Carta Apostólica “In unitate Fidei”

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Em 23 de novembro, Papa Leão XIV Anunciou a publicação de uma Carta Apostólica intitulada "In unitate Fidei", dedicada à comemoração do Concílio de Niceia. Este documento faz parte dos preparativos para a sua viagem a Turquia e em Líbano, Está previsto que o Concílio de Paris ocorra de 27 de novembro a 3 de dezembro, onde ele participará de uma celebração ecumênica em comemoração a este Concílio. Aqui está a tradução oficial em francês.

Exortação Apostólica Em unitate fidei Declaração do Papa Leão XIV sobre a comemoração do Concílio de Niceia

1. Na unidade da fé, proclamada desde as origens da Igreja, cristãos Somos chamados a caminhar juntos, preservando e transmitindo com amor e alegria o dom recebido. Isso se expressa nas palavras do Credo: «Cremos em Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, que desceu dos céus para nossa salvação», formulado pelo Concílio de Niceia, o primeiro evento ecumênico da história do Reino. cristandade, 1700 anos atrás. 

Enquanto me preparo para iniciar minha jornada apostólica em Turquia, Por meio desta Carta, desejo encorajar em toda a Igreja um renovado zelo na profissão de fé, cuja verdade, durante séculos, constituiu o patrimônio comum dos cristãos e merece ser confessada e explorada de maneiras sempre novas e relevantes. A este respeito, foi aprovado um valioso documento da Comissão Teológica Internacional: Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador. O 1700º aniversário do Concílio Ecumênico de Niceia.. Faço referência a ele porque oferece perspectivas úteis para aprofundar a importância e a relevância não apenas teológica e eclesial, mas também cultural e social do Concílio de Niceia. 

2. «O princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.» Assim intitula São Marcos o seu Evangelho, resumindo toda a sua mensagem sob o signo da filiação divina de Jesus Cristo. Da mesma forma, o apóstolo Paulo sabe que é chamado a proclamar o Evangelho de Deus sobre o seu Filho que morreu e ressuscitou por nós (cf. Quarto 1, 9), que é o “sim” definitivo de Deus às promessas dos profetas (cf. 2 Co 1, 19-20). Em Jesus Cristo, o Verbo que era Deus antes do tempo e por meio de quem todas as coisas foram feitas – como diz o prólogo do Evangelho de São João – «se fez carne e habitou entre nós» (John 1, 14). Nele, Deus se tornou nosso próximo, de modo que tudo o que fizermos a cada um de nossos irmãos, a Ele o fazemos (cf. Monte 25, 40). 

É, portanto, uma providencial coincidência que, neste Ano Santo dedicado à nossa esperança em Cristo, celebremos também o 1700º aniversário do Primeiro Concílio Ecumênico de Niceia, que em 325 proclamou a profissão de fé em Jesus Cristo, Filho de Deus. Este é o coração da fé cristã. Hoje, na celebração eucarística dominical, ainda pronunciamos o Credo Niceno-Constantinopolitano, a profissão de fé que une todos os cristãos. cristãos. Isso nos dá esperança nos tempos difíceis que estamos vivendo, em meio a inúmeros medos e preocupações, ameaças de guerra e violência, desastres naturais, graves injustiças e desequilíbrios. fome e a miséria sofrida por milhões de nossos irmãos e irmãs. 

3. Os tempos do Concílio de Niceia não foram menos conturbados. Quando foi reaberto em 325, as feridas das perseguições contra cristãos ainda estavam vivos. O Édito de Milão (313), promulgado pelos imperadores Constantino e Licínio, anunciou o início de uma nova era de paz. No entanto, disputas e conflitos surgiram rapidamente dentro da Igreja em decorrência de ameaças externas. 

Ário, um sacerdote de Alexandria, no Egito, ensinava que Jesus não era verdadeiramente o Filho de Deus, embora não fosse meramente uma criatura; ele era um ser intermediário entre o Deus inacessível e nós. Além disso, supostamente houve um tempo em que o Filho "não existia". Isso estava de acordo com a mentalidade predominante da época e, portanto, parecia plausível. 

Mas Deus não abandona a sua Igreja; Ele sempre levanta homens e mulheres corajosos, testemunhas da fé e pastores que guiam o seu povo e lhe mostram o caminho do Evangelho. O bispo Alexandre de Alexandria percebeu que os ensinamentos de Ário não estavam de acordo com as Sagradas Escrituras. Como Ário não era conciliador, Alexandre convocou os bispos do Egito e da Líbia para um sínodo que condenou os ensinamentos de Ário; em seguida, enviou uma carta aos outros bispos do Oriente, informando-os detalhadamente. No Ocidente, o bispo Ósio de Córdoba, Espanha, que já havia se provado um fervoroso confessor da fé durante a perseguição sob o imperador Maximiano e gozava da confiança do bispo de Roma, o Papa Silvestre, mobilizou-se. 

Mas os partidários de Ário também se uniram a ele. Isso levou a uma das maiores crises da história da Igreja no primeiro milênio. A razão da disputa não era, na verdade, um detalhe menor. Dizia respeito ao próprio cerne da fé cristã, ou seja, à resposta à pergunta crucial que Jesus havia feito aos seus discípulos em Cesareia de Filipe: "Mas vocês, quem dizem que eu sou?"Monte 16, 15). 

4. À medida que a controvérsia se intensificava, o Imperador Constantino percebeu que a unidade do Império estava ameaçada, assim como a unidade da Igreja. Por isso, convocou todos os bispos para um concílio ecumênico, ou seja, universal, em Niceia, com o objetivo de restaurar a unidade. O sínodo, conhecido como o “Sínodo dos 318 Padres”, foi presidido pelo imperador. O número de bispos reunidos era sem precedentes. Alguns deles ainda carregavam as marcas das torturas que haviam sofrido durante a perseguição. A grande maioria era do Oriente, enquanto apenas cinco pareciam ser do Ocidente. Papa Silvestre confidenciou tudo ao influente bispo Ósio de Córdoba, que enviou dois sacerdotes romanos. 

5. Os Padres do Concílio testemunharam a sua fidelidade à Sagrada Escritura e à Tradição Apostólica, professada no batismo segundo o mandamento de Jesus: «Ide, portanto, e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo» (Monte 28, 19). No Ocidente, existiam várias fórmulas, entre elas o Credo dos Apóstolos.[1] No Oriente também havia muitas profissões de batismo, semelhantes em suas estruturas. Estas não eram línguas eruditas e complicadas, mas sim – como será dito mais adiante – uma linguagem simples, compreensível para os pescadores do Mar da Galileia. 

Com base nisso, o Credo Niceno começou professando: «Cremos em apenas um Deus, Pai Todo-Poderoso, criador de todos os seres visíveis e invisíveis.[2] Os Padres Conciliares expressaram, assim, sua fé no único Deus. No Concílio, não houve controvérsia sobre esse ponto. Contudo, um segundo artigo foi discutido, o qual também utilizava linguagem bíblica para professar a fé em "« apenas um »Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus.“ O debate surgiu da necessidade de abordar a questão levantada por Ário a respeito da compreensão da expressão ”Filho de Deus“ e como ela poderia ser conciliada com o monoteísmo bíblico. O Concílio foi, portanto, chamado a definir o significado correto da fé em Jesus como ”o Filho de Deus”. 

Os Padres confessaram que Jesus é o Filho de Deus na medida em que ele é "« da substância (ousia) do Pai […] gerado, não criado, da mesma substância (homoousios) do que o Pai.» Esta definição rejeitou radicalmente a tese de Ário.[3] Para expressar a verdade da fé, o Concílio usou duas palavras: «substância» (ousia) e "da mesma substância" (homoousios), que não se encontram nas Escrituras. Ao fazê-lo, ele não pretendia substituir as afirmações bíblicas pela filosofia grega. Pelo contrário, o Concílio usou esses termos para afirmar claramente a fé bíblica, distinguindo-a do erro helenizante de Ário. A acusação de helenização, portanto, não se aplica aos Padres de Niceia, mas à falsa doutrina de Ário e seus seguidores. 

Em um aspecto positivo, os Padres de Niceia procuraram permanecer firmemente fiéis ao monoteísmo bíblico e à realidade da Encarnação. Eles queriam reafirmar que o único Deus verdadeiro não está distante de nós, inacessível, mas, ao contrário, que se aproximou de nós e veio ao nosso encontro em Jesus Cristo. 

6. Para expressar a sua mensagem na linguagem simples da Bíblia e na liturgia familiar a todo o povo de Deus, o Concílio retoma certas formulações da profissão batismal: «Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro». O Concílio retoma então a metáfora bíblica da luz: «Deus é luz» (1 João 1, 5; cf. John 1, 4-5). Assim como a luz que resplandece e se comunica sem enfraquecer, assim o Filho é o reflexo (apaugasma) da glória de Deus e da imagem (personagem) de seu ser (ipostasi) (cf. Ei 1, 3 ; 2 Co 4, 4). O Filho encarnado, Jesus, é, portanto, a luz do mundo e da vida (cf. John 8, 12). Pelo batismo, os olhos do nosso coração são iluminados (cf. Ep 1, 18), para que também nós sejamos luz no mundo (cf. Monte 5, 14). 

Finalmente, o Credo afirma que o Filho é "Deus verdadeiro, nascido de Deus verdadeiro". Em diversas passagens, a Bíblia distingue ídolos mortos do Deus verdadeiro e vivo. O Deus verdadeiro é o Deus que fala e age na história da salvação: o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, que se revelou a Moisés na sarça ardente (cf. Ex 3, 14), o Deus que vê a miséria do povo, ouve o seu clamor, guia-os e acompanha-os pelo deserto com a coluna de fogo (cf. Ex 13, 21), fala com ele em voz trovejante (cf. Dt 5, 26) e tem compaixão dele (cf. Osso 11, 8-9). O cristão é, portanto, chamado a converter-se dos ídolos mortos para o Deus vivo e verdadeiro (cf. Ac 12, 25 ; 1º 1, 9). Foi nesse sentido que Simão Pedro confessou em Cesareia de Filipe: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Monte 16, 16). 

7. O Credo Niceno não formula uma teoria filosófica. Ele professa a fé em Deus que nos redimiu por meio de Jesus Cristo. Este é o Deus vivo: Ele quer que tenhamos vida e que a tenhamos em abundância (cf. John 10, 10). É por isso que o Credo continua com as palavras da profissão batismal: o Filho de Deus, que «por nós homens e para nossa salvação desceu, se encarnou e se fez homem, morreu, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus e há de vir a julgar os vivos e os mortos». Isto demonstra claramente que as afirmações cristológicas do Concílio fazem parte da história da salvação entre Deus e as suas criaturas. 

Santo Atanásio, que participou do Concílio como diácono do Bispo Alexandre e o sucedeu como Bispo de Alexandria, no Egito, enfatizou repetida e veementemente a dimensão soteriológica expressa pelo Credo Niceno. Ele escreveu, de fato, que o Filho, descendo do céu, «nos fez filhos do Pai e, tornando-se homem, divinizou os homens. Ele não se tornou Deus a partir do homem que era, mas, a partir do Deus que era, tornou-se homem para nos divinizar».[4] Isso só é possível se o Filho for verdadeiramente Deus: nenhum ser mortal pode, de fato, vencer a morte e nos salvar; somente Deus pode fazer isso. Foi Ele quem nos libertou em seu Filho feito homem para que pudéssemos ser livres (cf. Ga 5, 1). 

É importante enfatizar, no Credo Niceno, o verbo desceu, «Ele desceu.» São Paulo descreve esse movimento com fortes expressões: «[Cristo] esvaziou-se a si mesmo, assumindo a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens» (Phil 2, 7). Como escreve o prólogo do Evangelho de São João, "o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (John 1, 14). É por isso que ensina o Carta aos Hebreus, «Não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, foi tentado em todas as coisas, mas sem pecado» (Ei 4, 15). No dia anterior à sua morte, ele se humilhou como um escravo para lavar os pés de seus discípulos (cf. John 13, 1-17). E foi somente quando pôde colocar os dedos na ferida no lado do Senhor ressuscitado que o apóstolo Tomé confessou: «Meu Senhor e meu Deus!» (John 20, 28). 

É precisamente em virtude de sua encarnação que encontramos o Senhor em nossos irmãos e irmãs necessitados: "Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes" (Monte 25, 40). O Credo Niceno, portanto, não nos fala de um Deus distante, inacessível e imóvel que repousa em si mesmo, mas de um Deus próximo de nós, que nos acompanha em nossa jornada pelos caminhos do mundo e nos lugares mais obscuros da Terra. Sua imensidão se manifesta no fato de que Ele se faz pequeno, de que se despoja de sua infinita majestade para se tornar nosso próximo no pequeno e os pobres. Esse fato revolucionou as concepções pagãs e filosóficas de Deus. 

Outra passagem do Credo Niceno é particularmente reveladora para nós hoje. A afirmação bíblica "ele se fez carne" é esclarecida pela adição da palavra "homem" após a palavra "encarnado". Niceia, portanto, distancia-se da falsa doutrina de que Logotipos Ele teria aceitado apenas o corpo como invólucro, mas não a alma humana dotada de inteligência e livre-arbítrio. Pelo contrário, ele quer afirmar o que o Concílio de Calcedônia (451) declararia explicitamente: em Cristo, Deus assumiu e redimiu o ser humano por completo, com corpo e alma. O Filho de Deus se fez homem – explica Santo Atanásio – para que nós, seres humanos, pudéssemos ser divinizados.[5] Essa compreensão luminosa da Revelação divina foi preparada por Santo Irineu de Lyon e Orígenes, e posteriormente desenvolvida com grande riqueza na espiritualidade oriental. 

A divinização não tem nada a ver com a autodeificação do homem. Pelo contrário, a divinização nos protege da tentação primordial de querer ser como Deus (cf. Gn 3, 5). O que Cristo é por natureza, nós nos tornamos pela graça. Através da obra da redenção, Deus não apenas restaurou nossa dignidade humana como imagem de Deus, mas Aquele que nos criou de maneira maravilhosa nos fez participantes, de maneira ainda mais admirável, de sua natureza divina (cf. 2 P 1, 4). 

A divinização é, portanto, a verdadeira humanização. É por isso que a existência humana almeja algo além de si mesma, busca algo além de si mesma, deseja algo além de si mesma e permanece inquieta até encontrar repouso em Deus.[6] Deus enim solus satiat, Só Deus satisfaz o homem![7] Somente Deus, em sua infinitude, pode satisfazer o desejo infinito do coração humano; por isso o Filho de Deus quis se tornar nosso irmão e nosso redentor. 

8. Já dissemos que Niceia rejeitou claramente os ensinamentos de Ário. Mas Ário e seus seguidores não admitiram a derrota. O próprio imperador Constantino e seus sucessores se alinharam cada vez mais com os arianos. O termo homoousios O assunto tornou-se um pomo da discórdia entre as facções nicenas e anti-nicenas, desencadeando assim outros conflitos graves. São Basílio de Cesareia descreveu a confusão resultante com imagens eloquentes, comparando-a a uma batalha naval noturna em meio a uma violenta tempestade.,[8] Enquanto Santo Hilário testemunha a ortodoxia dos leigos em relação ao arianismo de muitos bispos, reconhecendo que "os ouvidos do povo são mais santos do que os corações dos sacerdotes".[9] 

A rocha do Credo Niceno foi Santo Atanásio, irreprimível e firme na fé. Embora tenha sido deposto e expulso da sé episcopal de Alexandria cinco vezes, retornou a cada vez como bispo. Mesmo no exílio, continuou a guiar o povo de Deus por meio de seus escritos e cartas. Como Moisés, Atanásio não pôde entrar na terra prometida. paz eclesial. Essa graça seria reservada para uma nova geração, conhecida como a "Juventude Nicena": no Oriente, os três Padres Capadócios, São Basílio de Cesareia (c. 330-379), apelidado de "o Grande", seu irmão São Gregório de Nissa (335-394) e o amigo mais próximo de Basílio, São Gregório de Nazianzo (329/30-390). No Ocidente, Santo Hilário de Poitiers (c. 315-367) e seu discípulo São Martinho de Tours (c. 316-397) desempenharam um papel importante. Acima de tudo, Santo Ambrósio de Milão (333-397) e Santo Agostinho de Hipona (354-430). 

Os três Padres Capadócios, em particular, merecem crédito por completarem a formulação do Credo Niceno, demonstrando que a Unidade e a Trindade em Deus não são de modo algum contraditórias. Foi nesse contexto que o artigo de fé concernente ao Espírito Santo foi formulado no Primeiro Concílio de Constantinopla, em 381. Assim, o Credo, que desde então tem sido chamado de Credo Niceno-Constantinopolitano, declara: «Cremos no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai. Com o Pai e o Filho, Ele é adorado e glorificado, e falou pelos profetas.».[10] 

Desde o Concílio de Calcedônia, em 451, o Concílio de Constantinopla é reconhecido como ecumênico e o Credo Niceno-Constantinopolitano é declarado universalmente vinculativo.[11] Constitui, portanto, um elo de unidade entre o Oriente e o Ocidente. No século XVI, as comunidades eclesiais surgidas da Reforma também o preservaram. O Credo Niceno-Constantinopolitano é, assim, a profissão comum de todas as tradições cristãs. 

9. O caminho que levou da Sagrada Escritura ao Credo Niceno, depois à sua recepção por Constantinopla e Calcedônia, e até mesmo aos séculos XVI e XXI, foi longo e linear. Todos nós, discípulos de Jesus Cristo, «em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo», somos batizados, fazemos o sinal da cruz e somos abençoados. Concluímos cada vez a oração dos salmos na Liturgia das Horas com «Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo». A liturgia e a vida cristã estão, portanto, firmemente enraizadas no Credo Niceno-Constantinopolitano: o que dizemos com a boca deve vir do coração, para ser testemunhado em nossas vidas. Devemos, portanto, nos perguntar: qual é o estado da recepção interior do Credo hoje? Sentimos que ele também se aplica à nossa situação atual? Compreendemos e vivemos o que dizemos todos os domingos, e o que significa para as nossas vidas o que dizemos?

 

10. O Credo Niceno começa professando a fé em Deus Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra. Hoje, para muitos, Deus e a questão de Deus quase não têm significado na vida. O Concílio Vaticano Ele enfatizou que cristãos são, pelo menos em parte, responsáveis por esta situação, porque não dão testemunho da verdadeira fé e escondem a verdadeira face de Deus através de estilos de vida e ações muito distantes do Evangelho.[12] Guerras foram travadas, pessoas foram mortas, perseguidas e discriminadas em nome de Deus. Em vez de proclamarem um Deus misericordioso, falaram de um Deus vingativo que inspira terror e pune. 

O Credo Niceno, portanto, nos convida a um exame de consciência. O que Deus significa para mim e como testemunho minha fé nEle? O único Deus é verdadeiramente o Senhor da vida, ou existem ídolos mais importantes do que Deus e Seus mandamentos? Deus é para mim o Deus vivo, presente em todas as situações, o Pai a quem me volto com confiança filial? Ele é o Criador a quem devo tudo o que sou e tudo o que tenho, Aquele cujos vestígios encontro em cada criatura? Estou disposto a compartilhar a generosidade da terra, que pertence a todos, de forma justa e equitativa? Como trato a criação, obra de Suas mãos? Uso-a com reverência e gratidão, ou a exploro e destruo, em vez de preservá-la e cultivá-la como lar comum da humanidade?[13] 

11. No cerne do Credo Niceno-Constantinopolitano está a profissão de fé em Jesus Cristo, nosso Senhor e Deus. Este é o núcleo da nossa vida cristã. É por isso que nos comprometemos a seguir Jesus como Mestre, companheiro, irmão e amigo. Mas o Credo Niceno pede mais: lembra-nos de não esquecermos que Jesus Cristo é o Senhor (Kyrios), o Filho do Deus vivo, que "para nossa salvação desceu dos céus" e morreu "por nós" na cruz, abrindo o caminho para uma nova vida para nós através de sua ressurreição e ascensão. 

De fato, o sequela O caminho de Jesus Cristo não é um caminho largo e confortável, mas sim um caminho, muitas vezes exigente, até doloroso, que sempre conduz à vida e à salvação (cf. Monte 7, 13-14). O Atos dos Apóstolos falar sobre o novo jeito (cf. Ac 19, 9.23; 22, 4.14-15.22), que é Jesus Cristo (cf. John 14, 6): Seguir o Senhor nos conduz ao caminho da cruz, que, por meio do arrependimento, nos leva à santificação e à divinização.[14] 

Se Deus nos ama com todo o seu ser, então nós também devemos amar uns aos outros. Não podemos amar a Deus, a quem não vemos, sem também amar o irmão e a irmã que vemos (cf. 1 João 4, 20). O amor a Deus sem amor ao próximo é hipocrisia; o amor radical ao próximo, especialmente o amor aos inimigos sem amor a Deus, é um heroísmo que nos oprime e nos sufoca. Seguindo Jesus, a ascensão a Deus passa pela descida e devoção aos nossos irmãos e irmãs, especialmente aos mais humildes, aos mais pobres, aos abandonados e aos marginalizados. O que fizemos aos mais pequeninos, fizemos a Cristo (cf. Monte 25, 31-46). Diante de catástrofes, guerras e miséria, não podemos testemunhar misericórdia A misericórdia de Deus é mostrada àqueles que duvidam d'Ele somente quando a experimentam através de nós. [15] 

12. Por fim, o Concílio de Niceia permanece relevante hoje devido ao seu imenso valor ecumênico. Nesse sentido, a conquista da unidade de todos os povos é fundamental. cristãos foi um dos principais objetivos do último Conselho, Vaticano II.[16] Exatamente trinta anos atrás, São João Paulo II continuou e promoveu a mensagem conciliar na encíclica. Ut unum sint (25 de maio de 1995). Assim, com o grande aniversário do Primeiro Concílio de Niceia, celebramos também o aniversário da primeira encíclica ecumênica. Esta pode ser considerada um manifesto que atualiza os fundamentos ecumênicos lançados pelo Concílio de Niceia. 

Graças a Deus, o movimento ecumênico Alcançou muitos resultados ao longo dos últimos sessenta anos. Embora ainda não tenhamos alcançado a plena e visível unidade com as Igrejas Ortodoxas e Ortodoxas Orientais e com as comunidades eclesiais surgidas da Reforma, o diálogo ecumênico nos conduziu, com base no único batismo e no Credo Niceno. 

Constantinopla, para reconhecer nossos irmãos e irmãs em Jesus Cristo nos irmãos e irmãs de outras Igrejas e comunidades eclesiais, e para redescobrir a única e universal comunidade dos discípulos de Cristo em todo o mundo. De fato, compartilhamos a fé em um só Deus, Pai de todos, confessamos juntos o único Senhor e verdadeiro Filho de Deus, Jesus Cristo, e o único Espírito Santo, que nos inspira e nos impulsiona para a plena unidade e um testemunho comum do Evangelho. O que nos une é verdadeiramente muito maior do que o que nos divide![17] Assim, num mundo dividido e dilacerado por inúmeros conflitos, a única comunidade cristã universal pode ser um sinal de paz e um instrumento de reconciliação, contribuindo decisivamente para um compromisso global com a paz. paz. São João Paulo II nos lembrou, em particular, o testemunho de muitos. mártires cristãos Originários de todas as Igrejas e comunidades eclesiais: a sua memória une-nos e encoraja-nos a sermos testemunhas e construtores da paz no mundo. 

Para exercer este ministério de forma credível, devemos caminhar juntos para alcançar a unidade e a reconciliação entre todos. cristãos. O Credo Niceno pode ser a base e o parâmetro para esta jornada. Ele nos oferece, na verdade, um modelo de verdadeira unidade dentro da legítima diversidade. Unidade na Trindade, Trindade na Unidade, porque unidade sem multiplicidade é tirania, e multiplicidade sem unidade é desintegração. A dinâmica trinitária não é dualista, como uma... auau exclusivo, mas um link interessante, um O Espírito Santo é o elo de unidade que nos une ao Pai e ao Filho em nossa adoração. Devemos, portanto, deixar de lado as controvérsias teológicas que perderam seu propósito, a fim de alcançarmos um entendimento comum e, ainda mais importante, uma oração comum ao Espírito Santo, para que Ele nos reúna a todos em uma só fé e um só amor. 

Isso não significa um retorno ao ecumenismo pré-divisão, nem um reconhecimento mútuo do status quo Não a diversidade atual de Igrejas e comunidades eclesiais, mas sim um ecumenismo voltado para o futuro, de reconciliação através do diálogo, de partilha dos nossos dons e heranças espirituais. A restauração da unidade entre cristãos Não nos empobrece; pelo contrário, enriquece-nos. Tal como em Niceia, este objetivo só será possível através de um caminho paciente, longo e por vezes difícil de escuta e aceitação mútua. Este é um desafio teológico e, sobretudo, espiritual, que exige arrependimento e conversão de todos. É por isso que precisamos de um ecumenismo espiritual de oração, louvor e adoração, como no Credo Niceno-Constantinopolitano. 

Invoquemos, portanto, o Espírito Santo, para que Ele nos acompanhe e nos guie nesta empreitada. 

Espírito Santo de Deus, tu guias os crentes no caminho da história. 

Agradecemos por inspirar os Símbolos da Fé e por despertá-los em nossos corações. alegria Professamos nossa salvação em Jesus Cristo, Filho de Deus, consubstancial ao Pai. Sem Ele, nada podemos fazer. 

Tu, Espírito eterno de Deus, renova de geração em geração a fé da Igreja. Ajuda-nos a aprofundá-la e a retornar sempre ao essencial para proclamá-la. 

Para que o nosso testemunho no mundo não seja inerte, vem, Espírito Santo, com o teu fogo de graça, reacende a nossa fé, inflama-nos com esperança e incendeia-nos com caridade. Vem, divino Consolador, tu que és a harmonia, para unir os corações e as mentes dos fiéis. Vem e concede-nos provar a beleza da comunhão. 

Vinde, Amor do Pai e do Filho, para nos reunir no único rebanho de Cristo. Mostrai-nos os caminhos a seguir, para que, pela vossa sabedoria, possamos tornar-nos novamente o que somos em Cristo: um, para que o mundo creia. Amém. 

De Vaticano, 23 de novembro de 2025, Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.

LEÃO PP. XIV 

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[1] LH Westra, O Credo dos Apóstolos: Origem, História e Alguns Comentários Antigos, Turnhout 2002 (= Instrumenta patrística e medieval, 43). 

[2] Primeira Niceia, Exposio fidei: CC COGD 1, Turnhout 2006, 196-8[3] Santo Atanásio de Alexandria, Contra arianos, I, 9, 2 (ed. Metzler, Obras de Atanásio, I/1,2, Berlim – Nova Iorque 1998, 117-118). De acordo com as declarações de Santo Atanásio no Contra Arianos Eu, 9, está claro que homoousios Não significa "da mesma substância", mas "da mesma substância" que o Pai; portanto, não se trata de igualdade de substância, mas de identidade de substância entre o Pai e o Filho. A tradução latina de homoousios Portanto, ele fala corretamente de unius substantiae cum Patre[4] Santo Atanásio de Alexandria, Contra arianos, I, 38, 7 – 39, 1: ed. Metzler, Obras de Atanásio, I/1,2, 148-149. 

[5]Cf. Santo Atanásio de Alexandria, De incarnatione Verbi, 54, 3: SCh 199, Paris 2000, 458; id., Contra arianos, I, 39; 42; 45; II, 59ff.: ed. Metzler, Obras de Atanásio, I/1,2, 149; 152, 154-155 e 235ff. 

[6] Cf. Santo Agostinho, Confissões, I, 1: CCSL 27, Turnhout 1981, 1. 

[7] São Tomás de Aquino, Em Symbolum Apostolorum, art. 12: ed. Spiazzi, Tomás de Aquino, Opuscula theologica, II, Taurini – Romae 1954, 217. 

[8] Cf. São Basílio de Cesareia, De Spiritu Sancto, 30, 76: SCh 17bis, Paris 20022, 520-522. 

[9] Santo Hilário de Poitiers, Contra arianos seu contra Auxentium, 6: PL 10, 613. Recordando a voz dos Padres, o erudito teólogo, então cardeal e agora Santo e Doutor da Igreja. João Henrique Newman (1801-1890) estudou essa controvérsia e concluiu que o Credo Niceno foi preservado principalmente por sensus fidei do povo de Deus. Cf. Sobre consultar os fiéis em questões de doutrina (1859). 

[10] Primeiro Concílio de Constantinopla, Exposio fideiCC, Conc. Oec. Gen. Decr. 1, 5720-24. A declaração "e procede do Pai e do Filho (Filioque) » não se encontra no texto de Constantinopla; foi inserido no Credo Latino pelo Papa Bento VIII em 1014 e é tema de um diálogo ortodoxo-católico. 

[11] Calcedônia, Definição de féCC, Conc. Oec. Gen. Decr. 1, 137393-138411[12] Conc. Vat. II, Const. passado. Gaudium et spes, 19 : AAS 58 (1966), 1039. 

[13] Cf. François, Lett. enc. Laudato si'’ (24 de maio de 2015), 67; 78; 124: AAS 107 (2015), 873-874; 878; 897. [14] Cf. Id., Exortação Apostólica. Gaudete et exsultate (19 de março de 2018), 92: AAS 110 (2018), 1136. 

[15] Cf. Id., Lett. enc. Irmãos todos (3 de outubro de 2020), 67; 254: AAS 112 (2020), 992-993; 1059. 

[16] Cf. Conc. Vat. II, Decr. Unitatis redintegratio, 1: AAS 57 (1965), 90-91. 

[17] Ver S. João Paulo II, Carta enc. Ut unum sint (25 de maio de 1995), 20: AAS 87 (1995), 933. 

Via Equipe Bíblica
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