“Vocês receberam um Espírito que os tornou filhos, e nele clamamos: ‘Abba!’, isto é, ‘Pai!’” (Rm 8,12-17)

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Leitura da Carta de São Paulo Apóstolo aos Romanos

Irmãos,
temos uma dívida,
mas não é para a carne
ter que viver segundo a carne.
    Porque se viverdes segundo a carne,
você vai morrer;
mas se, pelo Espírito,
você mata as ações do homem pecador,
você viverá.
    Para todos os que são guiados pelo Espírito de Deus,
Estes são os filhos de Deus.
    Vocês não receberam um espírito que os escraviza
e traz você de volta ao medo;
mas vocês receberam um Espírito que os fez filhos;
e é nele que clamamos " Aba! ", isto é: Pai!
    Portanto, é o próprio Espírito Santo que dá testemunho do nosso espírito
que somos filhos de Deus.
    Já que somos seus filhos,
nós também somos seus herdeiros:
herdeiros de Deus,
herdeiros com Cristo,
se ao menos sofremos com ele
para estar com ele na glória.

            – Palavra do Senhor.

Da escravidão à filiação: como o Espírito Santo transforma nossa identidade

Descubra por que Paulo chama Deus de “Abba” e o que isso muda radicalmente em sua vida espiritual.

Em sua carta aos Romanos, Paulo propõe uma revolução espiritual: não somos mais escravos tremendo diante de um senhor distante, mas filhos adotados pelo próprio Deus. Essa transformação radical é realizada pelo Espírito Santo, que nos capacita a clamar "Abba!" — a palavra íntima que Jesus usou para dirigir-se ao seu Pai. Essa passagem subverte nossa compreensão da vida cristã: viver segundo o Espírito não é uma restrição moral, mas o aprendizado de uma liberdade filial que nos conduz à glória prometida.

Exploraremos primeiro o contexto histórico e teológico desta declaração paulina e, em seguida, analisaremos a dinâmica central do texto: a mudança do medo para a confiança. Em seguida, nos aprofundaremos em três dimensões essenciais: a liberdade concedida pelo Espírito, a intimidade restaurada com Deus e a herança gloriosa prometida aos filhos. Por fim, descobriremos como colocar essa filiação divina em prática em nossa vida cotidiana.

“Vocês receberam um Espírito que os tornou filhos, e nele clamamos: ‘Abba!’, isto é, ‘Pai!’” (Rm 8,12-17)

Contexto: Paulo escreve aos cristãos em Roma

Quando Paulo escreveu sua carta aos Romanos, provavelmente por volta de 57-58 d.C., em Corinto, ele se dirigia a uma comunidade que ainda não havia visitado pessoalmente. Roma, a capital do Império, abrigava uma comunidade cristã diversificada, composta por convertidos de origem judaica e pagã. Paulo, o apóstolo das nações, buscou estabelecer os fundamentos teológicos da fé cristã com uma profundidade e sistematicidade inigualáveis em seus outros escritos.

O capítulo 8 da Epístola aos Romanos constitui um dos pontos altos do pensamento paulino. Após desenvolver longamente a justificação pela fé e a libertação do pecado, Paulo agora aborda a vida no Espírito. Esta passagem surge como uma resposta concreta à pergunta existencial que todo crente se faz: como podemos viver esta nova realidade espiritual no dia a dia?

O vocabulário utilizado por Paulo revela uma intenção específica. Ele utiliza o termo grego "huiothesia", que se referia à adoção legal no mundo romano. Essa noção tinha considerável significado jurídico: o filho adotado tornava-se herdeiro pleno, assim como um filho biológico. Paulo, portanto, toma emprestado o vocabulário social de sua época para expressar uma realidade espiritual revolucionária.

A oposição entre "carne" e "Espírito" estrutura toda a passagem. Na linguagem paulina, a carne não designa apenas o corpo físico, mas toda a existência humana voltada para si mesma, separada de Deus, aprisionada por suas próprias limitações. O Espírito, ao contrário, representa o poder divino que vem habitar o crente e transformá-lo a partir de dentro.

A palavra aramaica "Abba" ocupa um lugar central. Jesus a usava para se dirigir a Deus, e os Evangelhos preservaram esse termo em sua língua original, testemunhando sua importância. "Abba" combina ternura infantil e respeito filial. Não é o simples "papai" que às vezes é traduzido, nem o distante e formal "pai", mas uma expressão de intimidade confiante.

No contexto litúrgico, esta passagem é frequentemente proclamada durante as festas que celebram o Espírito Santo, nomeadamente o Pentecostes ou a Trindade. Ela nos lembra que a vida cristã não se reduz a seguir um código moral externo, mas consiste em viver uma relação filial com Deus através do Espírito. Essa perspectiva muda radicalmente nossa abordagem à oração, à ética e à esperança cristã.

Análise: A dinâmica da transformação interior

Paulo estrutura seu argumento em torno de um contraste marcante: dois modos de existência se opõem, um levando à morte, o outro à vida. Essa oposição não é simplesmente moral ou comportamental; ela toca a própria identidade do crente.

A primeira parte do texto apresenta uma dívida paradoxal: temos uma dívida, mas não com a carne. Essa formulação surpreendente inverte a lógica usual. Na experiência humana comum, é precisamente aos nossos desejos, aos nossos medos, aos nossos instintos que parecemos dever algo. Paulo afirma o oposto: não devemos nada a essa lógica da morte. A libertação operada por Cristo nos libertou de toda obrigação de pecar.

O verbo "matar" usado por Paulo para se referir às ações do homem pecador revela a natureza radical do combate espiritual. Não se trata de melhorar gradualmente o nosso comportamento, mas de fazer morrer o que pertence ao antigo regime. Essa violência espiritual só é possível "pelo Espírito", especifica Paulo. O ascetismo cristão nunca é um esforço puramente humano, mas uma cooperação com o poder divino que opera em nós.

O ponto de virada decisivo da passagem ocorre com a afirmação da filiação: "Vocês não receberam um espírito de escravidão". Aqui, Paulo identifica o cerne do problema humano: o medo. A humanidade naturalmente vive com medo diante de Deus, medo do julgamento, do castigo, do abandono. Esse medo gera a escravidão interior, a servidão psicológica que paralisa a existência.

O Espírito recebido produz o efeito oposto: gera liberdade filial. Essa liberdade não consiste em fazer o que se quer, mas em viver em confiança, sem o terror que caracteriza o escravo. A criança às vezes comete erros, até desobedece, mas sabe que continua sendo criança, que sua identidade não depende de seu desempenho.

O grito "Abba! Pai!" é o ápice dessa transformação. Paulo usa o verbo "crazo", que evoca um grito poderoso e espontâneo vindo das profundezas. Não é uma recitação educada, mas uma expressão profunda de reconhecimento interior. O próprio Espírito profere esse grito através de nós, testificando ao nosso próprio espírito que nos tornamos filhos de Deus.

Essa atestação interior merece atenção. Paulo não está falando de conhecimento teórico ou de uma doutrina intelectualmente aceita. O Espírito atesta, isto é, produz uma certeza existencial, uma convicção profunda que transforma nossa percepção de nós mesmos e de Deus. Essa certeza não é orgulhosa, mas pacífica; ela nos liberta da ansiedade espiritual.

“Vocês receberam um Espírito que os tornou filhos, e nele clamamos: ‘Abba!’, isto é, ‘Pai!’” (Rm 8,12-17)

A liberdade dada pelo Espírito: indo além da lógica da performance

A primeira dimensão que devemos explorar diz respeito à própria natureza dessa liberdade espiritual anunciada por Paulo. Com muita frequência, reduzimos a vida cristã a uma lista de mandamentos a observar, práticas a praticar e pecados a evitar. Essa abordagem, embora contenha alguma verdade, ignora a mensagem paulina essencial.

Viver "segundo a carne", no vocabulário de Paulo, significa organizar a própria existência em torno dos próprios recursos, das próprias capacidades naturais, da própria vontade. Essa lógica, paradoxalmente, leva ao fracasso e à morte, não porque o esforço humano seja inerentemente ruim, mas porque não consegue alcançar a transformação interior que só Deus pode realizar. O homem, entregue à própria sorte, anda em círculos, repete os mesmos padrões e permanece prisioneiro de suas limitações.

O Espírito introduz uma dinâmica radicalmente diferente. Ele não se limita a auxiliar nossos esforços ou fortalecer nossa vontade. Ele produz em nós o que não podemos produzir sozinhos: a vida divina, a semelhança com Cristo, a capacidade de amar como Deus ama. Essa ação do Espírito não nos isenta de responsabilidade, mas a coloca em um contexto diferente: cooperamos com uma graça que nos precede e nos acompanha.

A metáfora de matar as ações do homem pecador revela um aspecto frequentemente negligenciado da espiritualidade cristã. Não é uma guerra contra nós mesmos que leva ao ódio à nossa humanidade. O inimigo não são nossos corpos, nossas emoções ou nossos desejos, mas a dinâmica distorcida pelo pecado: o orgulho que nos isola, o egoísmo que nos volta para dentro, a inveja que nos envenena, o medo que nos paralisa.

Essa matança é realizada "pelo Espírito", especifica Paulo. Não estamos abandonados à nossa própria força nessa luta. O Espírito atua como uma força transformadora que modifica gradualmente nossos desejos mais profundos, renova nossas motivações e purifica nossas intenções. Essa ação divina respeita nosso ritmo e nossos limites; não nos violenta, mas nos liberta aos poucos.

A liberdade filial é fundamentalmente diferente da licença. Não é uma permissão para fazer o que se deseja, mas a capacidade redescoberta de escolher o bem por amor e não por constrangimento. A criança obedece de forma diferente do escravo: não por medo de punição, mas por confiança na sabedoria do pai, por um desejo de se assemelhar a ele, por gratidão por seu amor.

Essa liberdade é vivenciada concretamente na vida moral cotidiana. Diante da tentação, o cristão animado pelo Espírito não resiste simplesmente por vontade própria. Ele descobre um desejo mais profundo, o da comunhão com Deus, que coloca em perspectiva a atração do pecado. A luta espiritual torna-se menos uma batalha feroz contra si mesmo do que uma orientação progressiva em direção a um bem maior que atrai e liberta.

Intimidade restaurada com Deus: redescobrindo a oração filial

A segunda dimensão essencial do nosso texto diz respeito à relação com Deus em si. A transição da escravidão para a filiação muda radicalmente a nossa maneira de orar, de considerar Deus e de viver a nossa fé no dia a dia.

O espírito de escravidão que Paulo evoca produz uma religião de medo. Deus se torna um juiz severo, um supervisor implacável, um contador que registra cada falha. Essa imagem de Deus, embora contenha alguma verdade sobre a justiça divina, distorce a revelação cristã. Ela engendra uma espiritualidade ansiosa, obcecada pela perfeição, incapaz de paz interior.

O medo religioso paralisa a oração. O escravo se aproxima de seu senhor com tremor, calcula suas palavras, aguarda o veredito. Sua oração se torna formal, recitativa, distante. Ele recita fórmulas aprendidas, realiza ritos prescritos, mas não encontra verdadeiramente Deus. O coração permanece fechado, protegido por observâncias externas.

O Espírito de adoção transforma essa dinâmica. Ele produz em nós a capacidade de dizer "Abba", a palavra que só Jesus pronunciou com tanta simplicidade e confiança. Não nos apropriamos de um título que nos é estranho, mas o Espírito nos faz participar do próprio relacionamento que o Filho tem com o Pai. É Ele quem clama em nós, por nós, através de nós.

Esta oração filial é caracterizada pela espontaneidade. O grito "Abba" não é uma fórmula litúrgica habilmente composta, mas a expressão imediata de uma gratidão interior. Brota do coração, sem cálculos, sem preparação elaborada. A criança não pensa muito antes de chamar o pai; ela o faz naturalmente, tanto na necessidade quanto na alegria.

Intimidade com Deus não significa desrespeito ou familiaridade descabida. A palavra "Abba" na língua aramaica combinava ternura e respeito. A criança honra seu pai precisamente porque o conhece e o ama. Esse conhecimento pessoal estabelece uma reverência genuína, bem diferente do medo servil.

A oração cristã torna-se um diálogo vivo. Não falamos mais com um Deus distante que talvez nos ouça, mas com o Pai que nos escuta atentamente, que se importa conosco, que intervém em nossa existência. Essa certeza transforma nossa maneira de orar: ousamos pedir, aceitamos reclamar, compartilhamos nossas alegrias, apresentamos nossas necessidades reais e não pedidos piedosos e artificiais.

O testemunho interior mencionado por Paulo torna-se uma experiência espiritual concreta. Na oração filial, às vezes percebemos a presença do Espírito testemunhando ao nosso espírito. Não é necessariamente uma experiência extraordinária ou mística, mas uma paz profunda, uma certeza suave, uma confiança que se instala apesar das circunstâncias difíceis. Sabemos que somos ouvidos, que não estamos sozinhos, que o Pai zela por seus filhos.

“Vocês receberam um Espírito que os tornou filhos, e nele clamamos: ‘Abba!’, isto é, ‘Pai!’” (Rm 8,12-17)

A Herança Prometida: Vivendo Já na Perspectiva da Glória

A terceira dimensão do nosso texto abre-se para o futuro e dá à nossa existência presente a sua direção última. Paulo não se limita a afirmar a nossa filiação presente, mas extrai as suas consequências escatológicas: somos herdeiros, chamados a partilhar a glória de Cristo.

O vocabulário da palavra herança tinha um significado concreto no mundo romano. O herdeiro recebia não apenas os bens materiais do falecido, mas também seu nome, sua posição social, seu lugar na sociedade. Paulo transpõe essa realidade jurídica para o plano espiritual: herdamos o próprio Deus, sua natureza, sua vida, sua glória.

Essa perspectiva de herança transforma nossa compreensão da existência cristã. Não vivemos simplesmente para melhorar o presente ou guardar os mandamentos, mas para nos prepararmos para receber uma plenitude que ultrapassa toda imaginação. Essa esperança não é uma fuga do mundo real, mas uma força que dá sentido e coragem diante das dificuldades atuais.

Paulo, no entanto, introduz uma condição que pode ser surpreendente: "se, de fato, com ele padecemos". Esse esclarecimento não questiona a gratuidade da adoção, mas enfatiza que a conformação a Cristo passa necessariamente pela cruz antes da ressurreição. O herdeiro compartilha o destino daquele que herda: se Cristo sofreu, nós também sofreremos.

Este sofrimento "com Cristo" não se refere a qualquer dificuldade da existência. Paulo fala de uma partilha voluntária do destino de Cristo, de uma aceitação das provações ligadas ao testemunho cristão, de uma solidariedade com o Crucificado na nossa própria carne. Esta perspectiva dá sentido aos inevitáveis sofrimentos da vida e transforma a nossa maneira de os vivenciar.

A esperança da glória não nos projeta para um futuro distante e abstrato. Ela influencia o nosso presente, colocando as dificuldades atuais em perspectiva. Como Paulo escreverá imediatamente após a nossa passagem, os sofrimentos deste tempo presente não são nada comparados à glória que será revelada. Essa comparação não minimiza a realidade do sofrimento, mas o coloca em uma perspectiva mais ampla.

A glorificação prometida diz respeito a todo o nosso ser. Paulo não está falando de uma sobrevivência desencarnada da alma, mas de uma transformação completa da nossa pessoa, incluindo o corpo. A ressurreição de Cristo prefigura a nossa própria ressurreição. Somos chamados a compartilhar não apenas a sua vida espiritual, mas também a sua glória corporal, num mundo renovado.

Essa esperança impulsiona nossa vida moral e espiritual. Não nos resignamos à mediocridade presente, mas nos exercitamos agora para viver como filhos de Deus, para manifestar as primícias da glória futura. As virtudes cristãs tornam-se o aprendizado de uma existência gloriosa, a preparação para uma vida plenamente reconciliada com Deus e com a criação.

Tradição: como a Igreja meditou sobre este texto

Esta passagem da Epístola aos Romanos influenciou profundamente a espiritualidade cristã ao longo dos séculos. Os Padres da Igreja reconheceram nela um dos fundamentos de sua teologia da divinização, a doutrina segundo a qual o homem é chamado a participar da natureza divina.

Santo Agostinho, em seus comentários à Epístola aos Romanos, enfatiza o papel do Espírito em nos fazer clamar "Abba". Ele enfatiza que essa oração não provém de nossas próprias forças, mas da graça divina que opera em nós. Agostinho vê nesse clamor filial a prova de nossa transformação interior: não pretendemos ser filhos de Deus, somos verdadeiramente pela ação do Espírito.

Santo Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica, desenvolve a noção de adoção divina, baseando-se fortemente neste texto paulino. Ele explica que a adoção humana não muda a natureza da criança adotada, enquanto a adoção divina nos transforma verdadeiramente, tornando-nos participantes da natureza divina. Essa distinção nos ajuda a compreender a natureza radical da filiação cristã: não somos simplesmente declarados filhos, mas de fato nos tornamos filhos.

A espiritualidade beneditina valorizou particularmente a oração "Abba", considerando-a a expressão mais pura da humildade filial. Na Regra de São Bento, a oração do monge deve ser breve e pura, brotando do coração em vez de multiplicar palavras. O grito "Abba" encarna perfeitamente esse ideal de oração simples e confiante.

A liturgia da Igreja integrou este tema da filiação em vários momentos-chave. A oração do Pai Nosso, antes da Comunhão, é precedida por uma introdução que repete explicitamente esta passagem: "Como aprendemos do Salvador e segundo o seu mandamento, ousamos dizer: Pai Nosso...". Este verbo "ousar" nos lembra que só podemos chamar Deus de "Pai" pela graça da adoção.

Os místicos cristãos encontraram neste texto a confirmação de suas experiências espirituais mais profundas. Teresa de Ávila descreve como, na oração profunda, a alma se sente verdadeiramente filha de Deus, com uma certeza que ultrapassa todo raciocínio intelectual. João da Cruz evoca essa ação do Espírito que ora em nós e nos faz participar da vida trinitária.

A teologia contemporânea continua a explorar as riquezas desta passagem. A reflexão sobre a Trindade econômica, aquela revelada na história da salvação, baseia-se nesta ação do Espírito que nos faz clamar "Abba". Entramos, assim, no mistério das relações trinitárias, não por meio de especulações abstratas, mas por meio da experiência espiritual concreta.

“Vocês receberam um Espírito que os tornou filhos, e nele clamamos: ‘Abba!’, isto é, ‘Pai!’” (Rm 8,12-17)

Meditação: viver a filiação no dia a dia

Para incorporar em nossas vidas cotidianas essa realidade da filiação divina, aqui está um caminho progressivo em sete etapas, cada uma iluminando uma dimensão prática de nosso relacionamento filial com Deus.

Comece o dia como um filho de DeusAssim que acordarmos, antes de verificarmos nossas mensagens ou planejarmos nossas atividades, reservemos um momento para nos lembrarmos de nossa verdadeira identidade. Simplesmente sussurremos "Abba, Pai" e deixemos que essa palavra penetre em nós. Essa prática imediatamente redireciona nossa consciência para o que mais importa: somos amados antes de agirmos.

Orando com espontaneidadeAo longo do dia, ousemos falar com Deus como a um pai, sem fórmulas complicadas. Compartilhemos com Ele nossas verdadeiras preocupações, nossas alegrias simples, nossas perguntas, nossas necessidades. Essa oração espontânea desenvolve a intimidade e desfaz os bloqueios da oração formal.

Discernindo os Movimentos do EspíritoAprendamos a reconhecer as inspirações interiores que nos guiam para o bem, a paz e a caridade. O Espírito nos guia gradualmente se prestarmos atenção a esses movimentos discretos. Um diário espiritual pode nos ajudar a identificar essas ações divinas em nossa vida diária.

Aceitando correções paternasUm pai amoroso educa seus filhos. Em vez de nos rebelarmos contra as dificuldades ou os fracassos, busquemos o que Deus quer nos ensinar. Essa atitude transforma as provações em oportunidades de crescimento espiritual.

Cultivando a confiança em tempos difíceisQuando a ansiedade aumenta ou as circunstâncias nos sobrecarregam, repitamos para nós mesmos: "Abba, Pai, tu cuidas de mim". Esta simples oração combate o medo e restaura a paz interior. Ela redireciona nosso foco dos problemas para o cuidado de Deus.

Vivendo como herdeiro do ReinoNossas escolhas diárias, mesmo as menores, preparam nossa entrada na glória. Escolher a generosidade em vez do egoísmo, a verdade em vez da mentira, o serviço em vez da dominação: essas decisões gradualmente nos configuram para Cristo e nos preparam para a herança prometida.

Medite regularmente sobre nossa dignidade filialReservemos um tempo semanal para meditar sobre o texto de Paulo. Deixemos que as palavras "vocês são filhos de Deus, herdeiros com Cristo" ressoem em nós. Essa contemplação transforma gradualmente a imagem que temos de nós mesmos e o nosso relacionamento com Deus.

Conclusão: a audácia da filiação

A passagem da Epístola aos Romanos que exploramos revela uma revolução espiritual cujas consequências talvez ainda não possamos compreender plenamente. Paulo não está simplesmente propondo um ajuste em nossa vida religiosa, mas uma transformação completa de nossa identidade. Não somos mais escravos ansiosos buscando apaziguar um senhor caprichoso, mas filhos confiantes acolhidos por um Pai amoroso.

Esta filiação divina não é uma metáfora piedosa ou um consolo sentimental. Ela constitui a realidade mais profunda da nossa existência cristã. O próprio Espírito Santo habita em nós e testemunha ao nosso espírito que pertencemos à família de Deus. Esta certeza interior, quando vivida autenticamente, transforma a maneira como oramos, lutamos contra o pecado, enfrentamos as provações e esperamos a glória futura.

O caminho proposto por Paulo, contudo, exige o nosso consentimento ativo. O Espírito não nos transforma contra nossa vontade, como por mágica. Ele espera a nossa cooperação, a nossa docilidade, a nossa abertura à sua ação. Matar as ações do homem pecador "pelo Espírito" significa colaborar com a graça divina, acolher a sua obra purificadora, aceitar os desafios que ela implica.

O convite é radical: ousemos viver como filhos de Deus, não apenas em nossos momentos de oração, mas em todas as dimensões de nossa existência. Essa audácia filial transformará nossas relações humanas, nossos compromissos profissionais, nossas escolhas éticas, nossa maneira de habitar o mundo. Nos tornaremos testemunhas vivas da ternura paterna de Deus, demonstrando, por meio de nossa alegre liberdade, que o Evangelho não é um fardo, mas uma libertação.

A herança prometida nos aguarda. A glória que compartilharemos com Cristo supera tudo o que possamos imaginar. Mas essa esperança não é desculpa para fugir do presente. Pelo contrário, ela nos engaja no hoje de Deus, nos impele a viver agora como herdeiros do Reino, a manifestar em nossas vidas concretas as primícias da criação renovada.

Que o grito “Abba, Pai!” se torne o sopro da nossa alma, a expressão espontânea do nosso coração transformado pelo Espírito. É nessa simplicidade filial que se revela a verdadeira sabedoria cristã, aquela que nos configura a Cristo e nos prepara para a comunhão eterna com Deus.

Prático

Oração da manhã : Comece cada dia sussurrando “Abba, Pai” antes de qualquer outra atividade, para ancorar sua identidade na filiação divina.

Exame filial de consciência :Todas as noites, pergunte a si mesmo se você viveu como um filho de Deus ou como um escravo do medo e das restrições.

Prática de confiança :Em momentos de ansiedade, repita para si mesmo: “Meu Pai cuida de mim”, para combater o espírito de medo servil.

Leitura meditativa : Releia Romanos 8 a cada semana, anotando em um caderno os movimentos internos despertados por esse texto.

Oração espontânea : Fale com Deus ao longo do dia com a simplicidade de uma criança falando com seu pai, sem fórmulas complicadas.

Discernimento diário :Identifique uma inspiração do Espírito recebida durante o dia e observe como você respondeu ou resistiu a ela.

Orientação de Legado :Toda decisão moral importante, por menor que seja, deve ser considerada uma preparação para sua entrada na glória prometida.


Referências

Epístola de São Paulo aos Romanos, capítulo 8, versículos 12-17, texto-fonte principal desta meditação sobre a filiação divina e a ação do Espírito Santo.

Santo Agostinho, Comentários sobre a Epístola aos Romanos, análise patrística da graça divina e da adoção filial no pensamento paulino.

São Tomás de Aquino, Suma Teológica, IIa-IIae, questão 45 sobre os dons do Espírito Santo e a natureza da adoção divina que verdadeiramente transforma o crente.

Teresa de Ávila, O Castelo Interior, uma exploração mística da intimidade com Deus e da experiência da filiação divina em oração profunda.

João da Cruz, A Ascensão do Carmelo, reflexão sobre a união com Deus e a ação do Espírito que nos faz participar da vida trinitária.

Catecismo da Igreja Católica, parágrafos 1996-2005 sobre a justificação e 2777-2785 sobre a oração do Pai Nosso como expressão de confiança filial.

Romano Guardini, O Senhor, meditações sobre a oração de Jesus e o significado da palavra “Abba” na revelação cristã.

Hans Urs von Balthasar, A Teologia da História, desenvolvimento teológico sobre adoção filial e participação na vida trinitária por meio do Espírito Santo.

Via Equipe Bíblica
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