodeiam e o seu chamado nas circunstâncias que o Senhor permite. Liberte-nos das nossas rigidezes, das nossas certezas limitadas e das nossas expectativas excessivamente humanas.
Senhor, envia-nos profetas que nos reconduzam constantemente ao essencial, que denunciem nossos compromissos, que nos despertem da nossa tibieza. E concede-nos a graça de acolhê-los, mesmo quando suas palavras ferem nosso orgulho, mesmo quando suas exigências nos são difíceis.
Oramos também por todos aqueles que, hoje, levam a tua palavra a contextos hostis ou indiferentes. cristãos Pessoas perseguidas que sofrem o que João e você sofreram. Pelas vozes proféticas na Igreja e no mundo que clamam por justiça, para paz, À conversão ecológica e social. Apoiem-nos na sua fidelidade, consolem-nos nas suas provações e façam com que o seu testemunho dê frutos.
Prepara nossos corações, Senhor, assim como João preparou os corações de seus contemporâneos. Aplana as montanhas do orgulho dentro de nós, preenche os abismos do nosso vazio interior, endireita os caminhos tortuosos da nossa hipocrisia. Torna-nos prontos para a tua vinda, não apenas durante os momentos litúrgicos mais sublimes, mas em cada instante de nossas vidas.
E já que João predisse aquele que batizaria com o Espírito e com fogo, que esse Espírito nos inflame. Que ele consuma em nós tudo o que não vem de Ti, que ele purifique nossas intenções, que ele inflame nossa fé. caridade. Que possamos, por nossa vez, tornar-nos testemunhas ousadas do vosso Evangelho, não pela nossa própria força, mas pelo poder da vossa graça.
Finalmente, Senhor, mantém-nos vigilantes. Que não percamos o dia da tua visita. Que te reconheçamos quando passares, seja qual for a forma. E que, no fim das nossas vidas, nos digas: «Entra em alegria "Do teu senhor, servo bom e fiel, pois me reconheceste no menor dos meus irmãos."»
Por Jesus Cristo, nosso Senhor, em unidade com o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Amém.
Aprender a enxergar com os olhos da fé
Ao concluir esta meditação sobre Mateus 17:10-13, uma convicção emerge: reconhecer a ação de Deus na história e em nossas vidas não é algo óbvio. Requer uma mudança de perspectiva, uma educação da atenção espiritual, uma humildade que aceita ser surpreendido por um Deus que nunca se conforma completamente aos nossos cenários.
João Batista era o Elias esperado, mas de uma forma que ninguém havia previsto. Ele não retornou fisicamente do céu em uma carruagem de fogo. Ele não restaurou o reino de Israel pela força. Ele pregou, batizou, denunciou a injustiça e morreu decapitado. Missão cumprida? Aos olhos do mundo, um claro fracasso. Aos olhos de Deus, a preparação perfeita para o caminho do Messias.
Essa dissonância entre as aparências e a realidade profunda permeia todo o Evangelho. O Messias triunfará, mas através da Cruz. O Reino está lá, mas oculto como fermento na massa. Os últimos serão os primeiros., os pobres Eles são abençoados; perder a vida é ganhá-la. Tudo é subvertido, transvalorizado, transfigurado pela lógica da Encarnação e de a Ressurreição.
Nossa tarefa, portanto, é cultivar essa perspectiva evangélica. Deixar de julgar pelas aparências, pelos sucessos mensuráveis e pelos critérios mundanos. Buscar os sinais da presença de Deus não no espetacular, mas na fidelidade humilde, no serviço discreto, na verdade custosa. Acolher os profetas que Deus nos envia, mesmo que não vistam as vestes que esperávamos.
Na prática, isso se traduz em disponibilidade diária. Cada encontro, cada palavra ouvida, cada evento pode ser uma mensagem de Deus para mim. O colega que faz uma observação válida, mas inquietante; o amigo que me chama a ser mais consistente; a passagem bíblica que de repente ressoa em mim e me fala; a circunstância imprevista que me obriga a rever meus planos: todos esses são pontos de contato potenciais com o Senhor. Cabe a mim cultivar um coração suficientemente desperto para reconhecê-los.
E se por vezes duvidamos, se não conseguimos discernir o que vem de Deus e o que não vem, lembremo-nos do método de ensino dos discípulos. Eles não compreenderam tudo de uma só vez. Progrediram por tentativa e erro, através de correções sucessivas, através de iluminações graduais. Jesus, pacientemente, retomava as suas palavras, explicava e esperava que a compreensão amadurecesse. O Espírito Santo continua esta obra educativa dentro de nós. A vida espiritual não é uma corrida de curta distância, mas uma longa jornada onde gradualmente aprendemos a ver, a ouvir, a reconhecer.
«Elias já veio, e eles não o reconheceram.» Essa frase ressoa como um aviso e uma promessa. Aviso: não devemos perder o essencial. Promessa: mesmo que tenhamos perdido as aparições de Deus no passado, Ele continuará a se revelar, a falar conosco, a nos chamar. Ele é o Deus das segundas, terceiras e sétimas chances. Cada dia é um novo dia para recebê-Lo. Cada momento oferece uma oportunidade de reconhecimento.
Sim, preparemos o caminho do Senhor. Endireitemos as suas veredas. Não por meio de esforços sobre-humanos de ascetismo, mas por meio daquela abertura fundamental, daquela docilidade de coração que nos faz dizer: «Fala, Senhor, pois o teu servo ouve». Nessa escuta ativa e vigilância amorosa reside a nossa participação na vinda do Reino. João Batista preparou o caminho de Cristo em seu tempo. Somos chamados a prepará-lo em nosso tempo, em nossos lugares, com nossos próprios recursos. Depende de nós.
Dicas práticas: cinco ações para uma semana de atenção plena
Segunda-feira: Silêncio matinal. Antes de verificar seu celular ou mensagens, reserve cinco minutos de silêncio para perguntar ao Senhor: "O que o Senhor quer me dizer hoje? Por meio de quem, por meio de quê o Senhor falará comigo?" Observe à noite se algo lhe chamou a atenção.
Terça-feira: Relendo um relacionamento difícil. Identifique uma pessoa que o incomoda ou critica regularmente. Pergunte a si mesmo sinceramente: "E se Deus quiser falar comigo por meio dela? Quanta verdade posso aceitar no que ela me diz?"«
Quarta-feira: Leitura lenta de Malaquias 3, 1-4 e 3, 23-24. Medite sobre os textos originais a respeito de Elias, o precursor. O que me chama a atenção? O que eu esperava de Deus que não se cumpriu como planejado, mas talvez de uma maneira diferente?
Quinta-feira: Revisitando um fracasso. Refletindo sobre um projeto, um relacionamento, uma esperança que não se concretizou. Com a perspectiva do tempo e em oração, consigo discernir algo da providência divina nesse fracasso? Como Deus foi capaz de me preparar, me purificar e me redirecionar durante esse período?
Sexta-feira: Um gesto profético. Praticar um ato concreto em prol da verdade ou da justiça, mesmo que isso tenha um preço. Isso pode significar dizer uma verdade difícil, recusar um compromisso ético no trabalho ou dedicar tempo a obras de caridade. É vivenciar, à sua maneira, o que João Batista vivenciou.
SÁBADO : Eucaristia atento. Se possível, participe da missa, prestando especial atenção às leituras, à homilia e aos gestos litúrgicos. Peça ao Senhor que fale com você por meio desses elementos. Após a celebração, anote o que mais lhe tocou.
Domingo: Partilha comunitária. Com familiares ou amigos cristãos, discutam a seguinte questão: "Esta semana, como você percebeu a ação ou a comunicação de Deus com você?" Fortaleçam a capacidade de discernimento uns dos outros.
Referências
Fontes bíblicas primárias: Malaquias 3, 1-4 e 3, 23-24 (Promessa de Elias); 2 Reis 1-2 (Ciclo de Elias); ; Mateus 3, 1-17 e 11, 2-15 (João Batista); Marcos 6, 14-29 (morte de João); ; Lucas 1, 5-25 e 57-80 (anúncio e nascimento de João).
Padres da Igreja: João Crisóstomo, Homilias sobre o’Evangelho de São Mateus, homilia 56; Agostinho, Tratado sobre o Evangelho de João, tratados 4 e 5; Orígenes, Comentário sobre Mateus.
Teologia contemporânea: José Ratzinger / Bento XVI, Jesus de Nazaré, Volume 1, capítulo sobre João Batista; Hans Urs von Balthasar, Glória e a Cruz, seção sobre kenosis; René Girard, Vejo Satanás cair como um relâmpago, análise do mecanismo do bode expiatório aplicado a João e Jesus.
Espiritualidade: Charles de Foucauld, escritos sobre humildade e a imitação de Jesus; Teresa de Lisieux, manuscritos autobiográficos, sobre o pequeno caminho e a aceitação do aparente fracasso; Jean Vanier, A Comunidade, Lugar de Perdão e Celebração, sobre o reconhecimento de Deus em os pobres e os marginalizados.
Documentos do mestrado: Concílio Vaticano II, Dei Verbum (constituição sobre a Revelação Divina), especialmente os números 2-6 sobre a pedagogia da revelação; Evangelii Gaudium do papa François, n.º 169-173 sobre discernir os sinais dos tempos.


