«"O Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido" (Lucas 19:1-10)

Compartilhar

Evangelho de Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquela ocasião, Jesus entrou na cidade de Jericó e estava atravessando-a. Havia ali um homem chamado Zaqueu, chefe dos publicanos e muito rico.

Ele tentava vislumbrar quem era Jesus, mas não conseguia por causa da multidão, pois era de baixa estatura. Então, correu à frente e subiu numa figueira brava para ver Jesus, que estava prestes a passar por ali.

Quando Jesus chegou ao local, olhou para cima e disse a Zaqueu: "Senhor Zaqueu, desça depressa, pois preciso ficar em sua casa hoje."«

Imediatamente, ele desceu as escadas e recebeu Jesus com alegria. Vendo isso, todos murmuraram: "Ele foi ficar com um pecador".«

Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: "Eis que, Senhor, dou metade dos meus bens aos pobres; e, se defraudei alguém em alguma coisa, restituo quatro vezes mais."«

Então Jesus lhe disse: "Hoje a salvação entrou nesta casa, porque este homem também é descendente de Abraão. Pois o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido."«

Acolhendo a salvação inesperada: como Zaqueu nos ensina a descer das nossas árvores.

Uma exploração teológica e prática de Lucas 19, 1-10 para redescobrir alegria Ser encontrado por Cristo, que busca ativamente os perdidos.

Prezado leitor, a história de Zaqueu, muitas vezes relegada a contos infantis, é na verdade um dos pontos altos teológicos do Evangelho de Lucas. É um drama em miniatura sobre a graça preveniente. Este artigo é para você, quer se sinta "pequeno demais", "rico demais" ou "pecador demais" para encontrar Deus. Exploraremos como a missão de Jesus — "buscar e salvar o que estava perdido" — não é uma fórmula abstrata, mas uma iniciativa divina que transforma nossos lares, nossas finanças e nossas certezas.

  • Contexto: O sicômoro da esperança (Jericó, um lugar de tensão).
  • Análise : A gramática do encontro (Desejo e iniciativa).
  • Eixos:
    1. O olhar que precede (A teologia do "ver").
    2. A morada comum (Salvação como "comunhão").
    3. A metamorfose da riqueza (Justiça, fruto da salvação).
  • Implicações: Quando a salvação chega em casa.
  • Escopo : O Eco do Filho de Abraão (Graça Preveniente).
  • Prático: Suba na árvore da presença.
  • Desafios: O escândalo de uma salvação que foi "fácil demais".
  • Oração, Conclusão e Planos de Ação.

O sicômoro da esperança

Estamos num ponto de virada. Jesus caminha rumo à sua Paixão em Jerusalém. O Evangelho de Lucas, a partir do capítulo 9, é uma longa "ascensão" à cruz. Cada encontro, cada parábola ao longo desse caminho, está carregado com o peso desse objetivo final. Jericó, nosso cenário, não é uma cidade qualquer. É a última parada antes da subida final à Cidade Santa. É uma cidade fronteiriça, um oásis exuberante conhecido por suas palmeiras e comércio florescente. Mas também é um lugar de tensão. É a primeira cidade conquistada por Josué Ao entrar na Terra Prometida (Josué 6), ela era um símbolo de vitória militar. Mas, na época de Jesus, era sobretudo um importante centro alfandegário, uma encruzilhada comercial estratégica entre a Judeia, a Pereia e a Nabateia.

Alfândega significava impostos. Impostos significavam romanos. E romanos significavam cobradores de impostos. Esses homens, judeus, eram duplamente odiados. Primeiro, colaboravam com os ocupantes desprezados. Segundo, enriqueciam-se cobrando, além do imposto oficial devido a Roma, uma comissão frequentemente exorbitante. Eram considerados ladrões legais, traidores da nação e pecadores públicos, ritualmente impuros por causa do contato constante com pagãos e do seu dinheiro "sujo".

É nisto clima Lucas apresenta nosso protagonista: «Havia um homem chamado Zaqueu». O texto grego usa uma construção clássica para introduzir um personagem (a partícula «kai idou», «Eis que»), mas Lucas acrescenta um detalhe que cria toda a tensão da narrativa: «Ele era o chefe (architelōnēs) dos publicanos e era um homem rico (plousios)». É uma acumulação. Não apenas um publicano, mas chefe donos de bares. Não apenas à vontade, mas rico. Para um ouvinte de Lucas, que ouvira Jesus dizer algumas linhas antes que é "difícil para um rico entrar no Reino" (Lucas 18, 24), a história de Zaqueu começa como uma impossibilidade teológica.

O versículo Aleluia que precede esta leitura na liturgia (1 João 4, 10b) é a chave hermenêutica de toda a passagem: «Deus nos amou, enviou seu Filho como remissão dos nossos pecados». A iniciativa é divina. O amor precede o mérito. Perdão É uma missão, não uma recompensa. A história de Zaqueu não começa realmente com Zaqueu procurando por Jesus; ela começa muito antes, com Deus que, por amor, envia seu Filho para encontrar Zaqueu.

A gramática do encontro

A história completa (Lucas 19, (1-10) é construído sobre um jogo de olhares e um contraste de verbos "buscar". A estrutura narrativa é notavelmente eficaz, movendo-se do exterior (a rua, a multidão) para o interior (a casa, a consciência).

A principal força motriz por trás da ação é Zaqueu. «Ele procurava (ezētei) ver quem era Jesus.» O verbo grego está no pretérito imperfeito, sugerindo uma ação contínua, um desejo persistente, uma busca. Zaqueu não é meramente curioso; ele é movido por uma intenção. Mas ele encontra dois obstáculos: «a multidão» e sua «baixa estatura». Esses obstáculos são mais do que físicos; são simbólicos. A «multidão» representa a opinião pública, a massa anônima que forma uma barreira entre o pecador e Cristo, a mesma massa que mais tarde «clamará contra ele». Sua «baixa estatura» (hēlikia, que também pode significar «idade» ou «condição social») simboliza sua insignificância moral aos olhos dos outros, sua indignidade. Ele é «pequeno» porque é desprezado.

Diante desse obstáculo, Zaqueu não desistiu. Ele inovou. "Então, correu à frente e subiu numa figueira brava." Este é um detalhe crucial. arquitelōnēs, Um homem rico e poderoso, uma figura proeminente, corre em público e sobe numa árvore como uma criança. É um ato de completo absurdo social. Ele sacrifica sua dignidade para satisfazer seu desejo. O sicômoro (uma figueira-amoreira) é uma árvore comum e robusta, mas cujo fruto era frequentemente considerado alimento de baixa qualidade. Zaqueu se humilha, sobe numa árvore "comum" para ver o Senhor passar. Ele se expõe, empoleira-se ali, esperando, ansiando por ao menos um vislumbre.

É aqui que a dinâmica se inverte. O homem que "buscou ver" será visto. "Quando Jesus chegou àquele lugar, olhou para cima (anablepsas) e disse-lhe." O verbo anablepsas É poderoso. É o mesmo verbo usado pouco antes, no capítulo 18, para o cego Bartimeu que "recupera a visão". Jesus, que acaba de... dar a vista para um cego, agora vá olhe para cima Em direção a um homem "perdido". O olhar de Jesus não é passivo; é ativo, é criativo. Ele não vê um "rico chefe de publicanos", ele vê "Zaqueu".

A iniciativa é inteiramente de Jesus. "Zaqueu, desce depressa: hoje preciso (dei) ficar (meinai) em tua casa." É uma avalanche de graça.

  1. Ele a chama pelo nome: «Zaqueu» (que significa «o puro», «o justo» em hebraico, uma magnífica ironia). Jesus restaura sua identidade original, para além de sua função.
  2. Ele dá uma ordem: «"Desça depressa." A urgência da graça.
  3. É essencial: «Hoje é necessário (Dei).» Este «Dei» é o «é necessário» da vontade divina, o mesmo que Jesus usa para a sua Paixão («o Filho do Homem deve sofrer»). A visita a Zaqueu não é um capricho; é o cumprimento do plano de Deus.
  4. Ele se convida a "ficar" (meinai): Esta não é uma visita de cortesia. É a expressão de uma profunda comunhão (cf. João 15, "permanecei em mim"). Jesus quer compartilhar intimidade, a«oikos (a casa) de Zaqueu.

A resposta de Zaqueu foi imediata: "Rapidamente, ele desceu e recebeu Jesus com alegria (chara).". Alegria é o sinal infalível da presença da salvação no Evangelho de Lucas. A multidão, porém, responde com críticas: «Ao verem isso, todos murmuraram (diegongyzon)». Este é o verbo de murmuração, a murmuração de Israel no deserto contra Deus, a murmuração dos fariseus quando Jesus come com os pescadores (Lucas 15, 2) Eles veem um escândalo onde Zaqueu vê uma libertação.

O desfecho ocorre no interior. «Zaqueu, de pé (statheis), dirigiu-se ao Senhor.» O «de pé» é uma postura de dignidade recuperada. Ele não está mais empoleirado, não é mais pequeno. Ele está ereto. Sua declaração é a conseqüência do encontro, não do seu doença. Ele não diz: «Se vieres, eu te darei», mas «Eis que, Senhor…». A presença de Jesus já operou a transformação. A salvação entrou, e os frutos da justiça irromperam: «metade para os pobres» (um imenso ato de caridade) e «restituir quatro vezes mais» (uma restituição que vai além das exigências legais judaicas ou romanas, cf. Ex 21,37).

Jesus conclui com uma declaração tríplice:

  1. «Hoje, a salvação chegou a esta casa.» A salvação é um evento (Hoje!) e é comunitária (pois é para esta casa). Casa).
  2. «"Pois ele também é filho de Abraão." Isso é reintegração. O traidor, o marginalizado, é reintegrado à linhagem da promessa.
  3. A frase-chave, a tese de todo o Evangelho de Lucas: "Porque o Filho do Homem veio buscar (zētēsai) e salvar (sōsai) o que estava perdido (apolōlos).".

O verbo de Zaqueu "buscar" (ezētei) finalmente encontra sua realização, não no que ele encontrou, mas no fato de que ele estava lá. encontrar por aquele que "veio em busca" (zētēsai). A busca humana, por mais sincera que seja, é envolvida e realizada pela busca divina.

«"O Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido" (Lucas 19:1-10)

A perspectiva anterior: a teologia do "ver"«

A tragédia de Zaqueu é, acima de tudo, uma tragédia da visão. Há um contraste marcante entre o "buscar ver" (zētei idein) de Zaqueu e o "levantar os olhos" (anablepsas) de Jesus.

Zaqueu queria "ver quem era Jesus". Sua principal motivação parecia ser a curiosidade. Ele já tinha ouvido falar desse homem. Mas sua busca era frustrada. A multidão formava uma barreira. Não se podia ver Jesus permanecendo na multidão, no anonimato, dentro dos limites da opinião comum. Para ver, Zaqueu precisava se distanciar, obter alguma perspectiva, mesmo correndo o risco de parecer ridículo. Ele subiu. Posicionou-se como um observador. Queria ver sem ser visto, um desejo profundamente humano. Queria controlar a informação, compreender o fenômeno de Jesus de seu ponto de vista elevado.

Mas o encontro muda a perspectiva. Jesus "chega àquele lugar". A figueira brava torna-se um lugar teofânico, um "lugar sagrado". E ali, Jesus "olha para cima". É uma inversão. Aquele que era observado torna-se o observador. Aquele que queria ver torna-se aquele que é visto.

O verbo grego anablepō (Levantar os olhos, olhar para cima) é imensamente rico. Como observamos, é o verbo da cura do cego Bartimeu (Lucas 18, (versículos 41-42), que suplicou a Jesus: «Senhor, deixa-me ver!» Jesus lhe disse: «Vê! A tua fé te curou.» E imediatamente, «ele viu.» O cego recuperou a visão.

Lucas, um astuto estrategista literário, coloca o episódio de Zaqueu, o homem espiritualmente cego, imediatamente depois. Zaqueu, porém, não pede nada. Ele é "muito pequeno", não se atreve. Ele é o homem rico que, ao contrário do jovem rico (Lucas 18Ele nem sequer inicia uma conversa. É um pecador e sabe disso. Mas o mesmo olhar que curou o cego agora repousa sobre ele. Jesus "levanta os olhos" e, com esse simples olhar, "dá vista" a Zaqueu. Permite que ele se veja não mais como um "chefe de publicanos" ou um "homem rico", mas como "Zaqueu", um indivíduo único, digno de ser visto, digno de ser nomeado.

O olhar de Jesus é um olhar que precede. Ele não espera pelo arrependimento de Zaqueu. Ele não espera por sua conversão. Ele o vê. Em Seu pecado, empoleirado na árvore de seu desejo não reconhecido. É um olhar que não julga, mas que clama. Não condena a "mesquinhez", mas a acolhe. Ao erguer os olhos, Jesus diminui a distância.

Para Zaqueu, ser visto por Jesus é tanto uma crise quanto uma libertação. O olhar público (a multidão) o condenava. O olhar divino (Jesus) o salva. Ele é reconhecido. O Aleluia (1 João 4A frase "Deus nos amou" assume aqui seu significado pleno: acima de tudo. O amor de Deus não é a recompensa pelos nossos esforços para subir em árvores; é o poder que nos encontra lá e nos convida a descer e entrar em comunhão.

A morada comum: a salvação como "comunhão"«

A ordem de Jesus é surpreendente: "Zaqueu, desça depressa, pois preciso ficar em sua casa hoje". A teologia de Lucas é uma teologia da encarnação radical. A salvação não é uma ideia, é uma presença.

Vamos analisar este "é necessário" (em grego: deiEste é um termo teológico fundamental em Lucas. Não se trata de uma convenção social ou obrigação logística. É o "dever" da necessidade divina, do plano de salvação de Deus. É o mesmo "dever" que Jesus usa para descrever sua própria missão: "Vocês não sabiam que ele..." deve que eu deveria estar ocupado com os negócios de meu Pai?» (Lucas 2:49); «Ele deve que eu proclamo as Boas Novas… pois foi para isso que fui enviado» (Lc 4,43); e acima de tudo, «Ele deve que o Filho do Homem sofre muitas coisas… é rejeitado… é morto e ressuscita» (Lc 9,22).

Ao dizer: "Preciso ficar na sua casa", Jesus coloca essa visita a um pecador no mesmo nível de necessidade divina que sua Paixão e Ressurreição. Indo à casa de Zaqueu faz parte da missão para a qual ele veio. Isso não é um desvio, é o próprio caminho para a salvação.

O lugar dessa salvação é a "casa" (oikos). Na antiguidade, a casa não era apenas o edifício; era a lareira, a família, os servos, os negócios, a intimidade. Era o lugar da vida concreta. E a casa de um chefe de cobradores de impostos era um lugar de impureza ritual por excelência. Era lá que o dinheiro da colaboração era contado, lá que os pagãos provavelmente eram recebidos. Entrar nessa casa, para um senhor judeu, era comprometer-se. Era tornar-se impuro aos olhos da lei.

Este é o cerne do escândalo para a multidão: «Ele foi ficar (katalysai) com um pecador». Eles veem a impureza. Jesus, porém, vê a oportunidade. É uma inversão completa da lógica do sagrado. O sagrado não é mais aquilo que deve ser protegido da contaminação do mundo; o sagrado (Jesus) é aquilo que entra na contaminação para santificá-la por dentro. Jesus não pede a Zaqueu que se purifique. Antes para recebê-la. Ele a recebe, e é essa recepção que purifica Zaqueu e sua casa.

O verbo "permanecer" (meinai) é ainda mais forte. Evoca estabilidade, permanência. Este é o verbo que João usará para a comunhão trinitária e a vida em Cristo ("Permaneçam em mim"). Jesus não quer apenas passar; ele quer resolver, Fazer da casa do pecador a nossa própria morada. A salvação é Deus vindo habitar em nós, na desordem de nossas vidas, em meio às nossas contas duvidosas e relacionamentos quebrados.

A resposta de Zaqueu é "« alegria »(chara). Este é o fruto do Espírito, o sinal de que o Reino de Deus está aqui. A multidão murmura, mas Zaqueu está celebrando. A salvação é uma celebração, uma alegria transbordante porque o Mestre da vida o escolheu. meu Uma casa, por mais indigna que seja, para se fazer dela um lar.

A metamorfose da riqueza: a justiça, fruto da salvação.

A cena muda para um ambiente interno. A atmosfera é tensa. Lá fora, murmúrios; dentro, a presença de Jesus. E é ali que o milagre moral acontece. "Zaqueu se levantou (statheis) e falou com o Senhor.".

A palavra "em pé" (statheis) é solene. Não se trata da inquietação de um alpinista nem da pressa de um descedor. É a postura de um homem que recuperou sua retidão, sua dignidade. Ele está diante do "Senhor" (Kyrios), um título que Lucas usa com cada vez mais frequência à medida que Jesus se aproxima de Jerusalém. Zaqueu reconhece a soberania de seu anfitrião.

Sua declaração é explosiva: «Eis que, Senhor, dou metade dos meus bens (metade da minha fortuna) aos pobres, huparchontōn), e se eu prejudiquei alguém (se eu extorqui, esykophantēsa), vou devolver-lhe quatro vezes mais."»

É crucial observar os tempos verbais. Alguns manuscritos usam o presente do indicativo («Eu dou», «Eu devolvo»), outros o futuro. A maioria dos exegetas concorda que se trata de um compromisso assumido naquele momento. Não é Zaqueu descrevendo seus hábitos passados (como quem diz: «Eu já sou uma boa pessoa»), mas o novo homem que emerge do encontro. A presença de Jesus em sua casa destruiu seu antigo sistema de valores.

Consideremos a magnitude do gesto. "Metade dos meus bens para os pobres." Isso não é caridade; é uma partilha radical. É muito mais do que um dízimo. É uma resposta direta, e inversa, ao jovem rico (Lucas 18) que, por sua vez, não tinha conseguido "vender tudo o que possuía". Zaqueu, sem que lhe fosse pedido, oferece o metade.

«Se eu o prejudiquei… pagarei quatro vezes mais.» O verbo «prejudicar» (sykophantein) é técnico: refere-se à extorsão por meio de falsa acusação, chantagem. Essa era a essência do seu negócio. Ele admite seu pecado. E oferece reparação. A Lei Judaica (Êxodo 22) exigia a devolução do valor principal mais um quinto em caso de prejuízo financeiro, e quatro ou cinco vezes o valor em caso de roubo de gado. A lei romana era semelhante. Ao oferecer «quatro vezes mais» por todos No caso de extorsão, Zaqueu adota voluntária e extravagantemente a pena máxima.

Este é o ponto central da teologia da riqueza de Lucas. Para Lucas, a riqueza é um perigo mortal porque isola (cf. o homem rico e Lázaro, Lucas 16A salvação de Zaqueu não se manifesta por meio de lágrimas ou orações extáticas, mas por meio de uma reestruturação econômica. A conversão (metanoia) não é um sentimento, é um ato de justiça.

Jesus não disse a Zaqueu: "A tua fé te salvou". Ele disse: "Hoje a salvação entrou nesta casa". Por quê? Porque (Grego: kardi) o dinheiro muda de mãos. Porque Os frutos estão lá. O encontro com Jesus libertou Zaqueu da idolatria do dinheiro. Ele finalmente pode... dar, porque ele tem recebido O essencial: um visual, um nome, um lar. Ele não precisa mais acumular para existir. A salvação o tornou justo.

Quando a salvação chega ao lar

A história de Zaqueu não é uma anedota histórica; é um paradigma para as nossas vidas. Ela aborda três esferas vitais: a nossa relação connosco próprios, com a nossa comunidade e com os nossos bens.

1. Esfera pessoal: Identificando nossos sicômoros Todos nós temos nossas "pequenicidades", nossas indignidades, nossas vergonhas — aqueles aspectos de nós mesmos que julgamos pequenos demais ou pecaminosos demais para serem apresentados a Deus. Todos nós temos nossas "multidões": distrações, medos, o medo do que os outros vão dizer, a voz interior que nos diz que não somos bons o suficiente. O convite de Zaqueu é, antes de tudo, um convite à coragem. Em qual "sicômoro" devo subir? Que esforço, por menor que seja, estou disposto a fazer para "buscar ver" Jesus? Pode ser abrir uma Bíblia pela primeira vez, ousar abrir a porta de uma igreja ou simplesmente parar em silêncio e expressar o desejo que temos por Deus. É também aprender a "descer rapidamente". Quando sentimos o convite da graça (uma palavra que nos toca, um chamado interior), não devemos negociá-lo. Devemos descer da nossa árvore da observação e abrir com alegria a porta da nossa "casa", sem nos sentirmos prontos, porque nunca estaremos.

2. Comunidade e esfera eclesiástica: Parem com os murmúrios Nessa história, há dois grupos: Zaqueu e Jesus de um lado, e "todos" (a multidão) do outro. A multidão representa a religião da separação, da pureza por meio da exclusão. Eles sabem quem é "pecador" e quem não é. Eles se escandalizam com misericórdia. A questão que se coloca para as nossas igrejas e comunidades é crucial: somos a turba murmurante ou o lar acolhedor? Quando alguém "impuro" (segundo os nossos padrões: a pessoa divorciada e recasada, o indivíduo LGBTQ+, o imigrante indocumentado, o ex-presidiário, o indivíduo rico de uma indústria poluente…) se aproxima, qual é a nossa primeira reação? Escândalo ou alegria Jesus nos mostra que a missão da Igreja não é proteger a sua própria pureza, mas seguir Cristo até os lares impuros para levar a salvação. Devemos nos tornar especialistas em "olhar para cima", observadores entre os sicômoros, buscando ativamente aqueles que a multidão despreza.

3. Esfera socioeconômica: Justiça restaurativa A conversão de Zaqueu é o exemplo mais concreto que se pode imaginar. Ela tem um preço: metade de sua fortuna e quatro vezes o valor da indenização. A aplicação é direta: será que nosso encontro com Cristo impacta nossa conta bancária, nossos hábitos de consumo e nosso senso de justiça? A salvação não é "de baixo custo". Ela nos obriga a examinar nossa "riqueza" (dinheiro, tempo, poder, privilégios) e a nos perguntar: como isso pode ser compartilhado? Como posso eu consertar Que danos meu estilo de vida, direta ou indiretamente (consumo, investimentos), causa aos outros ou ao planeta? Zaqueu nos ensina que caridade Dar aos pobres é essencial, mas a justiça (reparar as injustiças) é inseparável disso. Uma fé que não conduz à justiça econômica e social é uma fé incompleta, segundo São Lucas.

O Eco do Filho de Abraão

O próprio Jesus revela o significado teológico de sua ação em duas declarações impactantes.

A primeira é: «pois ele também é filho de Abraão». Trata-se de uma reabilitação pública. A multidão via Zaqueu como um traidor, um «pagão» por dentro, um homem que havia vendido sua alma (e seu povo) a Roma. Ele estava «perdido» para a comunidade de Israel. Ao declará-lo «filho de Abraão», Jesus o reintegra à história da salvação, à linhagem da promessa. Ele afirma que a aliança de Deus é mais forte que o pecado humano. O sangue da aliança é mais denso que a água da impureza ritual. Essa declaração é uma libertação de identidade. Zaqueu não é mais definido por sua profissão («chefe dos cobradores de impostos») ou por sua riqueza, mas por sua pertença fundamental ao povo de Deus.

Essa reintegração ecoa muitas profecias do Antigo Testamento, notadamente Ezequiel 34, onde o próprio Deus promete cuidar de seu rebanho contra os maus pastores: «Procurarei a ovelha perdida e trarei de volta a ovelha desgarrada…» (Ezequiel 34:16). Jesus, o Bom Pastor, cumpre essa profecia.

A segunda declaração, que conclui a narrativa, é a pedra angular de todo o Evangelho: «Porque o Filho do Homem veio buscar (zētēsai) e salvar (sōsai) o que estava perdido (to apolōlos)». Esta frase é um resumo perfeito da soteriologia de Lucas (a teologia da salvação). O sujeito é o «Filho do Homem», um título que Jesus atribui a si mesmo, ligando a sua humanidade (filho do homem) à sua autoridade escatológica (cf. Daniel 7A missão tem dois verbos: "buscar" e "salvar". A ordem é importante. Deus não espera que os perdidos apareçam; Ele Vá buscar!. É uma teologia do graça atenciosa (Um termo caro a Jean Wesley, mas profundamente bíblico). A iniciativa divina precede e suscita a resposta humana. O desejo de Zaqueu de "ver" já era, em si mesmo, fruto da busca de Jesus, que o levou até lá. O objeto da missão é "aquilo que estava perdido" (para apolo, um neutro singular). Não são apenas "aqueles" (pessoas), mas "aquilo que" (tudo) está perdido. Isso inclui pessoas (como em parábolas da ovelha e da dracma, Lucas 15), mas também perdeu a humanidade, corrompeu a criação e violou a justiça. Zaqueu é a personificação do "que foi perdido": um homem rico (perdido segundo a lei). Lucas 18), um pecador público (perdido para a comunidade), um homem baixo (perdido na multidão).

O encontro com Zaqueu é, portanto, a representação do grande parábolas de misericórdia de Lucas 15 (a ovelha, a dracma, o filho pródigoZaqueu é a ovelha perdida que o Pastor encontra. Ele é a moeda perdida na escuridão de sua casa. Ele é o filho pródigo que nem precisou sair da casa de seu pai, porque foi o Pai (em Jesus) quem veio encontrá-lo em seu exílio interior.

Suba na árvore da presença

Para internalizar este texto, proponho uma breve meditação em cinco etapas, baseada nas ações da história.

  1. Identifique a multidão: Reserve um momento para identificar o que, dentro de você e ao seu redor, constitui uma "multidão". Quais são as vozes (medo, vergonha, distração, opiniões alheias) que o impedem de "ver" Jesus, de buscar um significado mais profundo?
  2. Identificando o plátano: Qual é o "passo para o lado" que você pode dar hoje? Qual é o esforço, por menor ou "ridículo" que seja (como orar por 5 minutos, ler este texto, ligar para alguém), que você pode fazer para se elevar acima da "multidão" e expressar seu desejo de ver?
  3. Receber o olhar: Imagine-se naquela árvore. Jesus passa. Ele para. Ele olha para você. Ele não vê sua posição, seus fracassos ou sua riqueza. Ele vê VOCÊ. Ele diz o seu nome. Permaneça nesse olhar que não julga, mas chama e ama.
  4. Ouça o convite: Escute o que ele lhe diz: "Desça depressa. Preciso ficar com você hoje." Aceite a urgência e a necessidade deste convite. Não é para amanhã, é para "hoje".
  5. Abra a casa: «Desça rapidamente do seu ponto de vista privilegiado. Abra a porta da sua "casa" interior (seu coração, seus segredos, suas finanças, seu tempo) e receba-o com alegria, sem pré-condições. Deixe que a presença dele comece a transformar tudo.

«"O Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido" (Lucas 19:1-10)

Zaqueu, o escândalo de uma salvação "fácil demais"«

Este texto, por mais suave que seja, apresenta desafios formidáveis à nossa sensibilidade moderna, assim como desafiou os contemporâneos de Jesus.

O desafio da conversão "instantânea": Nossa época é psicológica. Estamos acostumados a processos longos, terapias e "autoaperfeiçoamento". A conversão de Zaqueu é instantânea, desencadeada por um simples olhar e um convite para jantar. Isso parece "fácil demais", até suspeito. Não é um ato precipitado? Ele não se arrependerá amanhã de ter prometido metade de seus bens? Esse desafio nos força a reavaliar o que salva. Não é o processo psicológico de Zaqueu que o salva; é a irrupção da graça de Deus. A salvação é uma evento antes de ser um processo. O encontro com Cristo é um choque que reorienta a existência. O processo (a distribuição de bens, a reparação dos erros) virá em seguida. Depois, Mas é o resultado do evento, não a sua causa.

O desafio da "graça barata": Dietrich Bonhoeffer alertou contra a "graça barata", aquela que perdoa pecados sem exigir uma mudança de vida. A história de Zaqueu é o oposto absoluto. A graça que Zaqueu recebe é "gratuita" (ele não a mereceu), mas é incrivelmente "custosa". Custa-lhe metade de sua fortuna e uma completa reformulação de seus negócios. O texto nos adverte contra uma visão puramente sentimental da salvação. Se o nosso encontro com Cristo não nos custa nada, se não afeta nossas finanças, nossos privilégios ou nosso modo de vida, será essa verdadeiramente a graça do Evangelho de Lucas?

O desafio de julgar os "super-ricos": Zaqueu é um "arquitelonēs" e um "plousios". Ele é o equivalente ao nosso 1%, talvez até mesmo daqueles que se enriquecem por meios legais, mas moralmente duvidosos (colaboração, especulação, otimização tributária agressiva). O texto nos força a perguntar: será que realmente acreditamos que Jesus veio "buscar e salvar"?« Também O CEO da multinacional poluidora, o banqueiro especulador ou o oligarca? A turma do "politicamente correto" (da qual muitas vezes fazemos parte) ainda murmura. Preferiríamos que a salvação fosse para os "pequenos" e os "pobres" (que idealizamos). Jesus, porém, vai até o colaborador rico. Ele nos lembra que não há caso perdido para a graça e que o coração dos ricos também é um campo missionário.

Oração da árvore de sicômoro

Senhor Jesus, Filho do Homem e Salvador, Tu que passas pelas nossas estradas, mesmo quando já não Te esperamos, Tu que entras nas nossas "Jericós", estes lugares de comércio e compromisso, vê-nos.

Olha para nós, Senhor, empoleirados em nossos sicômoros. Somos "pequenos": pequenos no medo, pequenos na vergonha, pequenos na nossa falta de coragem, paralisados pela multidão. Somos "ricos": ricos em nossas certezas, ricos em nossos julgamentos, ricos naquilo que acumulamos para não sentirmos nosso vazio. Buscamos "ver", por curiosidade ou vago desejo, sem ousar acreditar que possamos ser vistos.

Mas então você para. Você levanta o olhar. Seu olhar não é o da multidão acusadora, é o olhar que chama, o olhar que nomeia. Você diz meu nome: "Zaqueu", "o puro". Você vê em mim a inocência perdida, a imagem sepultada de Deus.

Você diz: "Desça depressa!" E não me dá tempo para me justificar. Você se convida para entrar: "Hoje, devo ficar na sua casa." Não na casa do vizinho mais respeitável, não na sinagoga, mas na minha casa, no coração do meu pecado.

Então, Senhor, nos dê alegria de Zaqueu. Alegria Descer de nossas alturas, de nossas evasivas, para Te receber com entusiasmo. Que a Tua presença em nosso lar destrua nossas defesas. Que o amor que recebemos livremente se transforme em justiça para os pobres e em reparação àqueles a quem prejudicamos.

Silencia os murmúrios da multidão dentro de nós. Concede-nos ver em cada "Zaqueu" deste mundo, em cada "alma perdida", um "filho de Abraão", uma irmã, um irmão que Tu vieste buscar e salvar. Pois Tu és o Deus que busca antes de ser buscado, Tu és o Amor que nos amou primeiro, Tu que vives e reinas com o Pai e o Espírito Santo, agora e para sempre. Amém.

Tornar-se hóspede de Deus

A história de Zaqueu é a missão de Jesus em um único ato. Ela nos lembra que o Evangelho não é uma lição de moral, mas um encontro. Um encontro iniciado por um Deus que ativamente "busca", que não tem medo de sujar as mãos ou comprometer sua reputação entrando em nossos lares impuros.

A salvação, como Lucas a apresenta, não é uma recompensa por uma vida justa; é o evento que torna possível uma vida justa. É "hoje". Não espera que sejamos perfeitos. Simplesmente pede que estejamos lá, posicionados na árvore do nosso desejo, e que tenhamos a coragem de "descer depressa" quando Ele nos chamar pelo nome.

A pergunta que Zaqueu nos faz não é: "Sou bom o suficiente para Jesus?", mas sim: "Estou alegre o suficiente para recebê-lo?". E: "Fui transformado o suficiente para que meu encontro com Ele se reflita no meu extrato bancário?".«

O chamado final é um envio em missão. Jesus, o Filho do Homem, veio buscar e salvar o que estava perdido. Ele fez isso por Zaqueu. Ele faz isso por nós. Agora, como «filhos de Abraão» restaurados e alegres, somos chamados a fazer o mesmo: a erguer os olhos, a avistar as figueiras bravas e a nos tornarmos, por nossa vez, buscadores do que está perdido, carregando... alegria salvação nos lares deste mundo.

Sete dias para descer da árvore

  • Dia 1: Identifique "a multidão" dentro de mim (aquela voz que me diz "você é pequeno demais"). Dê um nome a ela.
  • Dia 2: Ouse "subir" (faça algo incomum para buscar a Deus: leia um salmo, caminhe em silêncio).
  • Dia 3: Praticando o "olhar" de Jesus (olhando para uma pessoa que normalmente julgo, procurando nela o "filho de Abraão").
  • Dia 4: Medite sobre o "Hoje" (não adie para amanhã um ato de perdão ou partilha).
  • Dia 5: Receba "com alegria" (encontre um motivo concreto para gratidão e celebre-o, mesmo que de forma simples).
  • Dia 6: Calcule a "metade" (analise meu orçamento/tempo e decida sobre uma doação, uma contribuição concreta).
  • Dia 7: Pense em "reparação" (eu prejudiquei alguém? Como posso "compensá-lo", não apenas com palavras?).

Referências

  1. Texto original: A Bíblia, tradução litúrgica. Evangelho de Jesus Cristo segundo São Lucas, capítulo 19, versículos 1-10. Primeira Epístola de São João, capítulo 4, versículo 10.
  2. Antigo Testamento: Livro de Ezequiel, capítulo 34 (O Pastor de Israel). Livro do Êxodo, capítulo 21-22 (Leis sobre Reparação).
  3. Evangelho de Lucas: Parábolas de misericórdia (Lucas 15), O jovem rico (Lucas 18), O Cego de Jericó (Lucas 18).
  4. Comentário: François Bovon, L'Evangelho segundo São Lucas (15,1-19,27), Comentário sobre o Novo Testamento (CNT), Genebra, Labor et Fides, 2007.
  5. Comentário: José A. Fitzmyer, O Evangelho Segundo Lucas (X-XXIV), A Bíblia Anchor Yale, Doubleday, 1985.
  6. Padres da Igreja: Santo Ambrósio de Milão, Tratado sobre o Evangelho de São Lucas, VII, 83-96. (Ambrósio vê no sicômoro, "a figueira louca", um símbolo da cruz que levanta o pecador).
  7. Teologia: Dietrich Bonhoeffer, O preço da graça (título original: Nachfolge), para a distinção entre graça "barata" e graça "cara".
Via Equipe Bíblica
Via Equipe Bíblica
A equipe do VIA.bible produz conteúdo claro e acessível que conecta a Bíblia a questões contemporâneas, com rigor teológico e adaptação cultural.

Leia também

Leia também