Evangelho de Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquela ocasião, Jesus contou esta parábola aos seus discípulos: «Observem a figueira e todas as árvores: quando elas brotam, vocês sabem que o calor está próximo. Da mesma forma, quando virem essas coisas acontecerem, saibam que o Reino de Deus está próximo. Em verdade lhes digo que esta geração não passará até que todas essas coisas aconteçam. O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras permanecerão.»
Discernindo os sinais do Reino: como reconhecer a proximidade de Deus em nosso mundo.
Quando Jesus nos ensina a ler o invisível através do visível, para que possamos viver na esperança ativa da sua vinda..
Num mundo saturado de catástrofes previstas e ansiedade coletiva, Jesus nos convida a uma perspectiva diferente. Sua parábola da figueira (Lucas 21(29-33) nos ensina a arte de discernir os sinais do Reino que já está crescendo entre nós. Longe de nos paralisar com o medo do fim, Cristo nos treina em uma vigilância confiante, capaz de reconhecer Deus agindo mesmo em meio à turbulência. Esta mensagem permanece para nós hoje uma escola de clareza espiritual e esperança concreta.
O fio condutor comum: Da observação da natureza ao reconhecimento do Reino, Jesus nos ensina uma nova maneira de ver que transforma nossa expectativa em ação. Primeiramente, exploraremos o contexto desta parábola no discurso escatológico de Lucas, depois analisaremos a pedagogia divina do sinal, antes de desenvolver três temas: ler o mundo como a linguagem de Deus, a urgência jubilosa de Advento, e a força da Palavra diante de tudo o que passa.
Uma palavra de esperança em meio à crise.
O discurso escatológico segundo Lucas
Este excerto faz parte do grande discurso escatológico de Jesus (Lucas 21(5-36), proferidas no Templo de Jerusalém poucos dias antes de sua Paixão. Os discípulos acabavam de admirar a magnificência das pedras do santuário quando Jesus anunciou sua destruição iminente. O que se seguiu foi uma série de profecias sobre guerras, perseguições e convulsões cósmicas — realidades que aterrorizariam qualquer ouvinte.
No entanto, em meio a esse discurso aparentemente sombrio, Jesus insere esta luminosa parábola da figueira. O contraste é impressionante: depois de evocar a angústia das nações e os poderes abalados, ele agora fala de brotos e da chegada do verão. É como se Cristo quisesse reformular nossa visão. As catástrofes não são a palavra final; são as dores do parto.
Lucas situa este discurso num momento crucial. Jesus acabara de denunciar os escribas que "devoravam as casas das viúvas" (Lc 20:47) e admirara a oferta da viúva pobre (Lucas 21, 1-4). O Templo, símbolo da presença divina, será destruído, mas algo ainda maior está prestes a acontecer. A verdadeira presença de Deus agora se manifesta nohumildade e justiça, não em pedras e ouro.
Essa parábola da figueira funciona, portanto, como uma chave hermenêutica: ela nos oferece a lente através da qual podemos ler eventos trágicos não como fins, mas como começos. Ela nos ensina que Deus age mesmo no aparente caos para estabelecer o seu Reino. É essa pedagogia divina da esperança que devemos compreender hoje.
A pedagogia do sinal nos ensinamentos de Jesus
Uma lógica sacramental: o visível revela o invisível
Jesus utiliza aqui um método pedagógico que lhe é particularmente caro: começar pelo concreto para chegar ao invisível. “Olhai para a figueira e para todas as outras árvores” (v. 29) – o imperativo é forte. Ele não diz “refletirem” ou “meditem”, mas “olhem”. A contemplação da natureza torna-se aqui uma escola de teologia.
Essa abordagem está enraizada em toda a tradição bíblica. Os Salmos já nos convidavam a contemplar a glória do Criador na criação: “Os céus declaram a glória de Deus” (Salmo 19:2). Jesus radicaliza essa intuição: a natureza não apenas revela Deus, mas também se torna um sinal de sua ação na história. A figueira em botão não é apenas uma ilustração conveniente; ela é verdadeiramente análoga ao Reino vindouro.
A estrutura do raciocínio é simples, porém profunda: “Assim que brotam, vocês sabem que o verão está próximo. Da mesma forma…” (vv. 30-31). Jesus estabelece um paralelo rigoroso entre duas ordens de realidade. Na primeira, exercemos o discernimento espontaneamente: ninguém duvida que os brotos anunciem o verão. Na segunda, precisamos aprender a exercer o mesmo discernimento. discernimento espiritual Certos eventos anunciam infalivelmente a proximidade do Reino.
Essa lógica é profundamente sacramental. Ela pressupõe que o mundo material não é opaco à graça, que a história secular pode se tornar um lugar onde o sagrado se manifesta. É precisamente isso que a Igreja experimenta em seus sacramentos: a água se torna um sinal do novo nascimento, o pão se torna a presença de Cristo. Jesus está nos ensinando aqui a ver toda a realidade como potencialmente imbuída da presença divina.
A importância disso reside no fato de que, se aprendermos a ler dessa maneira, deixaremos de ser espectadores passivos de um mundo incompreensível e nos tornaremos testemunhas ativas de um Reino que se desdobra diante de nossos olhos.

Aprender a ler o mundo como a linguagem de Deus
O primeiro convite de Jesus é para desenvolvermos uma verdadeira hermenêutica da realidade. Muitas vezes, vivemos numa relação instrumental com a natureza e os acontecimentos. Calculamos, gerenciamos, planejamos – mas nos esquecemos de contemplar e discernir.
A figueira mencionada por Jesus era uma árvore familiar aos seus ouvintes. Na Palestina, ela simbolizava... paz e prosperidade: cada um “debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira” (1 Reis 5:5; Miquéias 4:4). Mas Jesus não se refere inicialmente a esse simbolismo cultural. Ele começa com uma observação ainda mais simples: o ciclo natural da árvore. No inverno, a figueira perde todas as suas folhas e parece morta. Então, na primavera, os primeiros brotos aparecem — e todos sabem que o verão está chegando.
Essa sabedoria camponesa se transforma em sabedoria teológica em Jesus. Deus se revela nos ritmos do mundo criado. Há uma palavra de Deus inscrita nas estações do ano, nos ciclos de morte e renascimento experimentados por toda a criação. Paulo dirá isso magnificamente: "Toda a criação geme e sofre as dores do parto" (Quarto 8, 22). Esta não é uma metáfora poética, mas uma realidade ontológica: algo novo busca nascer ao longo de toda a história cósmica.
Em termos práticos, isso significa que precisamos reaprender a observar. Em nossas vidas, sobrecarregadas de informações, mas carentes de atenção, Jesus nos lembra da importância do olhar contemplativo. Observar o brotar de uma árvore não é perda de tempo; é um treinamento para reconhecermos os sinais de Deus. Aqueles que não percebem mais as estações do ano também serão incapazes de discernir os tempos espirituais.
Essa compreensão do mundo também pressupõe uma confiança fundamental na coerência da criação. Se os botões invariavelmente anunciam o verão, é porque existe uma confiabilidade inerente à ordem criada. Deus não é caprichoso; ele se revela segundo uma lógica que podemos aprender. Essa confiança é crucial para nossa vida espiritual: podemos confiar nos sinais que Deus nos dá.
Mas atenção: Jesus não diz que tudo é um sinal. Ele fala "disto" (v. 31), referindo-se a eventos específicos que acabou de descrever. Discernimento não consiste em sacralizar tudo, mas em reconhecer os verdadeiros sinais em meio ao ruído da história. É uma arte que requer prática. humildadee fundamentação na Palavra.
A alegria e a urgência do Advento – viver em busca do Reino
A segunda lição desta parábola diz respeito à nossa postura existencial. Jesus não diz simplesmente que o Reino está próximo; ele afirma que podemos e devemos "saber" que ele está próximo (v. 31). Esse conhecimento deve transformar a maneira como vivemos o tempo.
Advento Para um cristão, cuja leitura do Evangelho desta parábola se destina ao primeiro domingo, a vida não é primordialmente uma contagem regressiva para o Natal. É uma atitude fundamental: viver na expectativa da vinda do Senhor. Os Padres da Igreja distinguiram três vindas de Cristo: na carne, na vida e na vida após a morte. Belém, em glória no fim dos tempos, e nos corações hoje pela graça. Advento nos ensina a reconhecer e a acolher essas três dimensões.
Essa busca pelo Reino cria uma urgência, mas uma urgência alegre. “Levantem-se e ergam a cabeça, pois a sua redenção está próxima” (Lucas 21(p. 28) – a aclamação Aleluia que acompanha esta passagem é reveladora. Não estamos em ansiedade apocalíptica, mas em expectativa confiante. Como uma mulher grávida que sente os primeiros movimentos do bebê e sabe que o parto se aproxima, assim a Igreja discerne nos acontecimentos os primeiros sinais do novo mundo.
Essa urgência deve transformar nossas prioridades. Jesus diz: “Certamente não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam” (v. 32). Alguns exegetas apontaram uma dificuldade aqui, visto que se passaram dois mil anos. Mas a palavra grega “genea” designa menos um período cronológico do que uma qualidade da existência: a humanidade pecadora, a velha ordem. Jesus afirma que essa velha ordem está condenada, que a nova já está surgindo e que somos chamados a viver agora segundo as leis do Reino vindouro.
Pensemos na carta de Paulo aos Romanos: “A noite está quase terminando; o dia já vem chegando” (Quarto 13, 12). Essa consciência da iminência deve nos libertar do apego às coisas passageiras e nos tornar disponíveis para o que perdura. Não numa fuga do mundo, mas num compromisso mais radical: já que o Reino está crescendo, trabalhemos para manifestá-lo por meio da nossa justiça, da nossa paz, da nossa caridade.
Essa urgência jubilosa se opõe tanto ao fatalismo desesperado quanto ao otimismo ingênuo. Diante das crises de nosso tempo — ecológicas, sociais e morais — o cristão não é a avestruz que nega os problemas, nem o profeta da desgraça que vê apenas decadência. Ele é aquele que reconhece que os sofrimentos atuais são dores de parto, sinais de que algo novo quer nascer se cooperarmos com a graça.
A permanência da Palavra em meio a tudo o que passa.
O terceiro ponto nos leva ao cerne da promessa de Cristo: "O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão" (v. 33). Esta afirmação solene constitui o fundamento da nossa esperança.
Na Bíblia, "céus e terra" referem-se à totalidade do cosmos criado. Jesus usa aqui uma expressão proverbial para significar "absolutamente tudo". Mesmo as realidades que nos parecem mais estáveis — as estrelas, as montanhas, as instituições — estão sujeitas a mudanças e eventualmente desaparecerão. Essa visão ecoa a da Segunda Carta de Pedro: "Os elementos serão destruídos pelo fogo" (2 Pedro 3:12).
Mas em meio a essa relatividade universal, apenas uma coisa permanece absoluta: a Palavra de Cristo. Por que essa permanência? Porque essa Palavra não é um ensinamento humano entre outros, mas a própria expressão da Palavra eterna. João percebeu isso no Prólogo: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (João 11) As palavras de Jesus são as palavras do Logos divino e, portanto, participam da eternidade de Deus.
Esta afirmação tem imensas consequências práticas. Primeiro, significa que podemos confiar na Palavra de Cristo como na única rocha inabalável. Num mundo de convulsões, onde todas as nossas certezas vacilam, a Palavra permanece firme. Jesus já havia dito isso na parábola das duas casas: aquele que ouve as suas palavras e as pratica é como o homem que edifica sobre a rocha (Monte 7, 24-25).
Além disso, isso coloca tudo em perspectiva. Impérios caem, ideologias desmoronam, tendências intelectuais vêm e vão — mas a Palavra permanece. O Templo de Jerusalém, cujas magníficas pedras os discípulos admiravam, foi de fato destruído em 70 d.C. Civilizações que nos parecem eternas não o são. Somente a Palavra transcende os tempos sem perder sua relevância.
Essa permanência também fundamenta a missão da Igreja: transmitir intacto o depósito da fé. Bento XVI frequentemente nos lembrava que a Igreja não é dona da Palavra, mas sua serva. Ela não pode alterá-la conforme os tempos. Deve preservá-la fielmente e proclamá-la em toda a sua radicalidade, mesmo quando isso nos causa estranheza. Pois é essa Palavra imutável que oferece uma âncora para a humanidade à deriva.
Finalmente, essa promessa alimenta nossa esperança escatológica. Se as palavras de Cristo não passarem, suas promessas se cumprirão. Quando ele anuncia: "O reino de Deus está próximo", podemos ter certeza disso. Quando ele promete: "Estarei sempre convosco, até a consumação dos séculos" (Monte 28(p. 20), podemos confiar absolutamente nisso. A confiabilidade de Deus está comprometida com a sua Palavra.

Aplicações práticas em diferentes esferas da vida
Em nossa vida espiritual pessoal
Esta parábola nos convida, em primeiro lugar, a cultivar um olhar contemplativo sobre a nossa própria existência. Onde vemos Deus a agir? Quais são os "botões" na nossa vida espiritual que anunciam um novo crescimento? Talvez seja um desejo renovado de orar, uma sede da Palavra, uma maior sensibilidade à injustiça, uma nova capacidade de perdoar.
Em termos práticos, poderíamos estabelecer um momento semanal de reflexão, no qual identificaríamos os sinais da presença de Deus em nossa semana. Não para nos vangloriarmos, mas para reconhecermos que "é ele quem opera em nós tanto o querer quanto o realizar" (Filipenses 2:13). Essa prática desenvolve nossa capacidade de discernimento e nutre nossa gratidão.
Em nossos relacionamentos e em nossa vida familiar.
Dentro da família, essa pedagogia dos sinais nos ensina a reconhecer momentos de graça nas pequenas coisas do dia a dia. O sorriso de uma criança, uma reconciliação após uma discussão, um ato altruísta de serviço — tudo isso são brotos do Reino. Podemos ensinar nossos filhos a nomear esses momentos: "Viu? Quando você compartilhou seu brinquedo, era o Reino de Deus crescendo entre nós."
Essa atenção também transforma a maneira como lidamos com as provações familiares. Doenças, conflitos e luto não são sinais de que Deus nos abandonou. Se os enfrentarmos com fé, podem se tornar oportunidades para uma renovada proximidade com o Cristo sofredor e ocasiões de solidariedade que já manifestam a ternura do Reino.
Em nosso compromisso social e profissional
Em nosso trabalho e engajamento cívico, esta parábola nos liberta tanto do cinismo quanto do utopismo. Não afirmamos construir o Reino por nossa própria força — isso seria a ilusão prometeica. Mas reconhecemos que cada ato de justiça, solidariedade e respeito pela criação é um broto do Reino, um sinal de que Deus está agindo na história.
Você trabalha na área da educação? Cada aluno que descobre sua dignidade é um sinal do Reino. Você é um cuidador? Cada paciente cuidado com compaixão manifesta... compaixão de Cristo. Você está no mundo dos negócios? Toda relação profissional vivida com integridade e respeito já molda o mundo de justiça que Deus deseja.
Essa visão dá um significado profundo às nossas ações sem nos esmagar sob o peso do messianismo. Não somos os salvadores do mundo — o Salvador já veio. Mas somos chamados a colaborar com a Sua obra, a preparar o caminho, a tornar visível o que cresce invisivelmente.
Em nossa leitura dos eventos atuais e da história.
Diante das notícias angustiantes que inundam nossas telas, esta parábola nos oferece uma perspectiva diferente. Em vez de sermos arrastados pela enxurrada de informações catastróficas, podemos exercer discernimento: onde Deus está agindo apesar de tudo? Onde o Espírito inspira respostas de solidariedade, coragem e criatividade?
Cada vez que uma comunidade se mobiliza para acolher refugiados, cada vez que jovens se comprometem com a justiça climática, cada vez que surge um movimento de reconciliação em meio a um conflito – esses são os brotos do Reino. Nosso papel não é negar as tragédias, mas também reconhecer e encorajar os sinais de esperança que aparecem em meio à escuridão.
Ecos na tradição
A Hermenêutica Patrística do Signo
Os Padres da Igreja meditaram amplamente sobre esta parábola. Agostinho, em seus comentários sobre o Evangelho, vê nela uma ilustração da "teologia natural": Deus se revela através da criação antes mesmo de se revelar através dos profetas e de Cristo. A figueira torna-se, assim, uma metáfora para toda a humanidade que, vista pelos olhos da fé, traz os sinais da redenção vindoura.
Orígenes desenvolve uma interpretação alegórica mais ousada: a figueira representa Israel, e as "outras árvores", as nações pagãs. Juntas, elas florescem na primavera do Evangelho, demonstrando que a salvação é universal. Essa leitura cristológica e eclesiológica transforma a parábola em uma profecia missionária: onde quer que o Evangelho seja proclamado, o Reino floresce.
Cirilo de Alexandria enfatiza a dimensão escatológica: os botões não são o fruto final, mas o seu anúncio certo. Da mesma forma, os sinais do Reino na história não representam ainda a sua plenitude, mas garantem infalivelmente que essa plenitude virá. Essa distinção é crucial para evitar qualquer triunfalismo: estamos no tempo dos botões, não ainda no tempo da colheita.
Ressonâncias litúrgicas e sacramentais
A liturgia de Advento Isso faz desta parábola um eixo fundamental da espiritualidade cristã contemporânea. O tempo não é uma repetição cíclica como nas religiões cósmicas, nem um fluxo linear sem sentido como no cristianismo. niilismo moderno. É um tempo "orientado", focado em um fim que também é uma conquista.
Os sacramentos Eles próprios operam segundo esta lógica do sinal: a água do batismo é verdadeiramente água, mas significa e realiza o novo nascimento. O pão eucarístico é verdadeiramente pão, mas significa e realiza a presença de Cristo. Cada sacramento é um "botão" do Reino, uma antecipação real da vida eterna que já vivemos na fé.
Essa perspectiva sacramental nos convida a não separar o visível do invisível, o material do espiritual. cristandade Esta não é uma gnose que despreza a carne, mas uma fé encarnada que reconhece que a graça se manifesta através de realidades concretas. É por isso que os gestos litúrgicos – água, pão, vinho, azeite, a imposição das mãos – são tão importantes: demonstram que a salvação alcança a pessoa por inteiro, corpo e alma.
Âmbito escatológico e esperança cristã
Esta parábola articula magistralmente o "já aqui" e o "ainda não" do Reino. Teólogos protestantes do século XX, notadamente Oscar Cullmann, falaram do "tempo da Igreja" como um tempo intermediário: entre a vitória decisiva de Cristo na Páscoa (o "Dia D") e a plena manifestação dessa vitória na Parusia (o "Dia V").
Os botões simbolizam que a batalha decisiva foi vencida — a primavera triunfou sobre o inverno —, mas a plena manifestação dessa vitória ainda requer tempo. Essa tensão é inerente à existência cristã: vivemos na certeza da esperança, mas ainda não na visão. “Andamos por fé e não por vista” (2 Coríntios 5:7), sabendo que essa fé se baseia em sinais tangíveis.
Essa escatologia tem importantes implicações éticas. Ela nos impede de sacralizar a ordem presente (já que está destinada a passar), ao mesmo tempo que concede valor eterno aos nossos atos de amor (pois florescem para o Reino). Ela nos liberta do ativismo ansioso (Deus está estabelecendo o seu Reino) sem permitir a passividade (devemos colaborar como fiéis administradores).
Faixa de meditação
Um exercício semanal para discernir sinais.
Todo domingo à noite ou segunda-feira de manhã, reserve quinze minutos para uma reflexão espiritual sobre a sua semana. Em um caderno específico, anote em três colunas: "Brotos" (sinais de esperança, graça e crescimento), "Inverno" (provas, aridez e dificuldades) e "Vigilância" (aquilo a que sou chamado a prestar atenção nesta semana).
Essa prática regular molda gradualmente sua perspectiva. Você aprende a enxergar além do negativo, mas também a reconhecer realidades difíceis. Você cultiva aquela "embriaguez sóbria do Espírito" mencionada pelos Padres: lucidez e esperança juntas. Depois de alguns meses, releia suas anotações — você ficará surpreso ao ver quantos "botões" de fato deram frutos.
Meditação contemplativa inspirada na natureza
Escolha uma árvore perto de casa – se possível, uma árvore de folha caduca que mostre claramente as estações do ano. Visite-a regularmente, pelo menos uma vez por mês. Observe as suas transformações: o aparecimento dos rebentos na primavera, o desabrochar das folhas no verão, as cores do outono, a nudez no inverno.
Durante esses momentos de observação, ore a partir do que você vê. Pergunte a si mesmo: Em que estação espiritual me encontro? Onde estão meus brotos? O que precisa morrer dentro de mim para que algo novo possa nascer? Deixe que a árvore se torne sua mestra espiritual, aquela que lhe ensina os ritmos da graça.
Oração do Advento com textos bíblicos
Durante todo o período de Advento, Medite diariamente em um versículo desta passagem de Lucas. Escolha um versículo por dia: segunda-feira "Vejam a figueira", terça-feira "Assim que brotarem", quarta-feira "O verão está próximo", etc. Repita o versículo lentamente, deixe-o ressoar dentro de você, observe os desejos, perguntas ou consolos que ele desperta.
Você também pode orar com o corpo: assuma uma postura de vigilância, de pé com os braços ligeiramente erguidos (como na aclamação "Erguei-vos e levantai a cabeça"). Mantenha essa postura por alguns minutos, repetindo em silêncio: "Vem, Senhor Jesus". Essa oração corporal expressa e nutre a atitude de espera ativa que Jesus deseja despertar em nós.
Partilha e reflexão comunitárias dentro da Igreja
Se você pertence a um grupo ou movimento de oração, sugira um momento de partilha em que cada pessoa mencione um "broto do Reino" que tenha observado recentemente em sua vida, na Igreja ou no mundo. Essa partilha de sinais de esperança é profundamente evangélica: edifica a comunidade, nutre a fé dos mais vulneráveis e glorifica a Deus que está agindo.
Contudo, devemos ter cuidado para não cairmos em um idealismo ingênuo. Nossa partilha deve permanecer realista: reconhecemos também os invernos, as noites, as secas. Mas reconhecemo-los à luz da Páscoa, ou seja, confessando que mesmo ali, Deus pode fazer surgir algo novo. Essa confissão de fé compartilhada fortalece nossa esperança pessoal.
Desafios contemporâneos
Como podemos discernir sem cair no iluminismo?
Um primeiro desafio diz respeito ao próprio discernimento. Como podemos saber se aquilo que identificamos como um "sinal do Reino" o é de fato? Não corremos o risco de projetar nossos desejos nos acontecimentos, de ver sinais onde não existem?
Esse risco é real, e a história da Igreja infelizmente inclui casos de desvios iluministas em que indivíduos ou grupos alegaram interpretar mensagens divinas fantasiosas em eventos. A resposta reside em três critérios de discernimento: coerência com as Escrituras, confirmação pela comunidade eclesial e resultados concretos na vida.
Um verdadeiro sinal do Reino jamais contradirá o Evangelho. Se alguém afirma discernir que Deus o está chamando ao ódio, ao desprezo pelos pobres e à injustiça, certamente trata-se de uma ilusão. Além disso, o discernimento não pode ser puramente individual: deve ser confirmado por outros crentes maduros, idealmente em conexão com a tradição e o Magistério. Por fim, os verdadeiros sinais produzem frutos de paz, alegria e caridade — não de tumulto, divisão ou orgulho.
A urgência escatológica não leva ao afastamento?
Segunda objeção: se "o céu e a terra passarão", por que nos comprometermos a melhorar o mundo? Não corremos o risco de cair em um quietismo que nos enfraquece?
A história demonstra, ao contrário, que a esperança escatológica cristã tem sido um poderoso motor de transformação social. Foram os monges que desbravaram terras por toda a Europa, preservaram a cultura ancestral e desenvolveram a agricultura. Foram os cristãos que fundaram hospitais, escolas e obras de caridade. Por quê? Precisamente porque acreditavam que suas ações tinham significado eterno.
A chave é distinguir entre "passar" e "desaparecer completamente". Na teologia católica, particularmente em Tomás de Aquino e na Gaudium et Spes, afirma-se que tudo o que foi vivido no amor será transfigurado e incorporado ao Reino. O céu e a terra "passarão" no sentido de serem transformados, purificados e embelezados — não aniquilados. Assim, nossos atos de justiça e caridade não se perdem; eles preparam e antecipam o novo mundo.
Como podemos manter a esperança diante dos desastres?
Terceiro desafio: as crises ecológica, social e moral do nosso tempo são de uma escala sem precedentes. Como podemos continuar a "enxergar os sinais" quando tudo parece estar desmoronando?
Em primeiro lugar, rejeitando a visão catastrófica da mídia, que só enxerga o lado negativo. Por razões comerciais, a mídia destaca tragédias e ignora as milhares de iniciativas positivas que florescem por toda parte. É preciso informação alternativa: buscar ativamente "boas notícias", projetos de solidariedade e inovações que sirvam ao bem comum.
Então, colocando nossas ansiedades em perspectiva à luz da longa história. Cada era vivenciou seus apocalipses: invasões bárbaras, pestes, guerras mundiais. E, no entanto, a Igreja perseverou em meio a tudo isso, a humanidade sobreviveu e Deus continuou a suscitar santos e profetas. Nosso tempo não é pior nem melhor do que qualquer outro — é o nosso tempo, o tempo em que Deus nos chama a dar testemunho.
Finalmente, cultivando uma esperança teológica que não depende das circunstâncias. A esperança cristã não é o otimismo que acredita que "tudo ficará bem". É a certeza de que Deus é fiel e que seu plano de amor se cumprirá, aconteça o que acontecer. Mesmo que o pior acontecesse, mesmo que nossa civilização entrasse em colapso, Deus continuaria sendo Deus, e seu amor continuaria sendo a palavra final na história.
Oração pela espera e pela acolhida.
Senhor Jesus, Verbo eterno do Pai,
Tu que ensinaste aos teus discípulos a arte do discernimento,
Ensina-nos a ver o mundo através dos teus olhos.
Abre nossos corações cegos para a beleza do Teu Reino, que já está despontando em nosso meio.
Façam de nós vigilantes, vigias.
Nem adormecido na indiferença,
nem paralisado pela ansiedade,
mas permanecendo em alegre expectativa da sua chegada.
Assim como a figueira em botão anuncia o verão,
Que as nossas vidas sejam sinais do teu Reino:
Que, por meio da nossa justiça, sejamos botões da vossa paz;
Que, por meio de nossa caridade, sejamos brotos do seu amor;
Que a nossa esperança nos permita ser brotos da tua vitória.
Quando a noite se adensa ao nosso redor,
Quando as notícias mundiais pesam muito sobre nossos ombros,
Quando nossas próprias provações nos fazem duvidar,
Repita aos nossos corações a sua promessa inabalável:
"O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão."
Firmemos-nos nesta Palavra que não passa,
Rocha sólida em meio às tempestades,
Uma luz firme em meio à escuridão.
um caminho seguro em meio às nossas andanças.
Vem, Senhor Jesus,
Venham às nossas igrejas, que os aguardam.
Venha para as nossas famílias que anseiam pela sua paz,
Venha para nossas sociedades feridas que anseiam por sua presença,
Vem para os nossos corações que anseiam por ti.
Concede-nos a graça de preparar os teus caminhos,
Ao achatar através de perdão as montanhas do orgulho,
preenchendo os vales da indiferença através da solidariedade,
endireitando os caminhos tortuosos da mentira através da verdade.
Que o nosso Advento não seja um mero período de espera passiva,
Mas um compromisso ativo de colaborar com o seu Espírito,
para reconhecer seus sinais,
Para anunciar suas boas notícias,
Para demonstrar, através de nossas vidas, que o teu Reino já está aqui.
Levanta-nos quando estivermos curvados sob o peso do pecado,
Levantem a cabeça quando o desânimo os dominar.
Porque tu és a nossa redenção que se aproxima,
Você é a nossa alegria que virá,
Você é a nossa esperança que não decepciona.
Agradecemos-te, Senhor da história,
Por todos os rebentos do teu Reino que temos observado:
Para cada ato de reconciliação que desmantela o ódio,
Para cada mão estendida que ampara os pobres,
Para cada palavra de verdade que expõe a mentira,
Por cada oração que chega até ti, vinda do coração de teus filhos.
Guia-nos do inverno do nosso pecado para a primavera da tua graça.
Do sono da indiferença ao despertar do amor,
da morte que passa para a vida que permanece,
pois tu és o Senhor que vem,
Hoje, amanhã e para sempre.
Maranata! Vem, Senhor Jesus!
Amém.
Tornarmo-nos leitores ativos dos sinais de Deus.
Esta parábola da figueira nos oferece muito mais do que um ensinamento abstrato sobre o fim dos tempos. Ela nos ensina uma nova maneira de viver o presente. Num mundo onde o sentido parece faltar, onde as catástrofes se acumulam, onde tantos dos nossos contemporâneos oscilam entre o cinismo desiludido e o ativismo frenético, Jesus nos oferece um terceiro caminho: o da vigilância confiante.
Aprender a discernir os sinais do Reino significa rejeitar tanto a cegueira que nada vê quanto a ilusão que vê alguma coisa. Significa desenvolver um olhar contemplativo e crítico, um olhar capaz de reconhecer Deus em ação sem confundi-Lo com nossas próprias projeções. Essa sabedoria espiritual requer tempo, prática e...humildade – mas dá frutos de paz e esperança.
A promessa central permanece: a Palavra de Cristo não passará. Num mundo de fluxo incessante, onde tudo muda e desmorona, essa âncora é crucial. Podemos construir nossas vidas sobre a rocha dessa Palavra, investir nossas energias no que perdura e orientar nossas vidas rumo ao Reino vindouro. Não para fugir das urgências do presente, mas sim para enfrentá-las com a sabedoria daquele que sabe distinguir o eterno do perecível.
O apelo, portanto, é por uma mudança de perspectiva. Deixemos de ver o mundo como um conjunto de problemas a serem resolvidos ou ameaças a serem evitadas. Vejamo-lo como o lugar onde Deus semeia o seu Reino, onde o Espírito produz coisas novas, onde Cristo vai à nossa frente e nos espera. Onde a justiça floresce, onde a solidariedade se manifesta, onde a verdade é dita com coragem, onde perdão reconciliar – ali, os botões da figueira, ali, o Reino se aproxima.
Que possamos nos tornar essas testemunhas lúcidas e alegres de que nosso tempo tanto precisa: não os profetas da desgraça que profetizam catástrofes, nem os otimistas ingênuos que negam os dramas, mas os vigias que sabem reconhecer o amanhecer no meio da noite e que, por seu modo de vida, já manifestam a luz do dia que virá.

Práticas concretas para implementar
- Estabeleça um horário semanal para reflexão espiritual. onde você identifica três sinais da presença de Deus em sua semana, anotando-os em um caderno específico para acompanhar o progresso realizado.
- Adote uma árvore perto de casa como companheira espiritual., visitando-o regularmente para observar suas transformações e meditar sobre as fases de sua própria vida espiritual.
- Crie um cantinho do Advento em sua casa. com uma vela que você acende todas as noites enquanto lê um versículo desta passagem e compartilha um sinal de esperança observado durante o dia.
- Participe ou forme um pequeno grupo de compartilhamento. onde cada pessoa nomeia mensalmente um "broto do Reino" identificado em sua vida, trabalho ou vizinhança, para fortalecer a fé em conjunto.
- Escolha uma situação difícil da sua vida. E pergunte a si mesmo em oração: "Onde Deus está agindo aqui? Que broto pode surgir através desta provação?", sem forçar uma resposta, mas com abertura confiante.
- Cultivando um jejum parcial de mídia Substituindo quinze minutos de consumo de notícias que geram ansiedade por quinze minutos de leitura de testemunhos cristãos ou projetos de solidariedade que manifestam o Reino.
- Memorize o versículo 33. "O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão", para repetir como uma âncora em momentos de dúvida, angústia ou desânimo.
Referências principais
- Evangelho segundo São LucasCapítulo 21 – O discurso escatológico completo fornece o contexto indispensável para a compreensão da parábola da figueira e sua mensagem de esperança.
- Constituição Pastoral Gaudium et Spes (Vaticano II, 1965) – Particularmente os números 39 a 45 sobre a dignidade da atividade humana e sua relação com o Reino de Deus.
- Agostinho de Hipona, Comentário sobre o Evangelho de São João – Pela sua reflexão sobre os sinais e a pedagogia divina através da criação e da história.
- Hans Urs von Balthasar, Drama Divino (Volume IV) – Por sua teologia da história como o lugar de manifestação progressiva do desígnio de Deus.
- Oscar Cullmann, Cristo e o Tempo (1946) – Estudo fundamental sobre a concepção cristã do tempo como um tempo orientado entre a plenitude em Cristo e a Parusia.
- Jürgen Moltmann, Teologia da Esperança (1964) – Pela sua reflexão sobre a escatologia como força motriz do envolvimento cristão na história e não como uma fuga do mundo.
- Bento XVI, Encíclica Spe Salvi (2007) – Sobre a virtude da esperança cristã, sua diferença em relação ao otimismo e sua capacidade de transformar nossa visão do presente.
- Romano Guardini, O fim dos tempos modernos – Pela sua leitura teológica dos sinais dos tempos e pelo seu convite a uma discernimento espiritual da história contemporânea.


