«Jesus se alegrou no Espírito Santo» (Lc 10:21-24)

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Evangelho de Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele exato momento, Jesus, cheio de alegria pelo Espírito Santo, disse: «Pai, Senhor do céu e da terra, eu te agradeço porque escondeste estas coisas dos sábios e entendidos e as revelaste aos humildes. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. Todas as coisas me foram confiadas por meu Pai. Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar.»

Então, voltando-se para seus discípulos, disse-lhes em particular: "Bem-aventurados os olhos que contemplam o que vocês veem! Pois eu lhes digo que muitos profetas e reis desejaram ver o que vocês veem, mas não viram, e ouvir o que vocês ouvem, mas não ouviram."«

Redescobrindo a alegria de Deus ao nos tornarmos pequenos: quando a humildade abre as portas do Reino.

Uma meditação sobre Lucas 10, 21-24, onde Jesus nos revela que a verdadeira sabedoria vem através da abnegação e da simplicidade de coração..

Num mundo obcecado por desempenho e expertise, Jesus nos surpreende ao exultar de alegria por uma razão desconcertante: o que os sábios não entendem, os pequeninos compreendem. Esta passagem do Evangelho de Lucas nos convida a uma inversão radical de nossos valores. Longe de ser uma condenação da inteligência, é um convite a descobrir um conhecimento mais profundo, aquele que vem de...’humildade e a abertura do coração. Você que busca um encontro autêntico com Deus, este texto diz respeito diretamente a você.

Primeiramente, exploraremos o contexto imediato desta revelação de Jesus após o retorno dos setenta e dois discípulos. Em seguida, analisaremos a estrutura trinitária desta oração e sua conexão com a revelação. Desenvolveremos três pontos principais: alegria No Espírito, exploraremos o paradoxo da sabedoria oculta e revelada, e a bem-aventurança das testemunhas do Reino. Por fim, veremos como vivenciar concretamente essa espiritualidade da humildade em nosso dia a dia, antes de concluir com uma oração e algumas sugestões práticas.

O retorno triunfante que provoca exultação divina

A passagem de Lucas 10, Os capítulos 21 a 24 se passam em um momento crucial do ministério de Jesus. Pouco antes dessa cena, os setenta e dois discípulos retornam de sua missão, transbordando entusiasmo. Eles expulsaram demônios, curaram os enfermos e proclamaram o Reino. O sucesso os surpreende. "Senhor, até os demônios se submetem a nós em teu nome!", exclamam com uma alegria quase infantil.

Jesus reconhece a admiração deles, mas imediatamente esclarece a situação. Ele os lembra de que viu Satanás cair do céu como um relâmpago, confirmando que a missão deles é, de fato, parte da vitória sobre o mal. Mas acrescenta uma nuance crucial: «Não se alegrem porque os espíritos se submetem a vocês, mas alegrem-se porque os seus nomes estão escritos nos céus». A verdadeira alegria não vem de sucessos espetaculares, mas de pertencer a Deus.

É precisamente neste momento que Lucas usa uma expressão única em todo o seu Evangelho: Jesus «alegrou-se no Espírito Santo». Este verbo grego, «agalliaomai», expressa um êxtase de júbilo, uma alegria transbordante que toma conta de todo o ser. O texto insiste que esta alegria é produzida «no» ou «dentro» do Espírito Santo, destacando a sua dimensão trinitária. Não se trata de mera satisfação humana, mas de uma participação na Trindade. alegria divina em pessoa.

Essa alegria de Jesus contrasta fortemente com a atmosfera geral de seu ministério nessa fase. Pouco antes, ele havia proferido duras repreensões contra as cidades que rejeitaram sua mensagem. Falou de Corazim, Betsaida e Cafarnaum com uma tristeza tingida de julgamento. Mas agora, repentinamente, em meio a essas rejeições, algo desperta uma explosão de alegria dentro dele. Esse algo é precisamente a receptividade das "crianças" à revelação.

O contexto mais amplo de Lucas nos lembra que Jesus está a caminho de Jerusalém, em sua jornada rumo à Paixão. O evangelista estrutura sua narrativa em torno dessa grande jornada, que ocupa quase dez capítulos. Nesse contexto de crescente tensão, essa cena de alegria trinitária torna-se ainda mais significativa. Ela nos mostra que, no próprio âmago da dolorosa missão de Cristo, alegria O divino permanece presente e acessível.

A estrutura trinitária de uma oração revelatória

Uma análise desta passagem revela uma arquitetura teológica notavelmente densa. Em apenas alguns versículos, Lucas nos oferece uma dose concentrada de cristologia, pneumatologia e teologia trinitária. Comecemos por observar a dinâmica relacional que estrutura esta oração.

Jesus se dirige ao Pai com um título duplo: «Pai, Senhor do céu e da terra». Essa combinação une a intimidade filial ao reconhecimento da soberania absoluta. A palavra «Pai» evoca a relação única que Jesus tem com Deus, essa compreensão mútua que ele explicará em breve. Mas «Senhor do céu e da terra» situa essa intimidade em um contexto cósmico: o Pai não é apenas «meu» Pai, ele é o Criador e Mestre de toda a realidade.

O conteúdo da ação de graças centra-se num paradoxo: «O que escondeste dos sábios e entendidos, revelaste às crianças». Os verbos «ocultar» (apokryptô) e «revelar» (apokalyptô) têm a mesma raiz. Não se tratam de duas ações opostas, mas de duas facetas da mesma realidade. Deus não está ativamente a ocultar algo dos sábios para os punir. Pelo contrário, a postura dos sábios, a sua autossuficiência intelectual, torna-lhes impossível receber o que lhes é dado apenas na forma humana.’humildade.

Os "sábios e instruídos" (sophoi kai synetoi) referem-se àqueles que dominam sistemas de pensamento, especialistas na Lei e eruditos. Os "pequenos" (nèpioi) são literalmente crianças, aqueles que ainda não conseguem falar. Por extensão, são os simples, os ignorantes segundo os padrões mundanos, aqueles que não possuem nenhuma habilidade específica.

Jesus acrescenta uma validação essencial: «Sim, Pai, assim foi o que quiseste». Esta afirmação confirma que o paradoxo não é um acidente nem uma consolação secundária. É o modo de operar desejado pelo próprio Deus. O termo «benevolência» (eudokia) expressa o bom prazer divino, a sua vontade soberana e amorosa. Deus não é compelido a este modo de revelação; ele o escolhe porque corresponde à sua natureza.

A segunda parte do discurso diz respeito à compreensão mútua entre o Pai e o Filho. «Todas as coisas me foram entregues por meu Pai.» Esse «tudo» (panta) é universal: autoridade, revelação, missão, identidade. Jesus não possui nada de si mesmo; tudo lhe vem do Pai. Mas é precisamente essa dependência que fundamenta sua autoridade absoluta.

Segue-se a afirmação do conhecimento mútuo: «Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aqueles a quem o Filho quiser revelar». Este conhecimento não é mera informação intelectual. O verbo «conhecer» (ginôskô) implica uma experiência íntima, uma comunhão do ser. O Pai e o Filho conhecem-se interiormente, numa transparência total que exclui qualquer terceiro.

Mas Jesus imediatamente acrescenta uma abertura: «e a quem o Filho quiser revelar». A exclusividade da relação Pai-Filho não é fechada em si mesma. O Filho escolhe compartilhar esse conhecimento com quem Ele quiser. Esse compartilhamento não dilui a intimidade trinitária, mas a expande. Os discípulos são convidados a participar do próprio movimento de amor entre o Pai e o Filho.

Alegria no Espírito como assinatura divina

A primeira dimensão que merece nossa atenção é esta alegria de Jesus "pela ação do Espírito Santo". Este detalhe de Lucas não é uma observação piedosa. Ele nos introduz ao âmago do mistério trinitário e revela algo essencial sobre a natureza da vida divina.

Na teologia cristã, o Espírito Santo é frequentemente descrito como o vínculo de amor entre o Pai e o Filho, como a personificação da sua alegria mútua. Quando Jesus exulta "no" Espírito, ele manifesta visivelmente a vida interior da Trindade. Essa alegria não é uma emoção passageira provocada por um evento externo. Ela é... alegria O poder eterno de Deus resplandece na humanidade de Jesus.

Vamos pensar por um momento no que isso significa em termos concretos. Jesus, como homem, experimenta emoções humanas. Ele chora por Jerusalém, fica irritado com os mercadores no Templo, sente tristeza no Getsêmani. Mas aqui, sua alegria humana está completamente unificada com alegria divino do Espírito. Não há duas alegrias justapostas, mas uma única realidade bidimensional. A humanidade de Jesus torna-se o lugar onde alegria Deus se faz visível e tangível.

Essa alegria no Espírito tem um propósito específico: a revelação aos humildes. Não é qualquer coisa que provoque a exultação de Jesus. É especificamente o fato de pessoas comuns, sem prestígio ou habilidade especial, terem acesso ao mistério do Reino. Por que essa realidade evoca tamanha alegria divina? Porque manifesta a própria natureza de Deus: um Deus que se entrega livremente, que não é conquistado, que prefere a Deus. os pobres e os pequeninos.

Imagine a cena. Jesus acaba de ouvir o relato dos setenta e dois. São pessoas comuns, não escribas ou mestres da Lei. Alguns podem ser pescadores, outros artesãos ou agricultores. Eles acabaram de presenciar coisas extraordinárias: curas, libertações, conversões. Mas o mais extraordinário é que eles próprios compreenderam algo que os especialistas não conseguem entender. Eles "viram" o Reino em ação.

Essa alegria de Jesus tem uma dimensão profética. Ela antecipa alegria Pascale, aquela de a ressurreição. Também pressagia alegria da Igreja primitiva, que descobriria que o Evangelho foi difundido não pelas elites, mas pelos escravos, mulheres, Estrangeiros, todos aqueles sem capital social. A estratégia missionária de Deus passa pelos "menores", e isso leva à exaltação de Cristo no Espírito.

Para nós hoje, essa dimensão da alegria no Espírito deve nos levar a examinar nossa vida espiritual. Experimentamos essa alegria como a marca distintiva de nossa união com Deus? Ou nosso relacionamento com Deus permanece aprisionado no dever, no esforço e no desempenho? Alegria O Espírito não é um bônus opcional da vida cristã; é o seu coração pulsante. Sem ele, corremos o risco de viver uma religião de obrigações em vez de um relacionamento de amor.

Essa alegria também tem uma dimensão comunitária. Jesus se alegra porque seus discípulos compreenderam. Sua alegria vem do que acontece com os outros. Ele não guarda a revelação para si; alegra-se ao vê-la compartilhada. Este é um modelo para todos os relacionamentos espirituais autênticos: a verdadeira alegria não é possessiva, mas expansiva. Regozijamo-nos porque outros crescem, compreendem e florescem na fé.

Por fim, observemos que essa alegria trinitária se manifesta no próprio momento em que Jesus ora. A oração não é mero ascetismo ou disciplina; é o reino da exultação. Orar é entrar no próprio movimento da vida divina, permitir que o Espírito nos atraia para a dança entre o Pai e o Filho. Quando nossa oração se torna rotineira ou tediosa, talvez tenhamos esquecido essa dimensão de alegria que é a sua essência.

A inversão de valores: sábios confusos, crianças esclarecidas.

O segundo tema principal desta passagem diz respeito ao paradoxo da revelação. Jesus afirma isso sem rodeios: o que está oculto aos sábios e entendidos é revelado às crianças. Esta afirmação merece uma reflexão cuidadosa, pois toca no âmago da nossa relação com o conhecimento e a verdade.

Comecemos por esclarecer um mal-entendido comum. Jesus não condena a inteligência em si. Ele não elogia a ignorância ou o obscurantismo. Muitos de seus discípulos eram instruídos, Paulo era um intelectual brilhante, e a história da Igreja está repleta de teólogos e pensadores. O que Jesus critica é uma certa postura intelectual: aquela que acredita que o domínio conceitual equivale ao verdadeiro conhecimento, aquela que pensa que Deus pode ser compreendido apenas pelo esforço racional.

Os "sábios e eruditos" representam aqueles que confiam em suas próprias habilidades para acessar a verdade. Eles estudaram, acumularam conhecimento e desenvolveram sistemas explicativos. No contexto judaico do primeiro século, esses eram os escribas, fariseus e doutores da Lei que dedicavam suas vidas a examinar as Escrituras. O problema deles não era a erudição, mas a autossuficiência. Eles pensavam possuir as chaves para a compreensão e não percebiam que a verdadeira chave era...«humildade receptivo.

Em contrapartida, os "muito jovens" são aqueles que nada têm a oferecer. Sua própria ignorância se torna uma oportunidade. Como não podem contar com seus méritos intelectuais, estão disponíveis para receber o que lhes é dado gratuitamente. Assemelham-se a crianças que aprendem não por meio da análise crítica, mas pela confiança e pelo deslumbramento.

Essa inversão revela algo fundamental sobre a natureza da verdade divina. Deus não é um objeto que pode ser dominado pelo estudo, um sistema que pode ser decifrado pelo intelecto. Ele é um sujeito, uma pessoa, que se revela livremente. Ele não pode ser "apreendido", apenas acolhido. E para acolhê-lo, é preciso ter as mãos vazias e o coração aberto.

Vejamos um exemplo concreto. Imagine duas pessoas tentando compreender o amor. A primeira lê tratados de psicologia, estuda a neurociência do apego e analisa dados sociológicos sobre casais. Ela acumula um conhecimento impressionante sobre os mecanismos do amor. A segunda não leu nada, mas permite-se ser amada e aprende a amar em troca. Ela vivencia a vulnerabilidade, o altruísmo e a comunhão em primeira mão. Quem realmente conhece o amor? A compreensão da segunda pessoa, mesmo que menos articulada, é mais genuína porque é vivida de dentro para fora.

O mesmo se aplica a Deus. Pode-se estudar teologia, filosofia e exegese bíblica durante anos e permanecer alheio ao mistério. Ou, com um coração simples e aberto, pode-se entrar numa relação viva com Deus que transforma toda a nossa existência. A primeira forma de conhecimento não é inútil, mas só se torna frutífera se estiver enraizada na segunda.

Esse paradoxo desafia diretamente nossa cultura contemporânea, obcecada como é pela expertise. Vivemos em uma sociedade onde o valor de uma pessoa é medido por seus diplomas, habilidades e capacidade de produzir e executar. Essa lógica também permeia nossas igrejas. Quantas comunidades valorizam pregadores eloquentes, músicos talentosos e gestores eficientes acima de tudo, em detrimento daqueles que simplesmente vivem o Evangelho com dignidade e serenidade?

O critério de Jesus subverte essa hierarquia. O que importa não é o que sabemos ou o que fazemos, mas a nossa capacidade de receber. Os humildes são bem-aventurados não porque possuem uma virtude específica, mas porque... pobreza Isso cria até mesmo o espaço para a recepção da revelação.

Essa lógica de inversão permeia todo o Evangelho. Os primeiros serão os últimos, quem quiser salvar a sua vida a perderá, é preciso tornar-se como crianças para entrar no Reino. Este não é um discurso moral sobre as virtudes do...’humildade, Esta é uma descrição da realidade espiritual. Deus age desta maneira: Ele se entrega àqueles que nada podem oferecer em troca, Ele se revela àqueles que não afirmam já saber tudo.

«Jesus se alegrou no Espírito Santo» (Lc 10:21-24)

A bem-aventurança das testemunhas do tempo cumprida

O terceiro tema principal da nossa passagem diz respeito à bem-aventurança que Jesus proclama sobre os seus discípulos. Depois de dar graças ao Pai, ele volta-se para os que o rodeiam e diz: «Bem-aventurados os olhos que veem o que vós vedes!» Esta afirmação não é um elogio superficial; é uma revelação da singularidade do momento presente.

Jesus imediatamente coloca essa bem-aventurança em uma perspectiva histórica: «Muitos profetas e reis desejaram ver o que vocês veem, mas não viram; e ouvir o que vocês ouvem, mas não ouviram». Os discípulos estão vivenciando algo que as maiores figuras do Antigo Testamento desejaram ardentemente, mas não puderam alcançar. Eles estão testemunhando o cumprimento das promessas, a vinda do Reino e a própria presença de Deus entre a humanidade.

O que exatamente eles veem? Veem Jesus, é claro. Mas não apenas sua aparência física, que qualquer um poderia ter visto nas ruas da Galileia. Eles "veem" no sentido bíblico da palavra: percebem espiritualmente quem ele realmente é. Reconhecem neste homem o Filho de Deus, a revelação suprema do Pai, o Messias esperado. Essa visão não é fruto de sua própria perspicácia, mas o dom que Jesus lhes concede ao admiti-los no segredo de seu relacionamento com o Pai.

Eles também ouvem o que os antigos não ouviram. As palavras de Jesus não são simplesmente ensinamentos sábios entre outros. São as próprias palavras de Deus, proferidas não mais por meio de intermediários, mas por aquele que é o Verbo encarnado. Quando Jesus fala do Pai, ele não está relatando o que alguém lhe disse; ele está expressando diretamente seu conhecimento íntimo de Deus.

Essa situação privilegiada dos discípulos levanta uma questão: de que maneira nós, vivendo vinte séculos depois, estamos em uma posição comparável? Não vemos Jesus com nossos olhos físicos, não ouvimos sua voz audível. No entanto, a tradição cristã afirma que nós também somos agraciados com essa bem-aventurança.

A resposta reside na natureza da visão da qual Jesus fala. Não é a percepção sensorial que importa em primeiro lugar, mas a fé. Os contemporâneos de Jesus que o viram sem reconhecê-lo não foram "bem-aventurados". Somente aqueles que perceberam sua verdadeira identidade o foram. E essa percepção de fé permanece acessível hoje por meio do Espírito Santo, por meio das Escrituras., os sacramentos, a vida da Igreja.

João vai além, escrevendo: «Bem-aventurados os que não viram e creram». Isso não é uma consolação para aqueles que talvez tenham perdido os bons momentos. É uma afirmação de que a fé que dispensa o visível é ainda mais pura, mais despojada e, portanto, mais próxima do verdadeiro conhecimento de Deus, que é espírito.

A bem-aventurança proclamada por Jesus também possui uma dimensão de urgência. «Agora» é o momento oportuno, «hoje» é o dia da salvação. Os discípulos não devem menosprezar o que lhes é oferecido. Eles estão vivenciando um kairós, um momento único na história da salvação. Essa urgência também nos diz respeito. Cada época é chamada a reconhecer a presença de Cristo e a responder a ela.

Mas há mais. Jesus disse que profetas e reis ansiavam por ver este tempo. Essa ânsia não era vã nem equivocada. Abraão, Moisés, Davi, Isaías — todos almejavam essa plenitude. Sua fé era genuína, mesmo que vissem apenas sombras e promessas. Temos acesso à realidade plena, mas devemos permanecer conscientes de que somos herdeiros da expectativa deles.

Essa perspectiva transforma nossa relação com o Antigo Testamento. Ele não é um texto ultrapassado ou obsoleto, mas o testemunho daqueles que abriram o caminho. Quando lemos os Salmos, as profecias, os relatos do Êxodo, não estamos praticando arqueologia religiosa. Estamos entrando em comunhão com aqueles que, contra toda esperança, mantiveram viva a promessa ao longo dos séculos.

Experimentar a espiritualidade da pequenez de forma concreta.

Como podemos traduzir essa revelação sobre a revelação feita às crianças para o nosso dia a dia? Não se trata simplesmente de uma doutrina para contemplar, mas de um caminho a seguir. Vamos explorar as implicações práticas desse texto em diferentes esferas de nossas vidas.

Em nosso relacionamento pessoal com Deus, esta passagem nos convida, em primeiro lugar, a um exame honesto. Em que se baseia nossa vida espiritual? Em nossos esforços, nossas práticas, nosso conhecimento das Escrituras? Tudo isso é bom e necessário, mas se chegarmos a acreditar que nosso valor diante de Deus depende do nosso desempenho religioso, estaremos entre os "sábios" que não compreendem. A verdadeira oração começa quando nos apresentamos diante de Deus de mãos vazias, reconhecendo que nada possuímos.

Na prática, isso pode significar ousar orar com palavras simples, sem tentar impressionar a Deus ou a nós mesmos com formulações sofisticadas. Como uma criança que conta ao pai sobre o seu dia, podemos simplesmente compartilhar o que nos vem à mente, nossas alegrias e tristezas, nossas dúvidas e nossos mal-entendidos. Essa simplicidade não é falta de respeito, mas, pelo contrário, uma verdadeira expressão de confiança.

Em nossa vida eclesial, essa espiritualidade da pequenez subverte nossos critérios para valorizar os outros. A quem honramos em nossas comunidades? Àqueles que ocupam posições de destaque, que pregam ou lideram? Ou também àqueles que oram em segredo, que acolhem discretamente, que visitam? os doentes Sem falar sobre isso? Jesus nos lembra que os "pequeninos" muitas vezes têm acesso a percepções espirituais que aqueles em posições de autoridade, absortos em suas preocupações administrativas, podem não perceber.

Isso não significa desprezar os ministérios institucionais, mas reconhecer que o Espírito Santo sopra onde quer. Uma senhora idosa orando rosário Todos os dias, qualquer pessoa pode ter uma compreensão da fé mais profunda do que um professor de teologia. Uma criança fazendo perguntas simples pode revelar verdades que esquecemos por excesso de sofisticação.

Em um nível profissional e intelectual, essa perspectiva nos liberta de uma certa idolatria da especialização. Nossa sociedade moderna tende a acreditar que somente especialistas podem falar legitimamente sobre um assunto. Quando essa lógica é aplicada ao âmbito espiritual, cria-se uma casta de profissionais da fé que monopolizam o acesso a Deus. Jesus inverte essa lógica: é precisamente ao deixarmos de lado o papel de especialistas que nos abrimos à revelação.

Em nossa abordagem à Bíblia, isso também altera nosso método. O estudo sério dos textos, utilizando as ferramentas da exegese, é valioso. Mas deve permanecer a serviço da escuta humilde e orante. É melhor ler um versículo com o coração aberto e encontrar uma palavra que nos transforme do que ler capítulos inteiros com uma mente crítica que analisa sem se envolver com o texto.

Diante dos desafios do nosso tempo, essa espiritualidade também nos oferece recursos. Vivemos em um mundo complexo, onde os problemas parecem insolúveis: crise ecológica, desigualdades crescentes, fragmentação social. Diante disso, a tentação é pensar que primeiro precisamos entender tudo para depois agir. No entanto, Jesus nos diz que podemos agir a partir da humildade. Madre Teresa não resolveu tudo. pobreza globalmente, mas ela estava acolhendo os moribundos nas ruas de Calcutá. Esse "pequeno" ato revelou Deus mais do que muitos planos de desenvolvimento.

Os ecos dessa revelação na tradição cristã

Este tema da revelação aos pequeninos ressoa poderosamente ao longo da história da espiritualidade cristã. Os Padres da Igreja, os místicos e os santos meditaram constantemente sobre este paradoxo e dele colheram frutos abundantes.

Santo Agostinho, Em suas Confissões, João relata sua própria jornada, que ilustra perfeitamente o ponto de vista de Jesus. Intelectual brilhante, com formação em retórica e filosofia, ele inicialmente buscou a verdade através da pura razão. Sua exploração do maniqueísmo e, posteriormente, do neoplatonismo, testemunha essa busca por conhecimento que pudesse satisfazer sua mente. Mas foi, por fim, em um jardim, ao ouvir a voz de uma criança cantando "Tolle, lege" ("Toma e lê"), que ele se abriu à revelação. Ele abraçou as Escrituras como uma criança, e sua vida foi transformada.

Teresa de Lisieux, Doutora da Igreja apesar de sua pouca idade e da falta de estudos teológicos, é a personificação moderna desse "pequeno caminho". Ela compreendeu que sua própria fraqueza era sua força. Incapaz de subir a escada da perfeição, permitiu-se ser carregada por Deus como uma criança nos braços do pai. Sua doutrina da infância espiritual é um comentário vivo sobre Lucas 10, 21-24. Ela escreveu: "Permanecer pequeno é reconhecer a própria insignificância, esperar tudo de Deus."«

Francisco de Assis também incorpora radicalmente essa lógica de inversão. Filho de um rico comerciante, ele deixou tudo para se casar com Santa Maria. Pobreza. Ele chamava seus irmãos de "Irmãos Menores", os "Irmãozinhos", rejeitando toda grandeza institucional. Sua pregação simples, sua conexão direta com a criação e sua alegria transbordante refletem perfeitamente a exultação de Jesus no Espírito diante da revelação dada aos humildes.

A tradição contemplativa, particularmente entre os cartuxos e carmelitas, desenvolveu toda uma teologia da "ignorância instruída", herdada de Pseudo-Dionísio e Mestre Eckhart. A ideia central é que, quanto mais se avança no conhecimento de Deus, mais se percebe que Ele é incognoscível. O verdadeiro conhecimento místico consiste em aceitar o não saber, em adentrar a "nuvem do não saber", onde Deus se permite ser encontrado para além de todos os conceitos.

Santo João da Cruz, Em A Subida do Monte Carmelo, ele explica que, para alcançar a união com Deus, é preciso despojar-se de todas as ideias, imagens e representações que se possa ter Dele. Mesmo o conhecimento teológico mais preciso deve ser transcendido diante da fé pura. É tornando-se "nada" que se pode receber tudo.

Mais recentemente, teólogos como Karl Rahner e Hans Urs von Balthasar refletiram sobre esse mistério da revelação dada na kenosis, na auto-humilhação. Balthasar enfatiza particularmente que a cruz de Cristo, um momento de aparente fraqueza extrema, é o local da suprema revelação de Deus. A onipotência divina se manifesta nessa aparente impotência.

O Conselho Vaticano Em sua constituição sobre a revelação (Dei Verbum), João II nos lembra que Deus se revelou progressivamente, adaptando-se à capacidade de compreensão da humanidade. Essa pedagogia divina culmina em Cristo, que é o próprio Revelador e a Revelação. E essa revelação continua a ser transmitida não por canais elitistas, mas pelo simples testemunho dos fiéis.

Na espiritualidade ortodoxa, a noção de "apofatismo" (teologia negativa) encontra profunda ressonância em nosso texto. Não se pode dizer o que Deus é, apenas o que ele não é. Essa abordagem humilde ao mistério divino mantém a mente em um estado de pequenez e admiração. Padres do Deserto, Com suas palavras breves e incisivas, eles personificam aquela sabedoria simples que vai direto ao ponto.

Um caminho de meditação para se tornar pequeno

Como podemos vivenciar concretamente essa experiência de revelação para as crianças? Aqui está um caminho de meditação em várias etapas que você pode seguir no seu próprio ritmo.

Comece por escolher um momento tranquilo, um lugar onde não será incomodado. Leia a passagem lentamente. Lucas 10, Leia as linhas 21 a 24 duas ou três vezes, deixando que as palavras ressoem dentro de você. Não tente compreendê-las intelectualmente de imediato; deixe que o texto penetre em você.

Então, reserve um momento para refletir sobre seu próprio relacionamento com Deus. Quando você se sente mais próximo Dele? É em momentos de controle, quando tudo está indo bem, quando você é eficaz? Ou é em momentos de vulnerabilidade, fracasso e reconhecimento de suas limitações? Muitas vezes, descobrimos que é paradoxalmente na fraqueza que tivemos os encontros mais profundos com Ele.

Em seguida, identifique as áreas da sua vida em que você se considera uma pessoa "sábia e experiente". Onde você busca controlar, entender tudo, dominar tudo? Talvez na sua vida profissional, nos seus relacionamentos ou até mesmo na sua prática religiosa? Nomeie essas áreas de falsa autoimportância sem se julgar, simplesmente tomando consciência delas.

Em seguida, faça um gesto simbólico de desapego. Pode ser algo muito simples: abra as mãos, com as palmas voltadas para cima, como sinal de disponibilidade. Ou visualize-se depositando esses fardos aos pés de Cristo. O essencial é realizar um ato que demonstre seu desejo de se libertar.

Então peça a graça de se tornar pequeno. Não no sentido de se desvalorizar ou se desprezar, mas no sentido de redescobrir a capacidade de admiração e receptividade de uma criança. Ore com suas próprias palavras ou com as palavras do salmista: «Senhor, o meu coração não é orgulhoso, nem os meus olhos altivos; não me preocupo com coisas grandiosas ou maravilhosas demais para mim.» (Salmo 131)

Permaneçam em silêncio por um momento, simplesmente se abrindo para Deus. Não esperem nada espetacular. A revelação às crianças não é necessariamente acompanhada por fenômenos extraordinários. Muitas vezes é uma paz profunda, uma certeza tranquila, um sentimento de amor incondicional.

Para concluir, releia a bem-aventurança mais uma vez: «Bem-aventurados os olhos que veem o que vocês veem». Reconheça que agora, neste exato momento, você é o destinatário desta palavra. Você vê Cristo presente em sua vida; você ouve a sua voz nas Escrituras. Agradeça por este dom.

Nos dias seguintes, retorne regularmente a essa atitude de humildade. Você pode cultivá-la por meio de breves orações espontâneas ao longo do dia: "Senhor, sem Ti nada posso fazer" ou "Ensina-me a receber". Cada vez que você se perceber agindo de forma autossuficiente, lembre-se gentilmente de que você foi chamado para outro caminho.

«Jesus se alegrou no Espírito Santo» (Lc 10:21-24)

Desafios contemporâneos à lógica da pequenez

Nossa época apresenta desafios particulares à espiritualidade da humildade defendida por Jesus. É importante identificá-los e respondê-los com sutileza.

O primeiro desafio decorre da cultura orientada para o desempenho que permeia até mesmo nossas igrejas. Medimos o sucesso de uma comunidade pelo seu crescimento. digital, à qualidade de seus programas, ao seu impacto social. Nada disso é ruim em si, mas quando esses critérios se tornam exclusivos, esquecemos que Deus também age no pequeno, no oculto, no invisível. Uma comunidade de três pessoas que oram juntas com fé pode ter mais frutos espirituais do que uma megaigreja espetacular, porém superficial.

A resposta não é desprezar a excelência ou o crescimento, mas sim colocá-los em perspectiva. Devemos aprender a valorizar até mesmo os sinais mais sutis da presença de Deus. lealdade Ao longo do tempo, através da profundidade dos relacionamentos e da transformação lenta, porém real, dos corações. Essas realidades não podem ser medidas em números, mas constituem a verdadeira essência do Reino.

O segundo desafio decorre da hiperintelectualização de certos círculos cristãos. Diante da secularização, alguns acreditam que a fé deve ser defendida primordialmente por meio de argumentos intelectuais, filosóficos ou científicos sofisticados. Essa abordagem apologética tem seu lugar, mas torna-se problemática quando dá a impressão de que é preciso primeiro ter uma formação acadêmica para crer.

O Evangelho, ao contrário, afirma que uma mulher analfabeta que ama a Deus de todo o coração tem acesso à verdade essencial, mesmo que não consiga explicar a teologia da Encarnação. O perigo da intelectualização reside em criar uma fé de segunda mão, em que se crê porque os argumentos se mostraram convincentes, em vez de uma fé de primeira mão, nascida de um encontro pessoal com Cristo.

Um terceiro desafio surge paradoxalmente de certas formas de movimentos espirituais que valorizam a experiência imediata, estados emocionais intensos e manifestações espetaculares do Espírito. Embora se apresentem como simples, essas abordagens podem criar uma nova forma de performance: a da busca constante por experiências extraordinárias para provar que se está verdadeiramente cheio do Espírito.

A verdadeira humildade, tal como expressa no Evangelho, abrange também a aridez espiritual, os períodos de distanciamento. Não confunde a presença de Deus com a intensidade das nossas emoções. Santa Teresa de Lisieux viveu longos períodos de aridez espiritual e tentações contra a sua fé. Foi precisamente nessa escuridão que viveu o seu "pequeno caminho" de forma mais profunda, continuando a amar sem sentir nada.

Um quarto desafio, mais sutil, surge da recuperação da noção de’humildade por meio de uma certa psicologia popular. Às vezes ouvimos que devemos "nos aceitar como somos", "ser autênticos", com um discurso que pode resvalar para a complacência em relação às nossas falhas.«humildade A fé cristã não é uma forma de resignação passiva, mas sim uma lucidez que reconhece tanto a nossa miséria quanto a nossa dignidade como filhos de Deus.

Ser pequeno não significa permanecer pequeno. Significa aceitar começar pequeno, receber tudo como um presente, mas crescer em amor. São Paulo disse: «Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Quando me tornei adulto, deixei para trás as coisas de criança». A pequenez evangélica é uma atitude espiritual, não uma imaturidade a ser cultivada.

Por fim, devemos responder àqueles que acusam essa espiritualidade de ser um "ópio do povo", uma forma de manter os dominados em submissão. Se Deus preferir... os pobres E os pobres, por que mudar as estruturas da injustiça? Essa objeção não compreende a dinâmica profunda da mensagem do Evangelho. Jesus valoriza os pobres não para que permaneçam pobres, mas porque a sua situação os torna disponíveis para a transformação radical do Reino. O Magnificat de Casado Celebra um Deus que "derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes". Este é um programa revolucionário, não conservador.

Uma oração de exultação e abnegação

Pai, Senhor do céu e da terra, venho diante de Ti de mãos vazias e coração aberto. Tu conheces tudo o que tentei construir com minhas próprias forças, todas as fortalezas de conhecimento e habilidade atrás das quais me protegi. Hoje, escolho sair dessas defesas e me apresentar diante de Ti em minha pobreza.

Ensina-me a ser pequeno, não por meio de falsa modéstia, que ainda seria uma forma de orgulho, mas pelo reconhecimento alegre do que sou: tua criatura, inteiramente dependente de ti, e precisamente nessa dependência, chamada à comunhão contigo.

Dou graças a todos aqueles que me precederam neste caminho de humildade: Francisco de Assis, que abraçou pobreza, Teresa de Lisieux, que descobriu o "pequeno caminho", e tantas outras pessoas anônimas que viveram o Evangelho em segredo, sem alarde ou ostentação. Que elas intercedam por mim para que eu possa seguir seus passos.

Espírito Santo, que encheste Jesus de alegria, vem a mim e faze brotar essa mesma alegria. Que eu possa descobrir que a verdadeira alegria não vem dos meus sucessos ou conquistas, mas da pura graça de ser amado por Deus, de conhecer o Pai através do Filho, de ser admitido no segredo da tua vida trinitária.

Livra-me desta obsessão contemporânea por compreender tudo, dominar tudo, controlar tudo. Ensina-me a desapegar, a confiar, a permitir-me ser guiado. Quando eu não entender o Teu caminho, concede-me a crença de que sabes para onde me conduzes. Quando os meus planos falharem, ajuda-me a abraçar os Teus planos, que são infinitamente melhores.

Confio a ti especialmente as áreas da minha vida onde ainda resisto a essa lógica mesquinha: meu trabalho, onde busco reconhecimento; meus relacionamentos, onde quero estar certo; minha prática religiosa, onde posso cair na rotina ou na ansiedade de desempenho. Transforma tudo isso pela tua graça.

Senhor Jesus, Tu disseste que ninguém conhece o Pai senão o Filho e aqueles a quem o Filho escolhe revelá-Lo. Eu Te suplico, revela-me o Pai. Deixa-me conhecer não ideias sobre Deus, mas o próprio Deus. Atrai-me para essa intimidade que compartilhaste com Ele desde toda a eternidade. Que eu possa dizer "Abba" com a mesma confiança filial que Tu.

E assim como abençoaste os teus discípulos dizendo-lhes: «Bem-aventurados os olhos que veem o que tu vês», abre os meus olhos para que eu possa reconhecer a tua presença na minha vida hoje. Tu não és uma figura do passado estudada em livros. Tu és vivo, ativo, presente aqui e agora. Concede-me ver-te em ação nos acontecimentos do meu dia, nos encontros, nas surpresas e até mesmo nas provações.

Também oro por todos aqueles que se sentem excluídos, marginalizados, desprezados por causa da sua falta de educação, da sua condição social e da sua condição de pobreza. pobreza vulnerabilidade social, sua fraqueza. Que eles descubram que são os seus privilegiados, que você tem reservado para eles revelações negadas aos orgulhosos. Conceda-lhes que ouçam esta palavra libertadora: "Vinde a mim, todos vós que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei."«

Pai, que esta oração não se limite a este momento, mas que alimente toda a minha vida. Que eu me alegre no Espírito a cada dia, descobrindo novas facetas do teu amor. Que eu cresça não em autossuficiência, mas na minha capacidade de me maravilhar. Que eu me torne humilde o suficiente para entrar no teu Reino, que já está aqui, no nosso meio, oculto aos sábios, mas revelado aos corações simples.

Por Jesus Cristo, nosso Senhor, que convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo, agora e para sempre. Amém.

Um convite à admiração

Esta passagem do Evangelho de Lucas nos confronta com uma escolha crucial. Podemos continuar a viver segundo a lógica da acumulação e do desempenho, buscando nosso valor em nossas conquistas e habilidades. Ou podemos aceitar a humildade, reconhecendo que a verdadeira sabedoria é uma dádiva que só pode ser recebida com gratidão.

O paradoxo que Jesus nos revela não é um enigma intelectual a ser resolvido, mas uma verdade a ser vivida. Deus se esconde dos sábios não por capricho, mas porque uma atitude de autossuficiência fecha a porta à revelação. Ele se revela aos humildes porque a sua humildade os impede de se revelarem. pobreza Cria um espaço de acolhimento. Essa dinâmica permeia toda a história da salvação e continua presente nos dias de hoje.

A exultação de Jesus no Espírito nos mostra que essa revelação não é triste nem austera. É uma explosão de alegria divina que brota quando os seres humanos entram no verdadeiro conhecimento de Deus. Essa alegria é acessível a cada um de nós, seja qual for a nossa situação. Ela não depende de circunstâncias externas, mas de uma disposição interior: aceitar ser amado livremente, sem qualquer mérito a provar.

A bem-aventurança proclamada sobre os discípulos diz respeito diretamente a nós. Vivemos depois dela. a ressurreição, Temos acesso aos sacramentos, podemos ler as Escrituras, somos cheios do Espírito Santo. Encontramo-nos numa posição privilegiada que os nossos antepassados desejavam sem se darem conta disso. Mas devemos estar conscientes disso e não desperdiçar este tesouro por indiferença ou rotina.

O caminho da humildade não é reservado a uma elite mística. É o único caminho para todos aqueles que verdadeiramente desejam encontrar Deus. Não exige habilidades extraordinárias; pelo contrário. Exige simplesmente que abandonemos nossas pretensões e aceitemos nossa condição humana. pobreza, e para que possamos ser guiados com confiança.

Num mundo que valoriza a autonomia, o controle e o sucesso visível, escolher a humildade evangélica é um ato profundamente contracultural. É também profundamente libertador. Não precisamos mais nos esgotar provando nosso valor ou conquistando amor. Podemos simplesmente ser, receber e irradiar o que recebemos.

Que esta meditação o encoraje a dar o próximo passo. Exatamente onde você está, com quem você é, aceite tornar-se pequeno diante de Deus. Não para permanecer assim, mas para ser exaltado por Ele; não para ser esmagado, mas para ser preenchido. A revelação divina o aguarda, não ao final de uma longa jornada de aquisição de conhecimento, mas na simples abertura do seu coração.

Práticas para vivenciar a humildade evangélica

Cultive um momento de silêncio todos os dias, onde você simplesmente fique diante de Deus sem nenhuma intenção ou pedido específico, apenas aberto ao que Ele deseja lhe revelar.

Identifique uma área da sua vida na qual você atua como "especialista" e escolha deliberadamente adotar uma atitude de aprendizado humilde nessa área, aceitando que você não sabe tudo.

Leia lentamente um pequeno trecho do Evangelho a cada dia, não para estudá-lo, mas para deixar que ele o toque pessoalmente, como uma palavra dirigida a você hoje.

Pratique a gratidão anotando três coisas recebidas gratuitamente a cada noite do seu dia, cultivando assim a consciência de que tudo é uma dádiva.

Procure a companhia de pessoas que sejam "pequenas" segundo os padrões mundanos, mas espiritualmente ricas, ouça a sabedoria delas e deixe-se ensinar por elas.

Pratique regularmente a oração intercessória por aqueles que são desprezados ou excluídos, pedindo que a revelação do amor de Deus lhes seja dada em abundância.

Simplifique gradualmente sua vida espiritual, eliminando complicações desnecessárias para manter o essencial: o relacionamento amoroso com Deus e com o próximo.

Referências

L'Evangelho segundo São Lucas, capítulo 10, versículos 21 a 24, em seu contexto imediato do retorno dos setenta e dois discípulos e em conexão com a ascensão de Jesus a Jerusalém.

O Magnificat de Casado (Lucas 1, 46-55) que desenvolve o tema da inversão provocada por Deus, exaltando os humildes e derrubando os poderosos.

As Bem-aventuranças (Mateus 5, 1-12) que proclamam bem-aventurados os pobres Em espírito, os mansos, aqueles que têm fome e sede de justiça, estabelecendo o programa do Reino.

Santo Agostinho, Confissões, Livro VIII, relato de sua conversão pela voz de uma criança, ilustrando como a graça divina abala certezas intelectuais.

Santa Teresa de Lisieux, História de uma Alma, desenvolvimento da doutrina do "pequeno caminho" da infância espiritual como uma via privilegiada para a santidade.

Karl Rahner, Curso Fundamental sobre a Fé, uma reflexão sobre a revelação divina que se manifesta na história e se adapta à capacidade receptiva da humanidade.

Constituição Dei Verbum do Conselho Vaticano II, sobre a revelação divina e sua transmissão na Igreja por meio da Tradição e das Escrituras.

João da Cruz, A Subida do Monte Carmelo, um tratado sobre a necessidade do despojamento espiritual e da "noite" para alcançar a união com Deus.

Via Equipe Bíblica
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