Capítulo 27
27, 1-2. Paralelo. Marcos 15, 1; Lucas 23, 1; João 18, 29.
Mt27.1 Logo pela manhã, todos os principais sacerdotes e os anciãos do povo reuniram-se em conselho contra Jesus para o condenarem à morte. – Desde a manhã. A narrativa fora interrompida pela inserção da negação de São Pedro: a história retoma o fio condutor que fora momentaneamente rompido. Assim, bem cedo pela manhã, diz São Marcos, os membros do Sinédrio reuniram-se novamente "contra Jesus". A sessão noturna havia se estendido até tarde, e, no entanto, ao raiar do dia, já estavam de pé para concluir sua obra de vingança. Eles realizaram uma reunião do conselho.. Essas palavras indicam uma nova assembleia oficial, como concorda a maioria dos comentaristas. Somente Lucas preservou os detalhes (22:66-71). Além disso, foi breve e realizada quase que inteiramente como uma formalidade. Mas foi considerada necessária para manter as aparências. De fato, era contrário à lei judaica conduzir assuntos importantes durante a noite (Sinédrio 4:1), isto é, entre os sacrifícios da tarde e da manhã. Ora, o julgamento e a condenação de Jesus ocorreram inteiramente durante esse intervalo. Essa irregularidade precisava ser corrigida, por medo de se exporem a protestos constrangedores. Para matá-lo ; cf. 26, 4-59. «Prestemos atenção. Não se trata de rever a sentença proferida no dia anterior. Jesus está condenado, irrevogavelmente condenado. Trata-se unicamente de entregá-lo à morte com formalidades e aparatos legais capazes de impor autoridade»; Lémann, Valeur de l'Assemblée, etc., p. 91. Acima de tudo, nesta segunda sessão, o objetivo é considerar os meios de executar a sentença que foi proferida anteriormente. Buscam-se as queixas que podem ser apresentadas a Pilatos, questiona-se qual a melhor maneira de formular a acusação para forçar o governador romano a condenar Jesus por sua vez.
Mt27.2 E, tendo-o amarrado, levaram-no e o entregaram ao governador Pôncio Pilatos. – E, tendo-o amarrado. Nosso Senhor esteve acorrentado desde o primeiro momento de sua prisão (cf. João 18:12); mas suas correntes ou grilhões provavelmente foram removidos durante seus vários interrogatórios. Foram recolocados para maior segurança quando ele foi levado do palácio de Caifás para o pretório. Eles o entregaram a Pôncio Pilatos.Pôncio Pilatos, aquele magistrado covarde que teve tamanha influência no desfecho fatal do julgamento de Jesus, governava a Judeia e Jerusalém desde o ano 26 em nome do imperador Tibério e sob a autoridade do procônsul da província de Jerusalém. SíriaO título que lhe é atribuído pelos nossos dois textos latinos e gregos não é totalmente preciso: a verdadeira natureza das suas funções era expressa na linguagem oficial pela palavra "procurador". Cf. Tácito, Anais 15.44: "Este nome vem de Cristo, que, sob Tibério, foi entregue à tortura pelo procurador Pôncio Pilatos." Ele foi o sexto procurador da Judeia. A sua administração durou dez anos (26-36), para grande desgosto dos judeus, a quem maltratou constantemente durante este longo período. Hostil às suas instituições e à sua religião, muitas vezes ultrapassou a sua autoridade contra eles, ao ponto de violar abertamente as liberdades que Roma lhes havia concedido após a conquista. Assim, não hesitou em trazer para Jerusalém e pendurar nas paredes do seu palácio escudos com os nomes de várias divindades pagãs; Filo, ad Caium, § 38. Noutra ocasião, confiscou o dinheiro sagrado proveniente da redenção de certos votos e usou-o para construir um aqueduto; cf. Flávio Josefo, A Guerra Judeus 2:9:4. Esses atos arbitrários e outros semelhantes (cf. Lucas 13:1; Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas 13:3:1) incitaram movimentos insurrecionais que ele impiedosamente reprimiu com sangue. Mas veremos mais adiante (nota ao versículo 26) que ele próprio acabou se tornando vítima de sua severidade temerária. – Devemos, entretanto, investigar o motivo pelo qual os membros do Sinédrio, após condenarem Nosso Senhor Jesus Cristo, o conduziram ao governador romano. A expressão usada pelo Evangelista é significativa: “Eles o entregaram” – esta é precisamente a frase que o Salvador havia usado ao profetizar esta circunstância de sua Paixão: “O Filho do Homem”, disse ele, “será entregue aos principais sacerdotes e aos escribas, que o condenarão à morte e o entregarão aos gentios” (Mateus 20:18-19 e paralelos). Jesus é levado a Pilatos para ser entregue, abandonado em suas mãos como um criminoso destinado à morte. Mas por que eles não executam a própria sentença? Nada menos que uma extrema necessidade foi necessária para levar esses orgulhosos sacerdotes e mestres a implorar a ajuda de um magistrado romano, e especialmente de um romano como Pilatos. Se eles submetem seu julgamento a ele, é porque são incapazes de executá-lo sem a intervenção romana. Eles admitem isso explicitamente no Evangelho de João: “Não nos é permitido matar ninguém” (João 18:31). De fato, sabemos pela história que, durante muitos anos, Roma privou os judeus do direito à vida e à morte, em outras palavras, o “direito da espada”. O Sinédrio havia retido o insignificante poder de proferir sentenças de morte; mas os romanos haviam reservado para si o direito de revisar a sentença e executá-la. É por isso que encontramos os conselheiros na Guarda Pretoriana. Eles vieram em massa, seguindo sua vítima, na esperança de impressionar Pilatos com seu grande número. A hora escolhida também conferia à sua abordagem um ar de urgência e extrema seriedade. O procurador geralmente residia durante a maior parte do ano em Cesareia, na Palestina, no litoral. Mas, na época das festas, ele costumava vir a Jerusalém por um período, com tropas adicionais, para melhor reprimir os tumultos que quase sempre irrompiam nessa época devido ao fanatismo judaico. O palácio de Herodes, localizado a oeste da cidade, servia de residência nessas circunstâncias. Cf. Flávio Josefo, A Guerra Judas 2:14, 8; Filo, ad Caium, 38. Não obstante, naquele ano ele deve ter se estabelecido na cidadela Antônia, a noroeste do templo, visto que é nesse local que uma antiga tradição situa as cenas da flagelação e do "Ecce Homo". Foi, portanto, para lá que Jesus foi levado. Para chegar lá, ele teve que atravessar, em meio aos insultos da multidão, uma parte considerável da cidade, estando a casa do sumo sacerdote localizada, muito provavelmente, perto do topo do Monte Sião. Cf. Ancessi, Atlas Geográfico, prancha 17.
Mt27.3 Então Judas, que o havia traído, vendo que fora condenado, arrependeu-se e devolveu as trinta moedas de prata aos principais sacerdotes e aos anciãos., – «Então», referindo-se ao momento em que o Sinédrio, após as duas sessões em que decretou oficialmente a morte de Jesus, partiu para levar sua vítima ao governador romano. Quem o traiu? : uma fórmula sinistra adicionada ao nome de Judas para estigmatizá-lo. Vendo que ele foi condenado. O traidor compreende que Jesus está condenado sem recurso e que sua morte é seriamente desejada. O que isso significa? Ele não sabia, ao traí-lo, que as coisas chegariam a esse extremo? Dom Calmet e outros exegetas pensaram assim. Mas isso parece improvável. Para explicar o tipo de estupefação que então se apodera de Judas, é melhor recorrer à psicologia. Muitas vezes acontece que grandes criminosos só compreendem plenamente a enormidade de seus crimes depois de os terem cometido; Tácito já afirmava isso em Anais 14.10: "Foi quando Nero cometeu o crime que compreendeu sua magnitude". É nesse sentido que Judas se enche de horror diante da condenação de Jesus, embora a tivesse previsto e facilitado. – É também nesse sentido que ele se arrepende. Motivado pelo arrependimento. Consideremos, a respeito disso, uma reflexão muito pertinente de João Crisóstomo, Hom. 85 em Mateus: «O demônio sempre começa com pequenas coisas e, imperceptivelmente, conduz os homens aos maiores crimes, dos quais os mergulha no desespero, que é o ápice de todos os outros. Pois aquele que se desespera após o seu crime será mais condenado pelo seu desespero do que pelo crime que o causou.» Além disso, os autores antigos compararam, com razão, a penitência de Judas à de Caim: como a do primeiro fratricídio, consistia, sem dúvida, em um profundo sentimento de dor e medo; mas o amor divino e a esperança estavam ausentes. Cf. Thom. Aq. Comm. In hl. O texto grego expressa o desejo de que o que foi feito não tivesse sido feito, um desejo misturado com pesar e até remorso, mas sem qualquer mudança real de coração, sem arrependimento sincero. São Pedro se arrependeu de maneira verdadeira; Judas, ao contrário, tem apenas uma falsa contrição que aumenta seu pecado em vez de diminuí-lo. O evangelista, porém, observa um sinal marcante do remorso que o consumia: ele devolveu as trinta moedas de prata. Em ódio ao crime que cometera, privou-se livremente do ganho horrível que sua traição lhe proporcionara. Talvez se iludisse pensando que, ao devolver o dinheiro e declarar a completa inocência de Jesus, obteria sua libertação.
Mt27.4 dizendo: "Pequei ao trair sangue inocente". Eles responderam: "Que nos importa? Esse é o seu problema".« – Eu pequei.. Ele confessa abertamente sua iniquidade, cuja extensão total ele indica acrescentando: ao doar sangue inocente. Trair sangue inocente é um termo hebraico que significa entregar um inocente aos inimigos, que o matarão da maneira mais injusta. Judas, portanto, compreendeu plenamente, como já dissemos, a consequência quase inevitável de sua traição. O testemunho que ele agora presta a Jesus é muito forte: aquele que proclama a perfeita inocência do Salvador é um discípulo que viveu em estreita proximidade com ele por vários anos e o estudou atentamente, nutrindo sentimentos hostis. Que importância isso tem para nós? «Que nos interessa?», responderam friamente os principais sacerdotes e anciãos. Toda a malícia deles transparece nessas palavras: fica cada vez mais claro que queriam se livrar de Jesus a qualquer custo. Condenaram-no não por sua culpa, mas por ódio. Sua inocência, tardiamente atestada por seu cúmplice, pouco lhes importava. Acrescentaram ironicamente: “Isso é problema de vocês. Se pecaram, vejam como podem se redimir; mas isso não nos diz respeito”. Como Bengel tem razão ao dizer, Gnomon in hl: “Aqueles que agiram como coerdeiros, mas se desviaram, são os ímpios. Aqueles que não agiram como coerdeiros, mas depois se arrependeram, são os piedosos”.
Mt27.5 Então, tendo atirado as moedas de prata no Santuário, retirou-se, foi e enforcou-se. – Tendo jogado fora as moedas de prata. A resposta brutal dos sacerdotes encheu Judas de desespero. Ele começou atirando no templo, como prova contra eles e para quebrar o infame pacto, as trinta moedas de prata que haviam causado sua ruína. No templo. É verdade que o acesso ao recinto sagrado era reservado exclusivamente aos sacerdotes; mas os leigos podiam entrar no vestíbulo do templo, e foi lá, sem dúvida, que Judas atirou as trinta moedas de prata. É também possível, como conjecturam alguns autores de renome, que o traidor, num ato desesperado, tenha invadido o Lugar Santo para atirar as trinta moedas de prata. Depois, saiu, provavelmente para fora da cidade, e terminou a sua vida de forma vergonhosa e criminosa. Enforcou-se. Contudo, por vezes, tentaram atribuir ao verbo um significado figurado. Grotius, Hammond, Perizonius (De Morte Judae, Lugd. Bat. 1702), etc., traduzem-no como "morrer de tristeza, ser consumido pelo desespero": mas qual o sentido de uma interpretação tão arbitrária para dar a Judas uma morte honrosa que ele não teve? Por outro lado, Orígenes e Lightfoot, embora de maneiras muito diferentes, dão asas à imaginação fértil ao descreverem, o primeiro (Mandamento em Mateus 11:1), Judas, por meio da morte voluntária, correndo para o reino dos mortos para preceder seu Mestre, lançar-se a seus pés e implorar sua misericórdia; o segundo, o diabo agarrando o traidor quando este saía do templo, erguendo-o no ar e atirando-o ao chão após estrangulá-lo. Cf. Horácio e textos talmúdicos em Mateus 11:1. A realidade não era tão bela nem tão terrível, embora ainda contivesse horrores suficientes. Os detalhes citados por São Pedro no discurso mencionado acima não contradizem o relato do Evangelho de forma alguma. Vários racionalistas (cf. K. Hase, Leben Jesu, p. 165) não hesitam em reconhecer isso. Toda a diferença reside nas diferentes perspectivas adotadas pelos dois narradores. Embora São Mateus dê maior ênfase às ações pessoais de Judas, o Príncipe dos Apóstolos destaca principalmente o papel da Providência, que permitiu que uma circunstância horrível se somasse à morte do traidor.
Mt27.6 Mas os principais sacerdotes recolheram o dinheiro e disseram: "Não é permitido colocá-lo no tesouro sagrado, pois é dinheiro de sangue."« A morte acompanhou a hedionda traição de Judas de todas as formas: a morte do próprio traidor; a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo; e, finalmente, a compra de um cemitério para os mortos. O evangelista primeiro nos mostra o constrangimento dos principais sacerdotes quando encontraram as trinta moedas de prata que o traidor havia jogado fora antes de seu suicídio. Esses homens, que sem hesitar haviam mergulhado as mãos no sangue de Jesus, foram subitamente tomados de escrúpulos: "Coam um mosquito e engolem um camelo!" (23:24). O "tesouro" aqui se refere ao tesouro do templo, composto por somas oferecidas pela piedade dos fiéis para a manutenção do culto. Deus havia expressamente proibido a inclusão nesse tesouro de dinheiro proveniente de fontes que fossem impuras em si mesmas, ou consideradas impuras pelos judeus. Cf. Deuteronômio 23:18; Sanhedrin f. 112. Os sacerdotes argumentam e julgam que não é apropriado colocar no tesouro sagrado o que eles corretamente chamam de preço do sangue. As trinta moedas de prata estavam, por assim dizer, inteiramente manchadas com o sangue que haviam sido usadas para comprá-las.
Mt27.7 E, após consultarem-se entre si, usaram esse dinheiro para comprar o cemitério para o sepultamento de estrangeiros. Eles, portanto, realizaram um conselho para deliberar sobre o uso a ser feito desse dinheiro. Sua reunião provavelmente não ocorreu naquele mesmo dia, pois estavam ocupados com muitos outros assuntos; mas sim no dia seguinte, ou pouco depois da morte do Salvador. É provável que o oleiro já tivesse praticamente esgotado a argila daquele campo: por isso, um terreno que se tornara praticamente inútil pôde ser adquirido a um preço baixo. O campo pago com as trinta moedas de prata de Judas serviria, assim, como cemitério para estrangeiros. Os sacerdotes acreditavam que estavam realizando uma obra piedosa, digna de uma quantia que era duplamente sagrada aos seus olhos. Pela palavra "estrangeiros", deve-se entender não os pagãos, ou pelo menos não exclusivamente os pagãos, mas sobretudo os judeus da diáspora que pudessem morrer em Jerusalém durante as festas ou em outras ocasiões.
Mt27.8 É por isso que este campo ainda hoje é chamado de Campo de Sangue. – É por isso porque este cemitério fora comprado com o preço do sangue de Jesus. O nome veio diretamente dos principais sacerdotes? Ou era um daqueles nomes populares pelos quais a multidão tão facilmente caracteriza certos atos? É difícil determinar, embora a segunda hipótese nos pareça a mais provável; cf. Atos dos Apóstolos 1, 18-19. – HaceldamaMais precisamente, Hakal-Dema, que em aramaico significa "campo de sangue". Segundo São Mateus, o sangue era o de Jesus, levando São João Crisóstomo a dizer: "Compraram um campo para o sepultamento de estrangeiros, que seria uma prova manifesta e um monumento eterno de sua traição. Pois o próprio nome deste campo é como uma voz ressonante que proclama por toda parte o crime que cometeram" (Hom. 85 em Mat.). Segundo São Pedro, Atos dos ApóstolosEsse seria o nome de Judas, já que foi no cemitério dos oleiros que o suicídio do traidor e o horrível derramamento de seu sangue supostamente ocorreram. Mas nada impede que a combinação das duas circunstâncias tenha contribuído para a formação do nome Haceldama. Até hoje ...até a época da composição do primeiro Evangelho. O uso desta fórmula implica claramente que um período considerável de tempo transcorreu entre a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo e o aparecimento do relato em São Mateus. Peregrinos que visitavam Jerusalém viam, desde a época de São Jerônimo (cf. Onomasticon, sv. Acheldama), o sinistro Campo de Sangue, em um estreito planalto com vista para o Vale de Hinom, próximo ao ponto onde este se junta ao Vale do Cédron (cf. R. Riess, Bibelatlas, pl. 6). Ali, vê-se um edifício semidestruído que outrora deve ter servido como ossuário. Seu nome árabe é Hak-ed-damm. Está rodeado por túmulos e cavernas funerárias, mas deixou de ser um local de sepultamento no século XVIII. Seu terreno é cretáceo: durante grande parte da Idade Média, acreditava-se que possuía a propriedade de queimar corpos rapidamente; por isso, quantidades consideráveis desse material eram trazidas de longe. Os pisanos criaram, assim, o seu Campo Santo. Viajantes confiáveis atestam a existência de grandes quantidades de argila perto do Campo de Sangue, de onde as pessoas ainda vêm para coletá-la. Essa característica confirmaria a autenticidade do local designado pela tradição.
Mt27.9 Então se cumpriu a palavra do profeta Jeremias: «Receberam trinta moedas de prata, o preço daquele cujo valor os filhos de Israel haviam determinado, 10 E eles as entregaram para o campo do oleiro, como o Senhor me ordenou.» – No uso que os príncipes e sacerdotes fizeram das trinta moedas de prata que haviam sido dadas a Judas, São Mateus vê o cumprimento de uma importante profecia do Antigo Testamento e a destaca, de acordo com seu propósito, para mostrar que Jesus é verdadeiramente o Cristo prometido aos judeus. Isso foi o que havia sido predito pelo profeta Jeremias. Nada nos escritos de Jeremias se assemelha à passagem citada por São Mateus, mas Zacarias contém alguns versículos quase idênticos aos que o evangelista atribui a Jeremias; cf. Zacarias 11:12-13. Como isso pode ser explicado? São Mateus, tomando uma liberdade da qual encontramos mais de um exemplo entre os antigos escritores judeus, pode ter combinado e amalgamado diversas passagens proféticas, extraídas em parte de Jeremias, em parte de Zacarias, e dado ao texto resultante o nome do mais famoso dos dois profetas. Várias passagens em Jeremias, em particular 19:1-2 e seguintes, 32:6-15, prestam-se a tal combinação. O profeta de Anatote fala ali de um campo, um campo de oleiro localizado no Vale de Hinom, que o Senhor ordenou que fosse comprado. Na profecia de Zacarias, não há menção a um campo; mas as trinta moedas de prata são claramente especificadas. Por que São Mateus, iluminado pelo Espírito Santo e considerando as antigas profecias à luz brilhante da história de Jesus, não teria composto uma mistura que melhor manifestasse o pensamento dos profetas? Além disso, como vimos, desde as primeiras páginas de seu Evangelho (cf. 2:23 e o comentário; veja também Marcos 1:2:3 e a explicação), ele extrai de todos os profetas reunidos um texto que nenhum deles, individualmente, havia escrito: "Ele será chamado Nazareno". Ele fornece um resumo semelhante, embora menos extraordinário, em sua última página. Mas, como sua citação se relaciona mais diretamente ao texto de Zacarias, nos referiremos mais especificamente às palavras desse profeta para explicá-la. Em seu décimo segundo capítulo, Zacarias age em nome de Deus e representa simbolicamente a ingratidão da nação judaica para com seu Deus. Ele é o pastor de um rebanho que representa Israel; cansado dos problemas que suas ovelhas lhe causam, ele pede o que lhe é devido e então se retira. Oferecem-lhe a insignificante quantia de trinta moedas de prata; Mas Deus lhe ordena que jogue esse dinheiro no Templo. "E peguei as trinta moedas de prata", relata ele, segundo o texto hebraico. Deus lhe disse: "Jogue-as ao oleiro, esse magnífico preço pelo qual me avaliaram". Ele obedeceu imediatamente à ordem: "E as joguei ao oleiro na casa do Senhor". Segundo São Mateus, as trinta moedas de prata prefiguravam a quantia pela qual Jesus Cristo, o Bom Pastor, foi traído aos seus inimigos. Foi por esse preço irrisório que os principais sacerdotes lhe cobraram, assim como Zacarias, o representante de Deus, o fizera antes dele. O evangelista cita livremente, à maneira dos Targuns, para tornar a aplicação mais evidente. Daí as mudanças de personagens, a inserção de novas palavras e as outras modificações que ele introduz no texto profético. Mas ele não altera a essência da predição. No campo do oleiro. Foi Jeremias quem atribuiu essa ideia a São Mateus, pelo menos em sua totalidade. Em Zacarias, lemos comumente "ao oleiro". Mas, como Jeremias havia sido incumbido pelo Senhor de comprar um campo de oleiro — o que era claramente simbólico —, o evangelista ligou essa ação à de Zacarias, obtendo assim uma paráfrase típica que coincide exatamente com a história de Jesus. Graças a São Mateus, podemos, portanto, compreender melhor como antigas profecias, após terem se cumprido uma vez em um passado distante, obtiveram, na época da Paixão do Salvador, um segundo cumprimento, que foi, na realidade, o principal, embora tivesse permanecido oculto até então nos misteriosos planos da Providência.
27, 11-26. Paralelo. Marcos 16, 2-15; Lucas 23, 2-5, 13-15; João 18, 29-19, 1.
Mt27.11 Jesus compareceu perante o governador, e este lhe perguntou: "Você é o rei dos judeus?" Jesus respondeu: "Tu o dizes."«– Ali está a vítima, mansa e inocente, diante de um novo tribunal e um novo juiz. Pilatos não será menos injusto que Caifás. Ao menos ele é imparcial contra Jesus; pelo contrário, demonstra um grande interesse em seu destino e conduz o processo numa direção favorável ao acusado. o governador o interrogouComo o procurador tinha que confirmar ou anular a sentença do Sinédrio, de acordo com a lei romana, ele era obrigado a interrogar Jesus. Você é o rei dos judeus? Essa questão, que ele lhe dirige inicialmente segundo o relato de São Mateus, torna-se mais clara quando se leem as versões de São Lucas e São João. Pilatos havia primeiro questionado o Sinédrio sobre as acusações que faziam contra o Salvador, e eles o acusavam de ter estabelecido um trono contra o de César e de se autoproclamar Rei dos Judeus. Só então o governador interrogou Jesus diretamente para descobrir se ele era de fato o Rei dos Judeus. Você diz issoOu seja: Sim, eu sou. Cf. 26,64. Nosso Senhor proclama a sua realeza perante Pilatos, assim como proclamara a sua dignidade messiânica perante o Sinédrio. É sem dúvida a este testemunho corajoso que São Paulo alude em sua Primeira Carta a Timóteo6:13. Jesus só respondeu desta forma depois de trocar várias palavras com Pilatos e explicar-lhe a natureza inteiramente espiritual do seu reino. Cf. João 18:33-37.
Mt27.12 Mas ele não respondeu às acusações dos Príncipes dos Sacerdotes e dos Anciãos. Os membros do Sinédrio o interromperam ruidosamente para protestar contra suas afirmações e lançar as acusações mais violentas e injustas contra ele. Diante deles, Jesus retomou sua postura majestosa da noite anterior (cf. 26,63). As declarações que fizera ao governador eram suficientes; ele não precisava de mais defesa. Agora que sua hora havia chegado, seria indigno de si entrar em conflito com inimigos tão apaixonados. «Maldito, ele não amaldiçoa; atormentado, ele não ameaça; mas entrega-se àquele que o julga injustamente» (1 Pedro 2,23).
Mt27.13 Então Pilatos lhe disse: "Você não ouve quantas acusações estão fazendo contra você?"« Pilatos ficou impressionado com esse nobre silêncio. Nunca antes, em seu longo ministério, havia encontrado um réu tão nobre. Movido de compaixão, não conseguiu conter uma exclamação repleta de simpatia por Jesus. “Não vês”, perguntou-lhe, “as provas condenatórias que estão apresentando contra ti?” Acusavam-no, de fato, de incitar os judeus à revolta em toda a Palestina, cf. Lucas 235. Pilatos, que compreendeu a sua inocência desde o primeiro momento (cf. Lucas, ibid. v. 4), gostaria de vê-lo reduzir a nada, com poucas palavras, as acusações do Sinédrio.
Mt27.14 Mas ele não respondeu a nenhuma de suas queixas, o que deixou o governador extremamente surpreso.— Jesus permaneceu em silêncio. Sim, teria sido fácil para ele se defender e se justificar: mas não havia prometido morrer pela salvação da humanidade? Para se encorajar naquele momento de angústia, lembrou-se dos versos sublimes com que, seiscentos anos antes, Isaías descrevera sua Paixão: “Ele foi entregue voluntariamente ao sacrifício; por isso não abriu a boca. Como a ovelha levada ao matadouro, como o cordeiro diante do seu tosquiador, ele ficou em silêncio, não abriu a boca.” Isaías 53, 7. – O governador ficou muito surpreso com isso.. O espanto de Pilatos transforma-se em admiração: ele admira essa dignidade, essa compostura, esse desdém pela morte. Por que, então, o procurador, atendendo à voz da sua consciência, não libertou Jesus imediatamente? Compreenderemos melhor isso estudando a passagem paralela em São João: Ele teme desagradar a esses judeus, a quem, no entanto, despreza, e ser acusado por eles perante César de não ter impedido os planos audaciosos de um homem que queria tornar-se rei de Jerusalém. Mas, ao saber então que Jesus era galileu, pensa que pode livrar-se astutamente dessa questão delicada, fazendo com que Herodes, que se encontrava naquele momento na capital, a decida; cf. Lucas 23:6-12. O expediente falha; uma ou duas horas depois, encontramos Jesus no pretório.
Mt27.15 Em cada festa da Páscoa, o governador costumava libertar um prisioneiro, aquele que a multidão exigia. Pilatos, um homem astuto e ardiloso, escolhe outro caminho para se exonerar completamente da responsabilidade no julgamento de Jesus. Ele reluta em condenar o acusado; não ousa libertá-lo por iniciativa própria e, assim, confrontar diretamente o supremo tribunal judaico. De repente, lembra-se de um costume que, pensa ele, o livrará completamente desse dilema. dia de feriado Obviamente, isso se refere à Páscoa, de acordo com o contexto; cf. João 18:39. Era a festa mais importante do judaísmo. Era um costume: segundo São Lucas, "ele era obrigado a": Portanto, não se tratava apenas de um antigo costume, mas de um direito real, cujo exercício os judeus podiam exigir. Seria um privilégio concedido a eles pelos romanos após a conquista para se darem uma aparência de generosidade? Rosenmüller, Friedlieb, M. Fouard e outros exegetas pensaram assim. Mas a maioria dos comentaristas supõe, de forma mais plausível, que se tratava de um costume estabelecido muito cedo pelos próprios judeus, em memória de sua libertação do domínio egípcio, e simplesmente mantido pelos romanos. Isso fica evidente nas palavras que Pilatos dirigiu ao povo, segundo a versão de João 18:39: "É costume que, na festa da Páscoa, eu vos liberte alguém". O governador atribui expressamente ao costume uma origem judaica. No entanto, práticas semelhantes existiam entre os pagãos; Em Roma, os escravos eram libertados de suas correntes para o festival de Lectisternia, e na Grécia, os próprios prisioneiros podiam participar das festividades celebradas em honra a Baco. Aquele que o povo estava pedindo.. Foi a multidão que escolheu. Mas, nas circunstâncias atuais, Pilatos prometeu conduzir a escolha de tal forma que Jesus pudesse se beneficiar desse privilégio, excluindo qualquer outro cativo.
Mt27.16 Naquela época, eles tinham um prisioneiro famoso chamado Barrabás.O prisioneiro «famoso» que Pilatos queria colocar contra Jesus era um dos bandidos que então assolavam a Palestina: ele havia cometido um assassinato. Cf. Lucas 23:19; João 18:40. Seu nome, Barrabás, é mencionado pelos quatro evangelistas. Os hebraístas modernos discordam sobre a etimologia desse nome, comum entre os judeus da época, mas que aparece escrito de quatro maneiras diferentes em manuscritos gregos. Alguns o explicam como Bar-rabba, filho do mestre; outros como Bar-rabbân, filho do nosso mestre; e outros ainda como Bar-abba, filho do pai. São Jerônimo já aceitava, e acreditamos que com razão, esta última interpretação, no Salmo 108, cf. Teófilo em hl. É possível, no entanto, que Abba fosse um nome próprio. Barrabás seria então uma dessas designações patronímicas tão comuns entre os semitas, significando “filho de Abba”. Um grande número de manuscritos gregos relativamente recentes, corroborados pela versão armênia, chamam Jesus de Barrabás, seja aqui ou no versículo 47, o criminoso a quem Pilatos opôs o Salvador. Essa leitura, que Orígenes afirma ter encontrado algumas vezes, foi adotada por diversos exegetas, como Lachmann, Fritzsche e Tischendorf. Mas a maioria dos comentaristas a rejeita, com razão: se fosse autêntica, como explicar sua omissão nos manuscritos antigos e nas versões mais importantes?
Mt27.17 Pilatos, chamando a multidão, disse-lhe: "Qual dos dois queres que eu te entregue: Barrabás ou Jesus, chamado Cristo?"« – O governador, por meio de uma astuta manobra de diversão, apresenta à multidão reunida em frente ao pretório desde o início da sessão uma escolha entre este homem e Jesus. Barrabás ou Jesus? Que contraste! Ele não tem dúvida de que Jesus será escolhido imediatamente. A decência mais básica levará as pessoas a salvarem Nosso Senhor em vez de um vilão desprezível. Quem é chamado Cristo?. Pilatos, sem dúvida, enfatizou essas palavras. "Cuidado, ele pode ser o Messias de vocês. Deixariam-no morrer?" O procurador supõe, seguindo o pensamento de São João Crisóstomo, que se eles se recusarem a absolvê-lo como inocente, ao menos concordarão em perdoá-lo por honra à solenidade da Páscoa.
Mt27.18 Porque ele sabia que tinham entregado Jesus por inveja. – Para um juiz experiente como Pilatos, fora fácil adivinhar o verdadeiro motivo que levara o Sinédrio a exigir a condenação de Jesus. A paixão com que o acusaram, a constante repetição das mesmas acusações, sem provas sérias; por outro lado, a atitude, a linguagem e a fisionomia do Salvador, que indicavam nada menos que um criminoso, talvez também as informações que Pilatos possa ter recebido enquanto Jesus era levado a Herodes, ou antes, tudo o levou a compreender que a acusação fora motivada pelos motivos mais vis.
Mt27.19 Enquanto ele estava sentado em seu tribunal, sua esposa lhe mandou dizer: "Que não haja nada entre você e esse homem justo, pois hoje fiquei muito perturbada em um sonho por causa dele."«O governador acabara de confiar à multidão a tarefa de absolver Jesus; foi nesse sentido que os instruiu ostensivamente a fazerem a sua escolha. Chegou mesmo a tomar o seu lugar no tribunal e a sentar-se na cadeira curul que dominava a plataforma (Gabbatha, cf. João 19:13) para confirmar o voto do povo e pronunciar, segundo todas as formalidades romanas, uma sentença de absolvição a favor de Jesus, quando ocorreu um incidente notável, que apenas reforçou a sua resolução de libertar Nosso Senhor. Sua esposa lhe enviou uma mensagem.Originalmente, os magistrados romanos enviados às províncias eram estritamente proibidos de levar suas esposas consigo. Essa lei foi revogada por Tibério, mas ficou estabelecido que governadores e outros funcionários seriam responsáveis pela conduta de suas esposas, especialmente por quaisquer intrigas em que elas pudessem se envolver; cf. Tácito, Anais 3, 33-34. Portanto, não é surpreendente encontrar Cláudia Prócula, ou simplesmente Procla, como a tradição a chama (cf. Nicéforo, História Eclesiástica 1, 30), com Pilatos, seu marido, na Judeia e até mesmo em Jerusalém. Essa mulher intervém repentinamente e de forma comovente no julgamento de Jesus, como evidenciado pela mensagem urgente que envia ao procurador. Suas palavras são claras: "Não condene este justo", diz ela a um servo. "Este justo": é um belo nome que ela dá a Jesus. Talvez ela conhecesse o Salvador por ouvir dizer, pois sua reputação havia crescido constantemente desde o início de sua vida pública. Ou talvez tenha sido em um sonho que ela recebeu uma revelação maravilhosa sobre o caráter do Salvador. De fato, embora vários autores modernos tenham considerado o sonho da esposa de Pilatos como um fenômeno puramente natural, produzido pelos eventos da noite anterior, que ela supostamente soube antes de adormecer, parece-nos impossível não enxergar nele, seguindo os Padres da Igreja e a maioria dos exegetas, um verdadeiro prodígio sobrenatural. Contudo, os escritores eclesiásticos não compartilham a mesma visão sobre a natureza desse incidente. Por exemplo, Santo Inácio de Antioquia... carta para as Filipinas c. 5, Beda, o Venerável, São Bernardo, o autor do poema Heliand) que o atribuem ao diabo. Satanás, dizem eles, queria impedir que a obra da Redenção se completasse, despertando fortes e poderosas simpatias por Jesus. A maioria, porém, em particular Orígenes, São João Crisóstomo, Santo Agostinho, etc., supõe, com toda razão, uma origem completamente celestial para o sonho da esposa do governador. Diante dos falsos testemunhos dos homens, vemos o céu constantemente ocupado em prover ao Salvador toda a assistência compatível com os decretos divinos e, sobretudo, em atestar sua inocência e santidade. Naquele momento, o judaísmo não era capaz nem digno de receber uma revelação superior. No fim, como no início da vida de Cristo, as advertências divinas são dirigidas a estrangeiros. Cf. Santo Hilário, Comm. in hl – Eu sofri muito. Essas palavras indicam que os detalhes do sonho assumiram um caráter assustador e terrível; mas, para não cairmos em arbitrariedades, preferimos nos abster de qualquer conjectura sobre o assunto. Os pagãos atribuíam grande importância aos sonhos, que acreditavam vir diretamente de Zeus, segundo a expressão do antigo Homero. Hoje, Portanto, na segunda parte da noite, por volta das 7 ou 8 horas da manhã, essa foi a mensagem transmitida a Pilatos por sua esposa. Ela revela, em quem a transmitiu, não apenas um interesse passageiro por Nosso Senhor, mas também uma alma profundamente religiosa, muito acima dos estreitos preconceitos do paganismo. O historiador Flávio Josefo nos conta, em A Guerra Judaica, 20, 2, que um grande número de mulheres romanas, conquistadas pela beleza dogmática e moral da religião mosaica, foram recebidas como prosélitas. A esposa de Pilatos, segundo o Evangelho apócrifo de Nicodemos (capítulo 2), que frequentemente contém detalhes verossímeis, mandou construir muitas sinagogas. Por que, após a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, ela não se tornaria cristã? Uma tradição que remonta pelo menos à época de Orígenes (ver sua Hom. em Mateus 35) afirma expressamente sua conversão. O Menologia Grego chega a incluí-la entre os santos; cf. Calmet, Dicionário da Bíblia, sob o verbete Procla. Em todo caso, podemos exclamar com Orígenes, ao final deste interessante episódio, do qual apenas São Mateus preservou a memória: «Dizemos que a esposa de Pilatos é bem-aventurada, pois em seu sonho sofreu muito por amor a Jesus».
Mt27.20 Mas os principais sacerdotes e os anciãos persuadiram o povo a pedir a libertação de Barrabás e a morte de Jesus. A intervenção desta nobre romana em favor de Jesus não teve mais poder sobre o coração de Pilatos do que o testemunho de Judas (cf. v. 4) teve sobre a vontade do Sinédrio. Este último estava endurecido demais, enquanto Pilatos era fraco demais para ser influenciado por qualquer testemunho favorável ao divinamente acusado. Além disso, enquanto a graça atuava visivelmente sobre Pilatos por meio de sua esposa, capacitando-o a agir como um juiz justo, o demônio usava os principais sacerdotes e os demais membros do Sinédrio para, de alguma forma, forçar a mão do governador covarde. «Sua esposa o advertiu, a graça o iluminou na noite, a divindade prevaleceu», Santo Ambrósio, Explicação em Lucas, l. 10, c. 100. Eles persuadiram o povo. O evangelista os mostra se movendo entre a multidão durante a breve interrupção da audiência causada pelo incidente que acabamos de ler e, por meio de mentiras e acusações traiçoeiras, persuadindo esse povo inquieto a exigir a libertação de Barrabás. E matar Jesus. Escolher Barrabás significava deixar Jesus sob a sentença que lhe foi imposta; consequentemente, os membros do Sinédrio não tinham dúvidas de que em breve obteriam de Pilatos, a quem viam enfraquecer, a autorização para executar a pena de morte.
Mt27.21 O governador dirigiu-se a eles, dizendo: "Qual dos dois vocês querem que eu solte?" Eles responderam: "Barrabás".« Após receber a mensagem de sua esposa, Pilatos retomou a sessão, que havia sido brevemente suspensa, e reiterou sua pergunta do versículo 17: "Qual destes dois homens vocês querem que eu solte?" A multidão, cegada pelas insinuações odiosas dos sacerdotes e escribas, ousou preferir Barrabás a Jesus. "A multidão, como uma matilha de animais selvagens seguindo a estrada larga, exigiu que Barrabás lhes fosse solto..." (Bíblia Hebraica Original).
Mt27.22 Pilatos disse-lhes: "Que farei então com Jesus, chamado Cristo?"« Pilatos ficou visivelmente desapontado e desconcertado com essa preferência inesperada. Mas, disfarçando imediatamente seu ressentimento e agindo com astúcia, fez outra tentativa de persuadir a multidão a libertar Jesus. “Eu vos concedo o perdão de Barrabás; é um direito vosso. Mas o que farei com Jesus?” Isso era uma insinuação aos judeus de que ele relutava em condená-lo e que o libertaria de bom grado se retirassem as acusações contra ele.
Mt27.23 Eles responderam: "Crucifique-o!" O governador perguntou: "Que mal ele fez?" E eles gritaram ainda mais alto: "Crucifique-o!"« – Todos eles, o povo e os membros do Grande Conselho, juntos, proferem um grito deicida: Que ele seja crucificado. Para Jesus, eles não exigem uma morte simples, mas o tormento doloroso e ignominioso da cruz, ao qual a lei romana condenava todos os indivíduos sediciosos que não gozavam dos direitos de cidadania. Pilatos responde: Que mal ele fez? Ou seja: Ele não cometeu crime algum; como então podem exigir que eu o condene à morte? Mas tais argumentos tímidos certamente não surtiriam efeito algum diante de uma turba sedenta de sangue. Ao ouvirem a observação final de Pilatos, os judeus começaram a gritar com renovada fúria: "Crucifica-o!".
Mt27.24 Pilatos, vendo que nada conseguia, e que o alvoroço aumentava, pegou água e lavou as mãos diante do povo, dizendo: "Sou inocente do sangue deste justo; vocês é que devem responder por ele".« Pilatos percebe tarde demais que está em desvantagem. Este será sempre o destino desses políticos supostamente sábios que imaginam poder acalmar as paixões populares com concessões perigosas, sem considerar que as massas, cada vez mais exigentes, logo derrubarão as frágeis barreiras que supostamente continham sua violência. Pilatos não só não obteve nada em troca de suas imprudentes investidas, como também percebe que seus esforços para acalmar a multidão só servem para inflamá-la ainda mais. Tem-se o receio de um verdadeiro motim. O que ele fará? Será que finalmente entenderá que apenas um ato de força pode arrancar um inocente da morte e salvá-lo da infâmia? Não. Ele manda trazer água, lava as mãos diante do povo e testemunha que nada teve a ver com a tortura de Jesus; então, acreditando ter apaziguado sua consciência e banido toda injustiça de seu coração, abandona a vítima aos executores que o aguardam. Ele lavou as mãos.. Quando um assassinato, cujo autor permanecia desconhecido, era cometido no território de uma cidade judaica, os habitantes mais influentes eram obrigados, segundo a lei (Deuteronômio 21:1-9; cf. trad. Sotah 8:6), a lavar as mãos junto ao cadáver, protestando sua inocência. Disso, concluiu-se que o ato de Pilatos foi uma imitação desse costume judaico (Rosenmüller, de Wette, Friedlieb, etc.). Contudo, entre os gregos e romanos, existiam rituais expiatórios para homicídios involuntários, com os quais o procurador estava familiarizado. Portanto, ele não tinha nada a tomar emprestado dos judeus. Além disso, ações simbólicas desse tipo são bastante naturais e podem ser encontradas em todos os povos. Em frente ao povo. Toda a assembleia podia vê-lo, pois ele ainda estava em sua plataforma elevada; cf. v. 19. Sou inocente do sangue… Pilatos explica o significado de sua ação em poucas palavras: declara que não deseja participar de forma alguma da morte de Jesus e se exime de toda responsabilidade nesse ato hediondo. Assim como Judas (v. 4) e sua esposa (v. 19), Pilatos confere a Jesus o título de justo, mas sua declaração tem um peso muito maior, pois a faz como Juiz, do alto de seu tribunal. Contudo, ao protestar contra a inocência do Salvador, ele se acusa abertamente da mais repugnante injustiça. Ele bem poderia dizer ao povo: Isso é problema seu. (cf. versículo 4 e sua explicação) Ele, no entanto, cometeu, perante Deus e perante a história, um verdadeiro homicídio judicial contra a adorável pessoa de Jesus. “É-lhe permitido lavar as mãos, mas isso jamais apagará seus atos malignos. Mesmo que pense poder remover de seus membros todo vestígio do sangue do justo, seu espírito permanecerá contaminado por esse sangue. Pois quem entrega Cristo à morte, mata-o”, Santo Agostinho, Sermão 118 sobre o Temporal. De fato, acrescenta São Leão, Sermão 8 sobre a Paixão, “Mãos purificadas não purificam uma alma contaminada; dedos lavados com água não expiam o crime que cometeram, tendo a alma como cúmplice”. Permitam-nos citar mais uma passagem admirável, que tomamos emprestada de uma famosa carta pastoral publicada pelo Bispo Pie em 22 de fevereiro de 1861: “Durante dezoito séculos, houve um formulário em doze artigos [o Credo] que todos os lábios cristãos recitam diariamente. Neste resumo da nossa fé, escrito com tanta concisão pelos apóstolos, aparecem, além dos três adoráveis nomes das pessoas divinas, o nome mil vezes bendito da mulher que deu à luz o Filho de Deus e o nome mil vezes execrável do homem que lhe causou a morte. Ora, este homem, assim marcado com o estigma do deicídio, este homem assim pregado ao pelourinho do nosso credo, quem é ele? Não é Herodes, nem Caifás, nem Judas, nem nenhum dos executores judeus ou romanos; este homem é Pôncio Pilatos. E isso é justo.” Herodes, Caifás, Judas e os outros tiveram a sua participação no crime; mas, em última análise, nada teria acontecido sem Pilatos. Pilatos poderia ter salvado Cristo, e sem Pilatos, Cristo não poderia ter sido morto… Lava as tuas mãos, ó Pilatos. Declara-te inocente da morte de Cristo. Como nossa única resposta, diremos todos os dias, e a posteridade ainda dirá: Creio em Jesus Cristo, Filho unigênito do Pai, que foi concebido pelo Espírito Santo, que nasceu da Virgem. Casadoe que suportou a morte e o sofrimento sob o comando de Pôncio Pilatos.” Veja, sobre o julgamento de Pilatos, Dupin, Jesus perante Caifás e Pilatos, §§ 9 e 10. E, no entanto, como observa o Sr. Dupin, não parece que Pilatos fosse um homem perverso: mas era um funcionário público, valorizava sua posição e se intimidava com gritos que questionavam sua lealdade ao imperador. Temia ser demitido e cedeu. A Providência se vingou dele permitindo que, alguns anos após a morte de Jesus (36 d.C.), ele fosse demitido pelo procônsul de Síria Vitélio, devido à sua conduta tirânica para com os samaritanos. Cf. Josefo, Antiguidades Judaicas 18:4. Levado perante o tribunal do imperador, diz-se que foi exilado para Vienne, na Gália. Outra tradição o situa na montanha suíça perto do Lago Lucerna, que hoje leva o seu nome: um dia, para pôr fim ao seu remorso, diz-se que se atirou ao lago. Eusébio também relata que o próprio Pilatos tirou a própria vida, como Judas, cf. História Eclesiástica 2:7. Desde cedo, formou-se uma literatura apócrifa em torno do nome de Pilatos, que os Padres da Igreja mencionam e que os pagãos ridicularizavam, cf. Orígenes Celso; Eusébio. HE 9, 5. Numerosos fragmentos deste texto ainda existem, os quais Fabricius, Thilo e Tischendorf reuniram em suas obras sob os títulos "acta Pilati, epistolae duae Pilati ad Tiberium, Paradosis Pilati", etc. O Evangelho de Nicodemos também trata dos mesmos eventos em sua primeira parte; cf. Brunet, Les Évangiles apocryphes, 2ª ed., Paris, 1863, p. 215 e ss. A base para esses detalhes lendários seria um relatório oficial, presumivelmente enviado por Pilatos ao Imperador Tibério a respeito do julgamento de Jesus, e mencionado por São Justino Mártir, Apologia 1, e por Tertuliano, Apologia c. 21.
Mt27.25 E todo o povo disse: "Que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos."« A multidão assume sem hesitar a responsabilidade que Pilatos tenta, embora em vão, transferir para si. Eles gritam em uníssono: Que o seu sangue caia sobre nós.… cf. 23, 35; 2 Samuel 1, 16; Jeremias 51, 35; Atos dos Apóstolos 18, 6. Entre os judeus, quando os juízes pronunciavam uma sentença de morte, para atestar sua perfeita imparcialidade no processo, aproximavam-se do condenado, erguiam as mãos sobre sua cabeça e diziam: “Que o teu sangue caia sobre ti”. A multidão que condenou Jesus por instigação do Sinédrio, ao contrário, gritava: “Que o seu sangue caia sobre nós!” E acrescentavam: “E sobre os nossos filhos”. Desejavam, assim, que o castigo completo pelo pecado, se é que havia pecado e castigo, fosse infligido a eles e à geração seguinte. Quarenta anos depois, esta terrível imprecação cumpriu-se plenamente. O sangue de Jesus caiu novamente sob a forma das terríveis pragas preditas anteriormente, no capítulo 24, pelo Salvador. Além disso, como São Jerônimo afirma corretamente, em hl: “Esta imprecação ainda pesa sobre nós hoje (...) Por isso Isaías disse: quando estenderes as tuas mãos, esconderei os meus olhos de ti; e quando multiplicares as tuas orações, não as responderei, porque as tuas mãos estão cheias de sangue”.
Mt27.26 Então, ele lhes soltou Barrabás e, depois de mandar açoitar Jesus, entregou-o para ser crucificado. Esta é a consumação da infâmia à qual Pilatos miseravelmente consentiu. Ele abandona Barrabás aos seus lictores, cuja libertação haviam solicitado, e depois entrega Jesus a eles para que o submetam ao tormento da cruz. Mas por que, antes disso, mandou açoitar o divino Mestre? Há duas conjecturas principais sobre este ponto. Para compreendê-las adequadamente, é preciso saber que, segundo o código penal romano, o açoite podia ser infligido sob três condições distintas: 1) como meio de extrair uma confissão do acusado: isso era chamado de tortura; 2) como punição propriamente dita, menos severa que a pena de morte; 3) como parte integrante da crucificação? Dito isso, e visto que nada na narrativa do Evangelho indica que Jesus foi açoitado para forçá-lo a confessar os supostos crimes, podemos formular as seguintes hipóteses: Ou o açoite foi, na intenção de Pilatos, uma forma de tortura que concluiria o julgamento e além da qual o governador não se deixaria envolver na violência dos judeus; Ou talvez tenha sido apenas um terrível prelúdio para a morte na cruz. São Jerônimo apoia esta segunda visão quando escreve: "Pilatos estava simplesmente cumprindo a lei romana, que ordenava que aquele que seria crucificado fosse açoitado primeiro" (Comentário em hl). São João Crisóstomo e Santo Agostinho (Tratado 116) favorecem a primeira opinião. "O único objetivo de Pilatos era, sem dúvida, aplacar a fúria dos judeus com o espetáculo de seus tormentos, forçá-los a declarar-se satisfeitos e impedi-los de levar sua crueldade ao ponto de matá-lo." E esta, acreditamos, é de fato a impressão que emerge da narrativa de São João, capítulos 18 e 19, onde vemos que Pilatos buscava, na flagelação de Nosso Senhor, apenas um novo expediente para salvá-lo, um novo meio de despertar a piedade dos judeus. Em todo caso, o divino Mestre foi cruelmente açoitado. «Jesus é então entregue aos soldados para ser açoitado; e eles dilaceram com chicotes este corpo santíssimo, este peito divino.» Tudo isso aconteceu porque está escrito: «Muitos açoites estão reservados aos pecadores» (Salmo 32:10), e este açoite nos livra deles, pois a Escritura diz ao justo: «O mal não chegará a ti, nem o açoite à tua tenda« (São Jerônimo em hl – Flagelar. Quantas torturas terríveis estão contidas nesta simples palavra: Horácio, com razão, chama a flagelação de "um castigo horrível". O condenado, após ter a parte superior do corpo despida, era amarrado a uma coluna baixa, de modo a curvar as costas; assim, ficava exposto a toda a força dos golpes. Os lictores, ou, na falta deles, os soldados, armavam-se então com varas flexíveis, bastões ou chicotes feitos de tiras de couro, por vezes com aguilhões, por vezes com ossos de junta ou bolas de chumbo; então, golpeavam a infeliz vítima com toda a sua força. O sangue jorrava, a carne voava em pedaços; logo a vítima caía inconsciente aos pés dos seus executores, que, no entanto, continuavam o seu trabalho brutal. O número de golpes não era limitado por nenhuma lei entre os romanos; tudo a este respeito ficava ao critério dos lictores. Frequentemente acontecia que, quando paravam, exaustos, não encontravam nada além de um cadáver horrivelmente desfigurado. (Veja a descrição de uma flagelação em Cícero, In Verrem, 5; cf. Filo, em Flacc. § 10). Tal foi o tormento suportado por Nosso Senhor Jesus Cristo. Como um criminoso comum, foi amarrado a uma pequena coluna venerada em Jerusalém desde o século IV e que mais tarde foi transferida para Roma, para a igreja de Santa Praxedes (veja a erudita Memória de M. Rohault de Fleury sobre os Instrumentos da Paixão, p. 264 e ss.). Seu corpo divino foi dilacerado por inúmeros golpes de chicote; seu sangue jorrou profusamente. Mas eles permaneceram sem piedade. Como feras que, tendo provado sangue, o desejam até se saciarem, também eles ficaram cada vez mais sedentos: a crucificação foi necessária para saciar sua sede feroz. Ele entregou-o a eles.. Contudo, Pilatos não consentiu imediatamente com a crucificação de Jesus. Veremos no Evangelho de João 14:4-16 que, após a flagelação, ele ainda tentou salvá-lo da morte. Além disso, não o entregou diretamente aos judeus, mas aos soldados da guarnição, que eram os únicos responsáveis por executar a sentença.
27, 27-30. Paralelo. Mc. 15, 16-19; João 19, 2-3.
Mt27.27 Os soldados do governador levaram Jesus para o Pretório e reuniram toda a coorte ao seu redor. — «Não bastava, então, que tantas atrocidades já tivessem sido cometidas contra o Filho de Deus? E, uma vez que Ele foi finalmente condenado à morte, era necessário acrescentar à injustiça e à severidade dessa sentença insultos tão amargos e crueldades tão bárbaras? Parece», diz São João Crisóstomo, “que todo o inferno foi desencadeado naquele triste dia e deu o sinal para incitar todos contra Jesus Cristo. Pois já não são os judeus, nem os principais sacerdotes, nem os escribas e fariseus que poderiam ter razões ocultas e particulares para odiar este divino Salvador; já não são, digo eu, aqueles que O perseguem; mas são os soldados de Pilatos, pagãos e estrangeiros, que O fazem seu brinquedo, preparando-O para o tormento e a ignomínia da cruz com a mais grotesca zombaria e todas as desumanidades inspiradas por sua brutal ferocidade”, Bourdaloue, Exortação sobre a Coroação de Jesus Cristo. Imediatamente após a flagelação, os soldados de Pilatos que serviam como lictores cobriram Jesus com suas vestes e o conduziram ao pretório. tribunal Este local designava o quartel-general dos oficiais romanos que recebiam comando militar. Como a autoridade de Pilatos era tanto militar quanto civil, sua residência era sempre e em todo lugar chamada de Pretório. Vimos (cf. a nota do versículo 2) que o procurador então residia na cidadela Antônia, a noroeste do Templo, que também servia de quartel para suas tropas. Toda a coorte. Os soldados bárbaros, querendo se divertir às custas da vítima que acabavam de lhes ser entregues, reuniram a coorte ao seu redor, ou seja, os quinhentos ou seiscentos homens que formavam a guarnição habitual de Jerusalém.
Mt27.28 Depois de lhe tirarem as roupas, lançaram sobre ele um manto escarlate. Então, uma cena cruel se desenrolou. Primeiro, Jesus foi despojado de sua túnica exterior mais uma vez; depois, não um pedaço de púrpura, como tantas vezes se repete, mas uma clâmide escarlate, de acordo com a descrição precisa de São Mateus, foi jogada sobre seus ombros. Este era o nome dado a uma capa feita de lã grossa, tingida de vermelho (cf. Plínio, História Natural 22, 2, 3), que os soldados romanos usavam sobre suas armaduras. Era um pedaço de tecido quadrado ou retangular no qual a pessoa se envolvia de diversas maneiras. Um broche ou fivela a prendia no ombro esquerdo ou abaixo do pescoço.
Mt27.29 Trançaram uma coroa de espinhos e a colocaram em sua cabeça. Também lhe puseram uma cana na mão direita e, ajoelhando-se diante dele, zombaram, dizendo: "Salve, Rei dos Judeus!"« – Agora entendemos o objetivo dos soldados. «Eles tinham ouvido que Jesus assumira o título de rei e, para zombar dessa realeza, que consideravam sua, planejavam conceder-lhe, com uma espécie de cerimônia e pompa, todas as honras que lhe eram devidas e observar em relação a ele todas as práticas costumeiras para com os reis», Bourdaloue, 11. Já haviam vestido o Salvador com o manto real; agora coroavam-lhe a testa. Mas era um diadema severo que Jesus tinha de usar. Equipados com luvas, os soldados o teceram às pressas com alguns ramos flexíveis colhidos de um daqueles arbustos espinhosos que abundam na Palestina. Seria interessante saber exatamente que tipo de espinhos foram usados para esse propósito cruel, mas, nesse ponto, estamos reduzidos à conjectura. O naturalista sueco Hasselquist defendeu o uso do Nabk ou Nabek, cujos ramos flexíveis, cobertos de espinhos afiados, seriam ainda mais adequados ao propósito dos soldados, pois suas folhas verde-escuras se assemelham muito às da hera: sendo a hera usada para fazer coroas triunfais, a ironia teria sido sangrenta de qualquer forma. Já com o "Rhamnus paliurus", comumente chamado de "Spina Christi", seria difícil formar um diadema adequado, pois seus ramos não são muito flexíveis. Mas, como explica M. Rohault de Fleury (LC, p. 202 e ss.), com base em relíquias autênticas da Santa Coroa, ele poderia muito bem ter sido usado para fazer uma espécie de gorro espinhoso que cobriria e rasgaria toda a cabeça de Jesus. Na cabeça dele. Grotius, contemplando em espírito a cabeça divina do Salvador assim coroada de espinhos, fez uma bela comparação: «A maldição começou nos espinhos, Gênesis 3:18, e terminou nos espinhos. O lírio entre os espinhos, Cântico dos Cânticos 2:2.» Uma cana em sua mão direita. Juntamente com a capa e a coroa, era necessário um cetro simulado para completar as insígnias reais. Uma cana grossa e resistente, provavelmente uma cana cipriota semelhante àquelas que chamamos de juncos espanhóis, servia a esse propósito. Dobrar o joelho. Quando o rei foi revestido com todas as suas vestes reais, ocorreu a cerimônia de homenagem, que era uma caricatura grotesca dos costumes prescritos para tais casos. 1. Os soldados ajoelharam-se ironicamente diante de Jesus; 2. Eles o saudaram, dizendo em tom zombeteiro: Salve, Rei dos Judeus. Ele era de fato rei, apesar do escárnio amargo deles.
Mt27.30 Eles também cuspiram em seu rosto e, pegando a cana, golpearam-no na cabeça. – 3. Cuspiram em seu rosto, substituindo por esse insulto grosseiro o beijo costumeiro nessas circunstâncias, segundo o costume oriental. 4. Arrancando-lhe o cetro de junco, golpearam-no violentamente na cabeça, espalhando os espinhos em todas as direções. Mas, embora desprezassem, degradassem e profanassem a dignidade real do Deus-Homem o máximo que pudessem, apesar de si mesmos, e em certa medida por causa deles, essa dignidade foi estabelecida e reforçada. Além disso, não recebeu Jesus esse tratamento indigno com a nobreza e a dignidade de um rei? – A história oferece apenas raros exemplos de ultrajes comparáveis aos que essa vil tropa infligiu a Nosso Senhor Jesus Cristo, persistindo Pilatos em sua covarde tolerância. Dio Crisóstomo, 4, p. Capítulo 69, narra a história de um criminoso condenado à morte, a quem os persas colocaram em um trono real e o cobriram de insultos antes de executá-lo. Filo, em Flacc. O parágrafo 6 também relata uma cena semelhante, porém menos cruel, que ocorreu em Alexandria pouco depois da morte do Salvador. Os habitantes pagãos da cidade aproveitaram a visita de Herodes Agripa I para zombar dele e de todos os judeus, dos quais ele era rei. Capturaram um louco, vestiram-no com ornamentos irrisórios que imitavam as insígnias da realeza, formaram uma guarda real para ele armada com varas em vez de lanças e, ironicamente, prestaram-lhe toda a homenagem que os reis normalmente recebem. Queriam demonstrar, com essa exibição, seu desprezo pela realeza de Herodes. Os soldados de Pilatos, de maneira semelhante, mas com muito mais brutalidade, demonstraram seu desprezo pela autoridade real do Filho do Homem.
27, 31-34. Paralelo. Marcos 15, 20-23; Lucas 23, 26-32; João 19, 16-17.
Mt27.31 Depois de zombarem dele dessa maneira, tiraram-lhe a capa, vestiram-lhe novamente as suas próprias roupas e o levaram para ser crucificado. – João 19:4 e seguintes narram a cena do Ecce Homo, na qual o procurador fez uma última tentativa de despertar a compaixão do povo e obter a libertação de Jesus. Mateus omite deliberadamente essa cena, passando imediatamente para a trágica conclusão da Paixão. Ele nos mostra os soldados removendo o manto que servira de púrpura ao Salvador, cobrindo-o com sua túnica e conduzindo-o ao Calvário. Aqui, então, começa a Via Sacra, cujo caminho deve ter sido tão doloroso para Nosso Senhor Jesus Cristo após as torturas que já havia sofrido desde a noite anterior. Um centurião a cavalo, encarregado da execução (Tácito o chama de "Exactor mortis"; Sêneca: "Centurio supplicio praepositus"), abre o caminho. Um arauto segue atrás, proclamando o crime do condenado. Atrás dele, o divino crucário (nome clássico para os crucificados) arrasta-se penosamente, carregando o pesado instrumento de sua tortura: está cercado pelos soldados que o prenderão à cruz e o guardarão até a morte. Os dois ladrões, que foram escolhidos para executá-lo junto com ele, seguem atrás, também carregando suas cruzes e acompanhados por seus executores. De ambos os lados, e especialmente atrás, uma multidão ruidosa avança, proferindo humilhações e insultos contra Jesus.
Mt27.32 Ao saírem, encontraram um homem de Cirene chamado Simão, a quem obrigaram a carregar a cruz de Jesus.– Enquanto eles saíamEsta palavra não pode se referir à saída do pretório, visto que foi mencionada no final do versículo anterior. Portanto, representa, como a maioria dos exegetas concorda, o momento em que a procissão passou pelo portão da cidade que levava ao Gólgota. De fato, de acordo com a lei judaica, cf. Números 15:35 e seguintes; 1 Reis 21:13; Atos dos Apóstolos 7, 58; da mesma forma, de acordo com o costume romano (cf. Cícero em Verr. 5, 66; Plauto Mil. Gl. 2, 4, 6), as execuções sempre ocorriam fora das cidades. Um homem de CireneEstávamos saindo dos muros de Jerusalém quando encontramos Simão de Cirene. Seu sobrenome indica que ele era da Cirenaica, uma província na costa do norte da África, onde Ptolomeu Lagos havia estabelecido, com consideráveis privilégios, uma colônia de cem mil judeus (ver Josefo, capítulo 2:4). Tudo sugere (ver Marcos 15:21 e o comentário) que ele vivia em Jerusalém naquela época. Mas é improvável que ele já fosse cristão e que os soldados o tivessem imposto, por esse motivo, o trabalho forçado mencionado pelo evangelista, como se quisessem ter prazer malicioso em fazer um dos discípulos do Mestre carregar a sua cruz (Grotius e Kuinoel). Seria, no entanto, surpreendente se ele não tivesse se convertido ao cristianismo posteriormente. cristandadeSão Marcos, no século XI, menciona seus dois filhos como cristãos renomados em Jerusalém, e os antigos martirológios o incluem entre os santos (ver Ricardo, Dicionário de História, vol. 5, p. 92). Eles os forçaram.Explicamos acima, em 5.41, a origem do verbo "requisição", que significa compelir. Os soldados romanos logo difundiram seu significado por todo o império, especialmente na Judeia (cf. Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas 20.3.4), onde gostavam de submeter todos a "trabalho forçado à vontade". Que alegria para eles, na presente circunstância, fazer um judeu carregar um fardo em um feriado solene! Carregar a cruz. Mas por que se desviaram desta vez do costume mencionado anteriormente, segundo o qual era dever do condenado carregar a sua cruz até o local da execução? Seria antinatural supor, nesses corações que haviam esquecido a piedade, um sentimento de compaixão por Jesus. Se o aliviaram do seu fardo, foi antes por medo de ver a sua vítima morrer antes de chegar ao topo do Calvário. É fácil compreender que Nosso Senhor, exausto pelos sofrimentos de toda espécie que suportou durante cerca de dez horas, não tinha forças para subir a encosta do Gólgota com a cruz nos ombros. A tradição fala, com razão, das suas repetidas quedas. Quando os soldados o viram no limite das suas forças, no ponto mais difícil do caminho, aliviaram-lhe a cruz e, vendo Simão de Cirene a aproximar-se da procissão, incumbiram-no da tarefa de a carregar até ao Calvário. Uma função humilhante em si mesma, mas gloriosa nesta ocasião: foi ela quem imortalizou o nome do humilde cireneu.
Mt27.33 Então, tendo chegado ao lugar chamado Gólgota, isto é, o lugar da Caveira, – No lugar chamado Gólgota. A pronúncia correta desta palavra em aramaico era Goulgoltha; em hebraico puro, seria Goulgoleth. Sua etimologia é Galal, rolar; seu significado é bem indicado na tradução dada por São Mateus, São Marcos e São João: a localização do crânioMas São Lucas é mais preciso ao traduzi-lo simplesmente como "o crânio". – Qual foi a origem desse nome peculiar? Vários exegetas, incluindo São Jerônimo, Beda, o Venerável, Rosenmüller, Baumgarten-Crusius, Berlepsch, etc., pensaram que o nome se referia ao terreno onde Nosso Senhor foi crucificado, por ser o local habitual para execuções capitais em Jerusalém. As objeções pertinentes a essa interpretação são: 1) que os antigos não tinham, como nós, locais fixos para executar criminosos; eles escolhiam um lugar ou outro, dependendo das circunstâncias; 2) que, se essa opinião estivesse correta, os evangelistas teriam usado o plural, e não "o lugar do crânio" no singular. São Cirilo de Jerusalém já havia proposto outra opinião, muito mais natural, que é adotada hoje pela maioria dos comentaristas. O nome Gólgota, ou Calvário, como dizemos segundo a Vulgata, deriva simplesmente da forma da rocha que outrora se erguia no local da morte do Salvador. Houve uma terceira opinião, mencionada por vários Padres da Igreja (cf. Orígenes em Mateus 11:1; Santo Atanásio em Lucas 22:33; Santo Ambrósio em Lucas 10, etc.), segundo a qual Gólgota recebeu esse nome porque Adão foi originalmente sepultado ali. "Ouvi falar de uma antiga tradição segundo a qual Cristo foi crucificado no local onde o corpo do primeiro homem, Adão, foi sepultado; assim, como cada homem morre em Adão, cada um receberá a vida em Cristo", escreveu Orígenes. Mas São Jerônimo não hesitou em descartar essa tradição como uma lenda: "Agrada aos ouvidos do povo, mas não é verdade". É daí, pelo menos, que se origina o antigo costume de colocar dois ossos cruzados, encimados por um crânio, abaixo do crucifixo. – O Gólgota localizava-se fora de Jerusalém (cf. v. 32; 28:11; Hebreus 13:12), embora próximo aos muros da cidade (cf. João 19:20). O fato de o local da morte e sepultamento de Jesus ser agora venerado dentro dos próprios muros da capital judaica deve-se a uma terceira série de fortificações e muralhas, construídas alguns anos após a Paixão por Herodes Agripa, que abrangiam o Calvário juntamente com toda a parte noroeste de Jerusalém (cf. Flávio Josefo). A Guerra Judas 5:4:2, e compare as plantas da Jerusalém antiga e moderna. – A autenticidade do Gólgota tradicional, que tem sido vigorosamente contestada com base na topografia, foi respondida com a alegação de que a tradição relativa à localização do Calvário permanece legítima e inabalável. Não é nossa intenção relatar os detalhes desse sério debate. Vale ressaltar que vários desses defensores do Gólgota e do Santo Sepulcro são protestantes.
Mt27.34 Deram-lhe para beber vinho misturado com fel, mas depois de prová-lo, ele recusou-se a bebê-lo.“Deem bebida forte ao que está perecendo, e vinho ao que está de alma amargurada; que ele beba e se esqueça do seu sofrimento.” pobrezae que ele não se lembre mais de suas tristezas.” Deste trecho de Livro de ProvérbiosDe acordo com os versículos 31, 6 e 7, entre os judeus, na antiguidade, surgiu o costume de oferecer aos prisioneiros condenados, no momento em que a tortura estava prestes a começar, um cálice cheio de uma bebida potente que, ao intoxicá-los parcialmente, os tornava menos suscetíveis à violência das torturas. Geralmente era uma mistura composta de vinho forte e mirra ou incenso: sua propriedade de entorpecer ou mesmo paralisar a mente lhe valeu o nome significativo de "sopor" entre os romanos. Em Jerusalém, as damas da mais alta nobreza reservavam para si o privilégio de prepará-la. É a essa prática que São Mateus alude, juntamente com São Marcos (15:23). No entanto, enquanto este último evangelista fala claramente de "vinho de mirra", o primeiro usa expressões que, se tomadas literalmente, sugeririam menos um alívio do sofrimento de Jesus do que um novo insulto adicionado a todos os que ele já havia suportado. "Deram-lhe para beber vinho misturado com fel", ou mesmo, segundo o texto grego Recepta, "vinagre misturado com fel". Mas, além do fato de que a maioria das versões e muitos manuscritos usam "vinum", como a Vulgata, é preciso lembrar que a mesma palavra grega pode representar tanto vinho quanto vinagre, assim como mirra pode se referir a todas as substâncias amargas. Portanto, não é impossível relacionar o relato de São Mateus ao de São Marcos nesse ponto. Um vinho misturado com amargor não é muito diferente de um vinho misturado com mirra. Além disso, São Mateus parece ter pretendido, ao escrever essa passagem, aludir ao Salmo profético 69, onde se diz, no versículo 21: "Colocam fel na minha comida e, para a minha sede, dão-me vinagre para beber". Ele terá sacrificado a precisão perfeita em prol do desejo de estabelecer um paralelo marcante. Quando ele o provou. Jesus apenas molhou seus lábios ressecados na bebida que mãos amigas haviam preparado para ele. Mas isso foi tudo: Ele não queria beber. Entendemos a razão por trás de sua recusa. Aquele que vem redimir a humanidade por meio de seu sofrimento deseja suportar o tormento supremo sem a menor mitigação, com a consciência plena e completa. Que outros se contentem com as misturas que entorpecem a mente e os sentidos: Cristo precisa ter todas as faculdades de sua alma perfeitamente vivas enquanto se sacrifica por nós. É por isso que ele rejeita o cálice de vinho aromatizado oferecido por pessoas bem-intencionadas, que desconhecem sua verdadeira natureza e seu verdadeiro papel.
27, 35-50. Paralelo. Marcos 15, 24-37; Lucas 23, 33-46; João 19, 18-30
Mt27.35 Depois de o crucificarem, dividiram entre si as suas vestes, lançando sortes, para que se cumprisse o que fora dito pelo Profeta: "Dividiram entre si as minhas vestes e lançaram sortes sobre a minha túnica."«A simplicidade com que os Evangelistas narram as cenas profundamente comoventes da Paixão do Filho de Deus tem sido frequentemente admirada. É um claro testemunho de sua perfeita imparcialidade. Suas narrativas não seriam mais insípidas se fossem relatórios oficiais emitidos por Pilatos ou seus subordinados. Não há um único epíteto que pretenda expressar ou incitar indignação contra os executores ou compaixão para a vítima. Não se tenta chegar a nenhuma conclusão doutrinária. Os autores simplesmente relatam os fatos… Apresentaram ao mundo o drama do Calvário como o viram. Cada nova geração contempla, através de uma atmosfera clara e límpida, a imagem do Crucificado, desvelada por qualquer véu formado pela retórica do sentimentalismo. Gostaríamos, no entanto, de encontrar no Evangelho alguns detalhes sobre a crucificação do Salvador. Os autores sagrados não fornecem nenhum, porque presumiam que o castigo da cruz, tão comum naquela época, era bem conhecido por todos os seus leitores. Felizmente, é fácil preencher essa lacuna, graças aos abundantes dados da arqueologia. Falaremos primeiro da cruz, depois da crucificação. – 1 A Cruz. Este antigo e doloroso instrumento de tortura recebeu as mais variadas formas ao longo da história. Originalmente, um simples poste ao qual o condenado era amarrado, logo adquiriu uma aparência completamente nova graças à adição de uma travessa. Assim, dependendo de como essa travessa era fixada à haste original, surgiram três tipos de cruzes. A primeira, mais conhecida como Cruz de Santo André, tinha a forma de um X; a segunda, por vezes chamada de Cruz de Santo Antônio, assemelhava-se à letra T; a terceira diferenciava-se da segunda apenas por uma ligeira projeção da haste principal acima da travessa: esta é a cruz latina com a qual estamos familiarizados desde a infância. Se os antigos monumentos da arte cristã deixam a questão em aberto, é porque a cruz do segundo tipo alterna com a do terceiro. Os Padres da Igreja comparam a cruz do Salvador a um homem nadando ou a um pássaro voando (São Jerônimo, em Marcos, cap. 11), a Moisés orando com os braços estendidos (São Justino Mártir, Diálogo com Trifão, cap. 90; cf. Atas de Félix, outubro, cap. 29), ao estandarte romano (Tertulo, Apologia, cap. 16), aos quatro pontos cardeais (São Máximo de Turim, De cruce Dom. hom. 3) e a um anzol (São Gregor, Illum. ap. Spicil. Solesm., t. 1, p. 500). A tábua fixada acima da cabeça do Salvador, cf. v. 37, teria transformado uma cruz em forma de T em uma cruz latina. As cruzes geralmente eram bem pequenas: tinham, no máximo, o dobro da altura de um homem. Sabemos, pelo testemunho de outros povos antigos, que o corpo do enfermo ficava perto o suficiente do chão para que animais selvagens o devorassem. Cf. Suetônio, Nero, 49. [Por outro lado, foi necessária uma lança para transpassar o coração de Jesus quando os soldados quebraram as pernas dos dois ladrões. Uma vez quebradas as pernas, os crucificados não conseguiam mais respirar se impulsionando para cima e morriam por asfixia muito mais rapidamente. A crucificação é uma morte por asfixia lenta. Quanto mais os pés são pregados, menor é a amplitude de movimento e manobra que a pessoa crucificada tem para se erguer e encher os pulmões de ar. A suspensão pelos pregos nos pulsos causa espasmos musculares. Cf. Pierre Barbet, *A Paixão de Jesus Cristo Segundo o Cirurgião*, edições Médiaspaul. – 2. A Crucificação. Os soldados encarregados da execução, cf. Sêneca.] Segundo Ira, 1, 17, e Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas 19, 1, 6, os condenados eram primeiro despidos de suas roupas: essa era a regra, cf. Artemidoro, Oneirocrito 2, 58, e a tradição supõe que o mesmo procedimento era realizado para Nosso Senhor Jesus Cristo, assim como para outros condenados. A nudez era completa? Pode-se afirmar que o véu respeitosamente colocado sobre os lombos de Jesus crucificado não é uma mera ficção da arte cristã? Ele é mencionado no Evangelho apócrifo de Nicodemos, capítulo 10; e seu uso era exigido pela etiqueta judaica, cf. trans. Sanhedrin, capítulo 6, 3, e até mesmo pela etiqueta romana, cf. Horácio, Carta 1, 11, 18; Santo Agostinho, De Civica Dei 14, 17; Dionísio, Halicarnasso 7, 72. Após o condenado ser despido de suas vestes, a crucificação ocorria. A haste da cruz, a parte vertical, era fixada no chão previamente e ali permanecia permanentemente. A parte horizontal, a viga de madeira carregada por Jesus e Simão de Cirene durante a Via Sacra, era então colocada no chão, e os pregos eram cravados nos pulsos do condenado. A viga era então içada ou colocada sobre a viga vertical. Em autores antigos, encontramos frequentemente estas expressões: subir na cruz, colocar na cruz, içar para a cruz. Atanásio diz em seu sermão sobre a Paixão: ele chegou ao lugar onde deveria subir na cruz. E Hilário em a Trindade, Livro 10: Ele foi erguido na madeira. São Boaventura, Rodolfo e Tolet compartilham dessa opinião. – As mãos foram fixadas à madeira da cruz por meio de enormes pregos, vários exemplos dos quais são citados por M. Rohault de Fleury em sua memória sobre os Instrumentos da Paixão, p. 172 e seguintes. Os pés foram então perfurados da mesma maneira. É nessa operação e em suas consequências horríveis que, propriamente falando, consistiu a atrocidade da crucificação, diz Tertuliano, adv. Marcos 3:19. Surgiu um debate duplo a respeito da maneira como os pés divinos do Salvador foram presos à cruz. 1. Vários racionalistas (Paulo, von Ammon, etc.) afirmam que eles não foram pregados, mas simplesmente amarrados com cordas. Eles citam como prova de sua afirmação uma passagem de São João 20:25, onde Nosso Senhor, falando de suas feridas, menciona apenas as de suas mãos e lado, e não as de seus pés. Mas nós os refutamos com a autoridade do próprio Cristo, segundo o relato em São Lucas 24:39 e seguintes: «Vejam as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo. Toquem-me e vejam; pois um espírito não tem carne nem ossos, como vocês veem que eu tenho…» Depois de dizer isso, mostrou-lhes as mãos e os pés. Também os contestamos com o testemunho unânime da tradição (cf. em particular São Justino Mártir, c. Triph. 97; Tertull, c. Marcion. 3, 19; C. Cipriano, etc.), que vê na crucificação do Salvador o cumprimento da famosa profecia: «Traspassaram-me as mãos e os pés», Salmo 22:17. Finalmente, contestamos-os com o seguinte texto de Plauto, Mostell. 2, 1, 13: «Darei um talento ao primeiro que subir ao cadafalso, mas com a condição de que suas mãos e pés sejam pregados duas vezes». A partir dessa oferta singular, fica evidente que o costume antigo era pregar os pés, assim como as mãos, na cruz; o aspecto extraordinário do pedido reside no fato de que exigiria que cada membro fosse perfurado por dois pregos. Além disso, nossos oponentes expõem suas verdadeiras intenções quando acrescentam que, como a morte de Jesus foi apenas aparente, não é surpreendente que ele pudesse usar seus pés tão rapidamente. Se cordas destinadas a prender os culpados à cruz são mencionadas em vários lugares (cf. Plínio, História Natural 28, 11; Xenaeus, Efésios 4, 2, etc.), isso prova que elas eram frequentemente usadas em conjunto com os pregos. Para maior conveniência, as mãos e os pés eram amarrados juntos antes de serem perfurados. Santo Hilário reúne "as correntes das cordas que o prenderam e as feridas dos pregos que o perfuraram". – 2. A segunda discussão diz respeito ao número de pregos usados para fixar os pés do Salvador na cruz. O estudo do Santo Sudário indica que um único prego prendia os dois pés juntos, com o esquerdo pressionado contra o direito por uma torção violenta (cf. Maria Grazia Siliato, Contra-Inquérito ao Santo Sudário, Paris, 1998, Plon/Desclée de Brouwer, p. 244). Em um poema falsamente atribuído a São Gregório de Nazianzo, "Christus patiens", v. 1463 e seguintes, a cruz é chamada de "madeira com três pregos", o que sugere que os dois pés foram colocados um sobre o outro e perfurados por um único prego, como se vê em muitos crucifixos. A paráfrase de Nono em João 19:91 parece atestar o mesmo fato, embora em termos um tanto obscuros.
– Por vezes, questiona-se se escultores e pintores têm razão em representar o divino Crucificado com a coroa de espinhos na cabeça. Os autores antigos que abordaram essa questão dão uma resposta afirmativa, por exemplo, Orígenes, em Mateus 11, e Tertuliano, contra Judeu, capítulo 13. O Evangelho de Nicodemos 1:10 também relata que os soldados, depois de despir Jesus de suas vestes, colocaram um pano em sua cintura e recolocaram seu doloroso diadema em sua cabeça. Era, além disso, natural que o "Rei dos Judeus" fosse crucificado pelos romanos com esse atributo de sua realeza.
– Eles dividiram as roupas dele entre si.. Quando os soldados terminaram sua tarefa horrível, imediatamente dividiram entre si as roupas da vítima, as quais, de acordo com a lei (Digesto 48, 206, De bonis damnatorum, l. 6), foram entregues aos executores. Eram quatro: portanto, dividiram-nas em quatro partes. Eles serão sorteados. Como as porções eram necessariamente desiguais, foi escolhido um sorteio para decidir a parte de cada pessoa. Cf. João 19:23-24. Para que isso seja realizado …Essas palavras e o final do versículo são omitidos por muitos manuscritos gregos e latinos, por diversos Padres da Igreja e por várias versões; consequentemente, a maioria dos críticos os rejeita do texto como apócrifos. Provavelmente trata-se de uma glosa marginal extraída de João 19:24 e inserida no texto de Mateus por um copista. Pelo profeta. A citação é extraída do Salmo 21 (vulgação, Salmo 22 em hebraico), versículo 19; foi feita de acordo com a Septuaginta.
Mt27.36 E, depois de se sentarem, ficaram vigiando-o. – Uma vez concluída a divisão do corpo, os executores sentavam-se aos pés da cruz para guardar Nosso Senhor Jesus Cristo. Este costume de ficar de guarda ao lado do crucificado até a sua morte é mencionado por autores clássicos; cf. Petrônio, Sátiras 3.6; Plutarco, Vida de Cleom. 38. O seu propósito era impedir que parentes ou amigos do condenado o retirassem da cruz numa tentativa de salvá-lo. Flávio Josefo relata, em Vida 75, que um de seus amigos foi libertado desta forma e ressuscitou. A crucificação não causava a morte diretamente, pois o sangramento estancava rapidamente devido ao inchaço das partes perfuradas pelos pregos. A vítima, portanto, muitas vezes permanecia na cruz por dias inteiros antes de dar o último suspiro. Cf. Petrônio, loc. cit.; Eusébio, História Eclesiástica 8, 8. Os soldados não o deixavam sozinho por um só instante.
Mt27.37 Acima de sua cabeça, colocaram uma placa indicando o motivo de sua execução: "Este é Jesus, o Rei dos Judeus".« – Eles colocaramDiversos exegetas acreditam que o tempo perfeito deve ser interpretado como mais-que-perfeito, pois presumem corretamente que a tábua já havia sido fixada na cruz antes do sorteio das vestes de Jesus. Outros, pela mesma razão, chegam a afirmar que houve, nessa passagem, uma transposição dos versículos devido à falta de habilidade dos copistas: a ordem original seria vv. 33, 34, 37, 38, 35, 36, 39. Por fim, M. Fouard, em *A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo*, p. 122, conjectura que, na pressa com que Jesus foi condenado e levado à execução, a inscrição foi inicialmente esquecida: Pilatos só teria se lembrado dessa formalidade legal mais tarde, e o documento não teria chegado ao Calvário antes do término da crucificação. As duas últimas hipóteses nos parecem improváveis; A primeira tradução é mais natural, mas não é de modo algum necessária, visto que pode muito bem ser traduzida usando o pretérito perfeito: quando a crucificação era concluída, os soldados colocavam a inscrição na cruz, acima da cabeça do crucificado. Era uma pequena placa, geralmente caiada com gesso, e chamada em linguagem jurídica de "titulus" ou "elogium" pelos latinos, cf. Lucas 23:38. A descrição do crime do condenado era escrita nela de forma abreviada. Muitas vezes era carregada à frente do condenado ou pendurada em seu pescoço enquanto ele era conduzido do pretório para o local da execução. Era quase sempre escrita em preto, às vezes em vermelho. Sabemos, cf. Lucas 2338, que a inscrição de Jesus Cristo foi escrita em três línguas, em grego, latim e hebraico, para que todos pudessem entendê-la. Ela varia nos quatro Evangelhos, embora seja a mesma em todos eles, em essência. Segundo São Mateus, ela expressava: 1) o nome do culpado (este é Jesus), 2) a natureza do seu pecado (o Rei dos Judeus). Rei dos Judeus, isto é, aquele que se autodenomina Rei dos Judeus; este era um crime de lesa-majestade romana.
Mt27.38 Ao mesmo tempo, dois ladrões foram crucificados com ele, um à sua direita e o outro à sua esquerda. – Depois que Jesus foi pregado na cruz, ou melhor, durante sua própria crucificação, já que cada condenado tinha um esquadrão especial de soldados responsável por sua execução. Dois ladrões. O substantivo grego se refere mais a bandidos do que a ladrões comuns. Os dois ladrões crucificados com Jesus estavam, sem dúvida, entre os bandos que, segundo o historiador Flávio Josefo (Antiguidades Judaicas 16.10.8; 20.8.10; A Guerra Judaica 2.12-13), infestavam a Palestina naquela época, e um número considerável deles foi condenado à crucificação sob o governo de Félix; talvez, como às vezes se sugere, eles fossem até cúmplices de Barrabás. Veja Lucas 23:39-43 para detalhes comoventes sobre seus momentos finais. Jesus foi colocado entre eles, na posição mais humilhante possível naquela situação.
Mt27. 39 E os transeuntes o insultavam, balançando a cabeça em sinal de desaprovação. — «Uma espécie de compaixão, um respeito pelo sofrimento, costuma envolver os criminosos mais vis assim que sobem ao cadafalso; Jesus nem mesmo teve essa triste consolação.» Fouard, Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, p. 144. Três categorias de insultadores — a multidão em geral (vv. 39-40), o Sinédrio (vv. 41-43) e os ladrões (v. 44) — lançarão as palavras mais ultrajantes contra ele. É a multidão impiedosa que começa. Transeuntes Aqueles que iam para a cidade ou voltavam dela, os curiosos que ali estavam expressamente para ver o crucificado, e especialmente Jesus, etc. Esta palavra prova que Jesus foi crucificado à beira de uma estrada movimentada, de acordo com o costume romano; cf. Orações Verrinas de Cícero 5, 66; Declarações de Quitilino 274. Eles blasfemaram O verbo grego significa insultar; mas os insultos dirigidos a Jesus eram, na realidade, verdadeiras blasfêmias. Balance a cabeça em sinal de positivo. Entre os hebreus, era um gesto de escárnio e desprezo. Compare com Salmo 21:8; 109:25; Jó 16:4; Jeremias 18:16.
Mt27.40 E dizendo: «Tu que destróis o templo e o reconstrói em três dias, salva-te a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz!» – O evangelista guardou algumas das observações sarcásticas da multidão. Vocês que destroem o templo de Deus. Este insulto mordaz está ligado à afirmação de Jesus citada por São João 2:19, e recentemente trazida de volta à atenção do povo pelo testemunho das falsas testemunhas, Mateus 26:61. Salve-se. Se você é poderoso o suficiente para destruir as estruturas gigantescas do Templo e reconstruí-lo em três dias, deve ser fácil para você se libertar. Aqueles que o insultam têm pouca noção de que, em três dias, Jesus terá reconstruído o augusto templo de sua santa humanidade, que eles acabaram de destruir com tanta crueldade. Se você é o Filho de Deus. Visto que Cristo deveria ser dotado do poder de realizar todo tipo de milagres, Jesus, que reivindicou esse título, deveria ter sido capaz de descer facilmente da cruz, apesar dos pregos que o mantinham preso a ela.
Mt27.41 Os príncipes dos sacerdotes, juntamente com os escribas e os anciãos, também zombaram dele e disseram: – O evangelista preservou alguns dos sarcasmos da multidão. Esta é a segunda classe de insultadores. Era composta, segundo a menção expressa do nosso evangelista, pelos principais sacerdotes, os escribas e os anciãos, isto é, as três câmaras do Sinédrio, que vieram em grande parte para se banquetear com os sofrimentos e humilhações da sua vítima.
Mt27.42 «"Ele salvou outros, mas não pode salvar a si mesmo. Se ele é o rei de Israel, que desça agora da cruz, e creremos nele.".São Mateus nos conta sobre os comentários sarcásticos do Sinédrio, assim como fizera com os do povo. A multidão se dirigira a Jesus diretamente; como homens bem-educados, os membros do Sinédrio falavam dele na terceira pessoa, mas seus insultos só se tornavam mais mordazes. Ele salvou os outros.. Uma alusão aos numerosos milagres de cura realizados por Nosso Senhor Jesus Cristo. O próprio Sinédrio admite, portanto, que o Salvador operou verdadeiros prodígios: esta é uma preciosa admissão que colhemos de seus lábios para refutar os racionalistas. «Até mesmo os escribas e fariseus’, diz São Jerônimo, no parágrafo 111, «reconhecem, apesar de si mesmos, que »ele salvou outros«». Então o santo Doutor acrescenta, refutando os inimigos de Cristo com a continuação de seu insulto: “Seu próprio juízo, portanto, os condena, pois, se ele salvou outros, poderia ter se salvado a si mesmo, se assim o quisesse”. Se ele for o rei de Israel Ou seja, se ele é o Messias, uma de cujas principais prerrogativas seria governar a nação de Israel. Cf. 2:18. O Sinédrio, além disso, toma emprestado esse sarcasmo da recente afirmação de Jesus, cf. 26:64, e da própria inscrição que todos podiam ler acima de suas cabeças, v. 37. Ironicamente, pedem a Jesus o milagre deslumbrante que a multidão já havia exigido momentos antes. Em troca, prometem crer nele e reconhecê-lo como o Messias, o Filho de Deus. Citemos novamente São Jerônimo: "Uma falsa promessa: pois o que é maior, descer da cruz ainda vivo ou ressuscitar do túmulo depois de morto? No entanto, foi isso que ele fez, e eles não creram; não teriam acreditado nele mesmo se tivesse descido da cruz. Mas tais promessas custaram pouco a esses impostores. Além disso, estavam tão certos de que haviam arruinado seu inimigo e seu poder para sempre.".
Mt27.43 Ele confiou em Deus; se Deus o ama, que o livre agora, pois ele disse: "Eu sou o Filho de Deus".» Abusando das Sagradas Escrituras de maneira indigna delas, os sacerdotes e doutores judeus ousaram ridicularizar Jesus citando uma passagem do Salmo 22 (21 Vulgata), geralmente considerada messiânica. O versículo 9 deste cântico diz, segundo a Septuaginta e a Vulgata: «Ele esperou no Senhor; que o livre. Que o resgate, visto que o ama.» Distorcendo o significado, substituíram o «pois» totalmente afirmativo do texto por um irônico «se». Que o livre, se o ama. Mas, pensavam eles, certamente se recusaria a livrá-lo. Se ele a ama. O verbo hebraico correspondente significa tanto querer quanto amar. Porque ele disse… Referindo-se às declarações pessoais de Jesus, os membros do Sinédrio as mencionam para insinuar que são totalmente falsas, que Deus permitiu que ele morresse na cruz; o que não aconteceria se ele fosse realmente o Messias.
Mt27.44 Os bandidos que foram crucificados com ele o insultaram da mesma maneira. – Os bandidos Aqueles crucificados ao lado do Salvador unem suas vozes a este coro lamentoso de insultos. À primeira vista, esse plural parece contradizer o relato em Lucas 23:39 e seguintes, segundo o qual apenas um dos ladrões participou dos insultos dirigidos a Jesus; mas a reconciliação é fácil. «Poder-se-ia pensar que os dois ladrões o insultaram inicialmente; mas quando o sol se escondeu, a terra tremeu, …, um deles creu em Jesus e expiou sua recusa inicial em crer, confessando sua fé», São Jerônimo em HL; da mesma forma Orígenes, São Cirilo, São João Crisóstomo, Teofilato, etc. Poder-se-ia também dizer que São Mateus, cf. Marcos 15:32, fala em termos gerais por uma questão de brevidade: o plural seria usado por sinédoque, ou então seria um plural categórico. Esta é a opinião de Santo Agostinho, em Cons. Evang. 3, 16.
Mt27.45 Da sexta à nona hora, houve trevas sobre toda a terra. Os versículos 45-50 descrevem as circunstâncias extraordinárias que envolveram a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. A sexta hora: isto é, a partir do meio-dia. De acordo com Marcos 15:25, o Salvador já estava na cruz havia três horas. São João, de fato, relata em 19:14 que por volta da sexta hora do dia Jesus estava apenas entrando na casa de Pilatos; mas demonstraremos em outro lugar que o quarto evangelista calcula as horas aqui segundo um método específico. Havia escuridão.. Por volta do meio-dia, quando a agonia do divino Mestre começou, ocorreu repentinamente um extraordinário escurecimento do sol e da atmosfera. Essa escuridão, que os três Evangelhos Sinópticos descrevem solenemente em termos quase idênticos (cf. Marcos 15:33, Lucas 23:44), não foi resultado de um eclipse, como se observava desde os primeiros séculos da era cristã (cf. Orig. in hl; Victor Cap. de cycl. Pasch. Spicil. Solesm. 1, 297; Evang. Nicod. c. 11), visto que a lua estava cheia. Tampouco teve qualquer relação com a escuridão que geralmente precede terremotos, pois a comoção mencionada abaixo, no versículo 51, foi milagrosa. Foi um evento providencial, um verdadeiro milagre pelo qual a natureza pareceu lamentar no exato momento em que o Filho de Deus estava prestes a exalar seu último suspiro. Os homens não lhe mostraram piedade; mas o mundo inanimado demonstrou, assim, uma espécie de compaixão. Assim como a noite foi subitamente iluminada por uma nova luz no nascimento de Jesus, também o dia escureceu tristemente em seus momentos finais. Em toda a Terra. Um número considerável de exegetas, incluindo Orígenes, Maldonato, Erasmo, Kuinoel e Olshausen, acreditam que a palavra "terra" deva ser restrita aqui, como em outras passagens da Bíblia, a uma área específica, a saber, Judeia, ou pelo menos Palestina. Em contrapartida, a maioria dos Padres da Igreja e diversos comentaristas antigos e modernos interpretam a expressão literalmente. Pode-se ao menos admitir que as trevas se estenderam muito além das fronteiras da Palestina e que invadiram os confins das províncias do Império Romano. Conhecemos as famosas palavras que Dionísio, o Areopagita, teria proferido quando o céu estava assim escurecido: "O Deus da natureza sofre, e a máquina do mundo deve ruir". Tertuliano não hesitou em citar esses tempos de trevas extraordinários às autoridades romanas como um fato conhecido por todos e registrado nos arquivos públicos. "No mesmo instante", escreveu ele em sua Apologia, capítulo 1, 21, «o dia foi privado do sol, que havia chegado apenas à metade. Este prodígio foi certamente tomado por um eclipse por aqueles que não sabiam que também havia sido predito para a morte de Cristo. E, no entanto, vocês o encontram registrado em seus arquivos como um acidente mundial.» Até o nono. Por volta das três horas da tarde; a escuridão, portanto, durou até o momento da morte de Jesus.
Mt27.46 Por volta das três horas da tarde, Jesus clamou em alta voz: "Eli, Eli, lamma sabachthani, que significa: Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?"« – São Mateus prossegue relatando os momentos finais do Salvador, para destacar um aspecto doloroso de sua agonia. Sob a violenta pressão de uma angústia extremamente intensa que dilacerava sua alma, Jesus clamou e proferiu uma frase repleta de desolação. Eli, Eli Das sete últimas palavras de Cristo moribundo, esta é a única preservada no primeiro Evangelho. Ela é extraída do Salmo 22, cuja primeira parte parece ter sido escrita posteriormente por uma testemunha da Paixão. O evangelista a cita primeiro no dialeto siro-caldeu, falado na Palestina na época de Jesus e pelo próprio Jesus: isso era necessário para tornar claro o jogo de palavras do versículo seguinte. Em hebraico puro, é Lamma hazabthani em vez de Lamma sabacthani. Esta exclamação, que implica um verdadeiro abismo de dor na alma de Nosso Senhor Jesus Cristo, contém um mistério muito profundo. Como pôde o Messias declarar-se abandonado por Deus, seu Pai? Como pôde conciliar essa terrível angústia com a bem-aventurança que necessariamente deve reinar no coração de um Deus? Mas apressemo-nos a dizer, apesar das afirmações contrárias de Celso, Juliano, o Apóstata, e dos racionalistas modernos, que essa desolação nada tem em comum com o desespero. Jesus, sem dúvida, reclama, mas sua reclamação é filial e submissa. Ele apela a Deus, mas isso prova que confia nele, pois "quem pode falar com Deus, Deus deve estar com ele".
Mt27.47 Alguns dos que estavam presentes, ao ouvirem isso, disseram: "Ele está chamando Elias".« Às vezes, afirma-se (por São Jerônimo, Eutímio, etc.) que esses homens eram soldados romanos que, compreendendo apenas a primeira palavra do grito de Jesus, "Eli, Eli", supostamente, por um único engano, concluíram que o divino Crucificado estava chamando o profeta Elias. Mas como poderiam os executores de Roma conhecer Elias? Essa estranha ideia surge. Ele chama Elias de Então foi escrito por judeus. Em que sentido foi feito? Seria uma distorção ímpia e brutal do texto citado por Jesus, de modo que «o mais terrível grito de angústia que jamais ressoou na terra, a mais sagrada palavra de lamentação, teria sido zombeteiramente transformada por um espírito cheio de malícia»? Muitos exegetas pensam assim. Eles observam, com discernimento, que os judeus respeitavam demais o nome divino para se permitirem uma piada tão indigna a seu respeito. Supõem, portanto, que as palavras de Jesus foram mal interpretadas e deram origem a um mal-entendido não intencional, embora não totalmente isentas de certa malícia (cf. v. 49).
Mt27.48 E imediatamente um deles correu para pegar uma esponja, encheu-a de vinagre e, colocando-a na ponta de uma cana, ofereceu-lhe para beber. — Quase ao mesmo tempo, Jesus exclamou: "Tenho sede!". Cf. João 19:28 e seguintes. Um dos presentes, movido de compaixão, imediatamente tomou providências para saciar essa sede ardente, que era um dos maiores tormentos do crucificado. Ele pegou uma esponja.. Havia ali uma esponja, que os carrascos provavelmente usaram para limpar o sangue que os cobria: presa na ponta de um pedaço de pau, ela poderia ao menos servir para umedecer os lábios da vítima. Era a melhor maneira de matar um pouco a sede, dadas as circunstâncias. Encha com vinagre.. A bebida dos soldados romanos chamava-se "posca": às vezes era uma mistura de água e vinagre, outras vezes era vinho ruim. O homem compassivo, comovido pelo grito de Jesus, mergulhou a esponja na "posca" que ficava perto da cruz para os soldados de guarda. Tendo-a amarrado a um junco Era, segundo São João, 19, 29, um ramo de hissopo.
Mt27.49 Os outros disseram: "Deixem para lá, vamos ver se Elias vem salvá-lo."« Os outros judeus querem impedi-lo de praticar esse ato de misericórdia. Deixe para lá. Ou seja, não faça isso. Eles acrescentam ironicamente: Vamos ver se Elias virá.…Supuseram que Jesus havia invocado o profeta Elias em busca de ajuda, o qual, segundo os profetas (cf. Malaquias 4:5, 6) e o Evangelho (cf. Mateus 11:14), Lucas 1Jesus, de 17 anos, supostamente tinha o relacionamento mais íntimo com o Messias. Esses homens cruéis, portanto, afirmam maliciosamente que é melhor deixar Jesus: seu Elias certamente virá para reanimá-lo e libertá-lo.
Mt27.50 Jesus clamou outra vez em alta voz e entregou o espírito. – Um primeiro grito já havia sido mencionado anteriormente, no versículo 46. Que palavras escaparam dos lábios do Salvador ao mesmo tempo que seu último suspiro? São Mateus não diz; mas aprendemos isso no relato de São Lucas, 23:46: «Jesus clamou em alta voz: »Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.’ E, tendo dito isso, expirou.” Um grito alto. Os três Evangelhos Sinópticos fizeram questão de mencionar este detalhe extraordinário que comprova, como já haviam afirmado os Padres, que Nosso Senhor morreu livremente, por sua própria vontade. Ele entregou o fantasma. Aqui, é preciso amar, adorar e permanecer em silêncio.
27, 51-56. – Paralelo. Marcos 15, 38-41; Lucas 23, 47-49.
Mt27.51 E eis que o véu do santuário se rasgou em dois, de alto a baixo; a terra tremeu, e as rochas se fenderam, – Entre os eventos que se seguiram imediatamente à morte do Salvador, São Mateus destaca três principais: 1° Alguns fenômenos miraculosos no mundo natural e no reino dos mortos, vv. 51-53; 2° a avaliação do centurião, v. 54; 3° a conduta das santas mulheres, vv. 55-56. E aqui. Esta abertura é solene e prenuncia grandes coisas. Além disso, há muito se observa que a narrativa de São Mateus, geralmente tão calma e austeramente simples, assume subitamente um tom mais elevado nesta passagem: é poética e rítmica como um cântico de triunfo; as frases sucedem-se rapidamente, em cadência, precedidas pela conjunção. E. – O véu do temploHavia dois véus principais no Templo de Jerusalém. O primeiro ficava em frente ao Lugar Santo, separando-o do vestíbulo; o segundo ficava na entrada do Santo dos Santos. Cf. Êxodo 26:31 ss.; Levítico 16:23; Filo, Vida de Moisés 3, 6. Ambos eram muito espessos e ricamente decorados; cf. Flávio Josefo, A Guerra Judas 5:5, 4 e 5. Tudo sugere que o evangelista se referia ao segundo véu. De fato, 1. era o véu por excelência; 2. São Mateus e São Marcos se referem a ele pelo seu nome comum; 3. o símbolo se torna muito mais significativo se foi a própria entrada do Santo dos Santos que foi milagrosamente aberta. Apesar da preponderância dessas razões, D. Calmet, Hug e outros decidem a favor do primeiro véu. Lightfoot tenta resolver a questão conjecturando que ambos os véus foram rasgados ao mesmo tempo; mas sua hipótese não tem qualquer fundamento. Esse fenômeno não foi resultado do terremoto, pois o precedeu por alguns instantes: foi o primeiro dos milagres que ocorreram após a morte do Salvador. A ideia que ele expressa de forma tão dramática é fácil de compreender. O véu que tornava o santuário impenetrável a todos os olhos, exceto aos do Sumo Sacerdote, significava, segundo a bela linguagem de São Paulo (Hebreus 9:8), que o caminho para o verdadeiro santuário permanecia fechado enquanto o primeiro tabernáculo existisse. Assim, permaneceu em seu lugar até que o sangue impotente de bodes e touros pudesse expiar os pecados da humanidade (Hebreus 10:4). Mas, assim que a vítima divina, a única capaz de satisfazer a infinita justiça de Deus, expirou no Calvário, essa espessa cortina, que por tantos anos simbolizara a separação entre o Criador e a criatura, foi misteriosamente rasgada, mostrando o Espírito Santo que a entrada para o Santo dos Santos estava agora aberta. Pode-se dizer também que o templo marcou, assim, sua participação na dor universal causada pela morte de Jesus: como vimos, os povos do Oriente rasgaram suas vestes em sinal de luto. De cima para baixo, Portanto, em sua totalidade. De acordo com uma nota do Evangelho apócrifo dos Hebreus, preservada por São Jerônimo, Comm. in Matth., 27, 51, cf. carta 149, q. 8, e reproduzida em essência no Talmude de Jerusalém, trad. Ioma 6, 4, a verga de pedra à qual este véu estava preso foi a primeira a se romper: «Neste Evangelho dos Hebreus, não lemos que o véu do templo foi rasgado, mas que a verga do templo, de tamanho imenso, se quebrou e se partiu», São Jerônimo. Este detalhe explicaria por que o rasgo começou no topo. A terra tremeu.. A terra, como o firmamento, expressou assim a sua compaixão por ocasião da morte de Cristo. Foi tomada por movimentos convulsivos, "Era como se tivesse sido deslocada do seu centro e do seu lugar", Sylveira in hl, quando o seu autor exalou o último suspiro, tal como o corpo humano por vezes começa a tremer sob o domínio da tristeza e da dor da alma. As pedras se partiram.. Este fenômeno, consequência do terremoto, ocorreu no Gólgota e nas proximidades de Jerusalém. Diz-se que existe uma fissura extraordinária na rocha do Gólgota, na Basílica do Santo Sepulcro, já mencionada por São Cirilo, no Catecismo 13, capítulo 33. Em vez de ter se formado no sentido da fibra da pedra, como costuma acontecer em circunstâncias semelhantes, ela fende a rocha de modo a atravessar as diferentes camadas que a compõem em ângulos retos.
Mt27.52 Os túmulos se abriram e vários santos, cujos corpos ali jaziam, ressuscitaram. – Somente São Mateus menciona este último milagre, que supera todos os outros em magnitude. O terremoto, ao fender as rochas mais duras, também fez com que as enormes pedras que selavam as entradas dos túmulos judaicos rolassem de suas dobradiças. Cf. v. 60; João 11:38, etc. Mas isso não é tudo: Vários desses monumentos funerários, assim abertos, libertaram seus mortos que, segundo a descrição no versículo seguinte, correram para a cidade e apareceram a muitas testemunhas. Muitos corpos de santos… De que maneira e em que sentido ocorreram essas ressurreições milagrosas? Os estudiosos sempre divergiram sobre esse ponto delicado. No entanto, as principais opiniões que expressaram podem ser resumidas a três: 1. Os mortos mencionados por São Mateus ressuscitaram à maneira de Lázaro, o amigo de Cristo; isto é, suas almas foram reunidas aos seus corpos para uma segunda vida de duração variável. Essa é a visão de Teofilato. Mas essa visão é corretamente contestada pela expressão "apareceram" no versículo 53, que implica meras aparências e, portanto, uma ressurreição temporária. 2. Orígenes, São Jerônimo, São Tomás de Aquino e, seguindo-os, Maldonato, etc., acreditam que essa ressurreição foi definitiva; teria sido uma antecipação da ressurreição de toda a humanidade no fim do mundo. Para os bem-aventurados que a ela foram submetidos, a morte teria perdido para sempre seu domínio; além disso, eles próprios teriam acompanhado Jesus ao céu em corpo e alma no dia de sua Ascensão. Mas essa opinião não é refutada em Carta aos Hebreus, 11, 39, 40? Ela não tem contra si a crença generalizada de que, além do Salvador e da gloriosa Virgem Casado, ninguém entrará no Céu com o corpo transfigurado antes do fim do mundo? 3º Segundo o sistema adotado pelos senhores Schegg e Bisping, a maravilha mencionada aqui pelo evangelista não consiste em ressurreições reais, mas em simples aparições temporárias, semelhantes às dos anjos, ou melhor ainda, à de Moisés no Monte da Transfiguração. Não foi, portanto, na forma real de seus corpos, mas em correspondentes fantasmas externos, que as figuras sagradas escolhidas por Deus apareceram em Jerusalém. – Quais santos do Antigo Testamento tiveram, assim, a honra de participar, em certo sentido, de a Ressurreição De quem é o Salvador? Adão, Noé, Abraão, Davi (segundo os Atos de Pilatos, cf. Thilo, Codex Apocrisa NT p. 810), ou mesmo São José, São João Batista, etc., foram frequentemente mencionados. Nada de preciso se sabe sobre o assunto: parece mais provável, com base no contexto, que a maioria deles pertença à geração contemporânea, visto que os vemos sendo reconhecidos por um grande número de pessoas. Quem havia adormecido. Desde os primeiros dias de cristandadeO verbo "adormecer" tornou-se um eufemismo elegante para morrer; cf. 1 Tessalonicenses 4:4. Daí o nome de dormitório, em grego, (portanto) cemitério) dado aos campos dos mortos.
Mt27.53 Tendo saído de seus túmulos, entraram, depois a ressurreição de Jesus, na cidade santa, e apareceu a muitos. – Ewald e Fritzsche interpretam essa expressão no sentido ativo: “Saindo de seus túmulos depois que Jesus os ressuscitou”. Mas é preciso violentar o texto para traduzi-lo de uma maneira tão artificial e agramatical. É obviamente uma questão de a ressurreição pessoal do Salvador. Foi somente depois da ressurreição de Jesus Cristo que as almas escolhidas, às quais ele de alguma forma concedeu o privilégio da ressurreição, deixaram seus túmulos e vieram se revelar aos habitantes de Jerusalém. Era, de fato, apropriado que elas não se manifestassem antes que ele tivesse deixado seu próprio túmulo. Disso se depreende que elas provavelmente só ressuscitaram depois dele: caso contrário, o que estariam fazendo nos túmulos desde a noite de sexta-feira até a manhã de domingo? Assim, é opinião comum entre os exegetas que esses detalhes são relatados aqui em antecipação. Somente as primeiras palavras do versículo 52, "os túmulos foram abertos", estão, portanto, em sua ordem cronológica. Mas, depois de falar da abertura milagrosa dos túmulos, o evangelista acrescenta, naturalmente, em ordem lógica, outros eventos maravilhosos que ocorreram ali um pouco mais tarde. Na cidade santa. Veja as seções 4 e 5 e o comentário. A cidade santa, infelizmente, havia se transformado em uma cidade de deicídio. Eles apareceram para muitosEsse era o propósito de sua entrada em Jerusalém. Eles foram para lá como testemunhas, como prova viva de a ressurreição de Jesus. É por isso que multiplicam suas aparições. Quanto mais as vemos, mais corações creem no caráter messiânico de Nosso Senhor e em sua divindade.
Mt27.54 O centurião e os que estavam com ele, guardando Jesus, ao verem o terremoto e tudo o que estava acontecendo, ficaram aterrorizados e exclamaram: "Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus!"« – São Mateus agora compartilha com seus leitores a impressão causada pelos milagres que acabou de descrever nos soldados romanos que testemunharam a morte de Jesus, e a profunda reflexão que eles inspiraram neles. Ele menciona primeiro o centurião, isto é, o oficial sob cujo comando ocorreu a crucificação. As palavras seguintes, aqueles que estavam com ele, Esses eram os soldados comuns que haviam atuado como executores e que agora faziam a guarda ao redor do corpo de Jesus. Esses homens rudes e grosseiros, testemunhando o terremoto e os outros fenômenos extraordinários que o acompanharam (a escuridão, o grito sobrenatural do Salvador moribundo, o quebrar das rochas), não conseguiam reprimir um profundo sentimento de medo. Convencidos, de certa forma, da divindade de sua vítima, temiam sua vingança, visto que eles mesmos o haviam matado. O Filho de Deus. Em que sentido afirmam que Jesus é o Filho de Deus? É muito difícil determinar, como demonstra a grande divergência entre os exegetas sobre este ponto. Lucas 23:47 apresenta uma expressão muito mais vaga nos lábios do centurião: "Certamente, este homem era justo", e é possível que o título "Filho de Deus" significasse simplesmente, para esses pagãos, "amigo de Deus". Talvez, também, estivessem então, no sentido mais estrito, fazendo um verdadeiro ato de fé na natureza divina de Jesus Cristo. Tinham ouvido, seja de Pilatos (cf. João 19:7) ou recentemente aos pés da cruz (Mateus 27:40), que Jesus afirmava ter o direito ao título de "Filho de Deus": a partir de todos os milagres que ocorreram na época de sua morte, concluíram que ele era verdadeiramente Deus, como ele havia afirmado. «Em meio a este escândalo da Paixão, o centurião confessa que Jesus é o Filho de Deus, enquanto, dentro da Igreja, Ário o proclama uma mera criatura», São Jerônimo em hl. «É, portanto, com razão que o centurião é a figura da fé da Igreja, aquele que, assim que o véu que cobre os mistérios celestiais é rasgado pela morte do Senhor, o proclama um homem verdadeiramente justo e o verdadeiro Filho de Deus, enquanto a sinagoga permanece em silêncio», Rhaban Maurus, ap. Thom. Aq. Cat em hl.
Mt27.55 Havia também ali várias mulheres, observando à distância; elas tinham seguido Jesus desde a Galileia para servi-lo.. – Ao lado desses pagãos que veneram Jesus, encontramos outro grupo amigo e fiel. É composto por um número considerável de mulheres judias piedosas, que há muito se uniram a ele pela fé na mente e pela devoção no coração. Enquanto os Apóstolos fugiram covardemente, elas tiveram a coragem de seguir Jesus até o Calvário. Sua presença confortou seus últimos momentos. Mesmo após a sua morte, elas permanecem no posto que sua santa afeição lhes reservou: não partirão até que os últimos sacramentos sejam realizados em seu corpo. A certa distância. Por cortesia, para não se misturarem com a multidão brutal que rodeava a cruz. No entanto, vários deles não hesitaram em aproximar-se do Salvador moribundo; cf. João 19:25. Quem havia seguidoEssas santas mulheres geralmente acompanhavam o Salvador em suas viagens; cf. Lucas 8:1-3. Elas tinham vindo com ele da Galileia para Jerusalém para a Páscoa daquele ano. Para servir. «Servir» não se refere apenas aos serviços gerais que se pode prestar aos outros. Às vezes significa, de forma específica, como é o caso aqui, prover o necessário. Cf. Mateus 4:11; 25:44; Marcos 1:13; 15:41; Lucas 8:3; 1 Pedro 4:10-11, etc. O evangelista, portanto, quer dizer que os amigos de Jesus proveram suas necessidades materiais e as de seus discípulos.
Mt27.56 Entre elas estava Maria Madalena, Casado Mãe de Tiago e José, e mãe dos filhos de Zebedeu. – Depois de mencionar a conduta nobre deles, ele nomeia o mais famoso entre eles. Maria Madalena, Ou Casado de Magdala, uma pequena cidade localizada às margens do Mar da Galileia, ao sul de Cafarnaum; cf. 15:39 no texto grego. Teremos que examinar mais tarde se devemos confundir. Casado Madeleine com Casado A irmã de Lázaro. Casado mãe de… Este outro Casado Ela era esposa de Cleopas e, como já dissemos em outro lugar (cf. João 19:25 e a explicação de Mateus 13:55-56), irmã ou cunhada da Virgem Santíssima. Seus filhos, Tiago e José, eram, portanto, "irmãos" de Nosso Senhor Jesus Cristo; a palavra "primo" não existe em aramaico. O primeiro não difere do apóstolo São Tiago Menor; do segundo, nada se sabe além do nome. A mãe dos filhos de Zebedeu Salomé, Marcos 15:40, também estava lá, reparando com sua presença corajosa o ato de fraqueza em que fora levada, cf. 20:20, por um amor demasiado natural para com seus dois filhos.
27, 57-61. Paralelo. Marcos 15, 42-47; Lucas 23, 50-56; João 19, 38-42.
Mt27.57 À noite, chegou um homem rico de Arimateia, chamado José, que também era discípulo de Jesus. – Os gregos chamavam de «tarde» às vezes a parte do dia entre as 15h e as 18h, ou seja, o que chamamos de tarde (cf. 8:16; 14:15 e Marcos 4:35); outras vezes, as últimas horas do dia, aquelas que imediatamente precedem a noite (cf. 14:15-23). É a primeira dessas duas tardes que está sendo mencionada aqui, como fica claro pelo relato em Marcos 15:42. Chegado. Diversos comentaristas sugeriram que José de Arimateia foi ao Calvário antes de ir a Pilatos: isso é possível, mas o texto sagrado não diz absolutamente nada a respeito. Chegado é de fato paralelo a "foi encontrar" no versículo seguinte, cf. Marcos 15:43; Lucas 23:52, e esses dois verbos juntos parecem expressar apenas uma e a mesma ação. Um homem rico. Essa circunstância não era desprovida de valor. Conferiu a José maior autoridade para se apresentar a Pilatos e explicar seu pedido. Além disso, esse discípulo piedoso tinha outra fonte de credibilidade e influência: seu título de membro do Sinédrio. (cf. Lucas 23:50 ss.) De Arimateia. A localização exata de Arimateia ainda não foi definitivamente estabelecida. Viajantes e geógrafos hesitam entre três locais principais: Ramleh, Renthieh e Neby-Samouil. O primeiro, construído sobre uma duna que se eleva acima da fértil planície de Sharon, perto da estrada de Jaffa para Jerusalém, a cerca de 30 km desta última cidade, beneficia-se de uma tradição que parece remontar pelo menos às Cruzadas, e que inclusive parece ser corroborada pelo testemunho de Eusébio e São Jerônimo, já que esses dois autores antigos, um em seu Onomasticon, sv Armathem Sophim, o outro no epitáfio de São Paulo, situam Arimateia nas proximidades de Lida, ou seja, a atual Loudd, da qual Ramleh fica a apenas uma légua de distância. A vila de Renthieh está localizada um pouco mais ao norte. Neby-Samouil: Os árabes usam este nome para uma colina pitoresca que se eleva a noroeste de Jerusalém, onde, muito provavelmente, foi construída a cidade de Ramataim, local de nascimento do profeta Samuel; cf. 1 Samuel 1:1-19. A semelhança dos nomes levou alguns comentaristas a procurar o local da antiga Arimateia em Neby-Samouil. – Em todo caso, na época da morte de Jesus, José de Arimateia provavelmente já havia deixado seu local de nascimento algum tempo antes de se estabelecer em Jerusalém, visto que acabara de mandar construir um túmulo familiar para si na capital; cf. v. 60. Chamado Joseph. A São José foi confiada pela Providência a proteção da infância do Salvador; outro José recebe dela a missão de supervisionar seu sepultamento. José foi um dos discípulos de Jesus, daí o zelo que demonstra em honrar seu Mestre; mas sua adesão permaneceu secreta "por medo dos judeus", como leremos no quarto Evangelho, João 19:38.
Mt27.58 Ele foi até Pilatos e pediu o corpo de Jesus. E Pilatos ordenou que lhe fosse entregue. Ele veio ao pretório suplicando. Contudo, veio como um homem corajoso e resoluto, como observa São Marcos 15:43: "Ele teve a audácia de ir até Pilatos e pedir o corpo de Jesus". O corpo perguntouDe acordo com a lei judaica, cf. Deuteronômio 21:23; Flávio Josefo, A Guerra No Códice Judaico 4.5.2, os corpos dos condenados deviam ser retirados da forca e sepultados antes do pôr do sol do próprio dia da execução. Em contraste, segundo o costume romano, os cadáveres dos crucificados frequentemente permaneciam na cruz por dias, entregues a aves de rapina ou animais selvagens, a menos que fossem queimados após certo tempo. Cf. Horácio, Carta 1.16.48; Plauto, Milícia Gloriosa 2.4.19. Os magistrados, contudo, tinham o poder de conceder-lhes sepulturas a parentes ou amigos que as solicitassem, a fim de lhes proporcionar um enterro honroso. Cf. Ulpiano 43.24.1, De Cadaviano, Punit. Isso explica as ações de José de Arimateia. Pilatos ordenou. O governador primeiro se certificou de que Jesus havia morrido (Marcos 15:44-45). Com base nas informações que recebeu do centurião encarregado da crucificação, ele concordou prontamente com o pedido de José. Ele acatou o costume judaico com ainda mais facilidade neste caso porque havia condenado Jesus apenas com relutância e acreditava que, ao fazê-lo, estava, de certa forma, reparando seu ato de fraqueza.
Mt27.59 José pegou o corpo e o envolveu em um sudário branco., O corpo do Salvador foi respeitosamente retirado da cruz; então, às pressas, porque o descanso do sábado se aproximava, seu sepultamento ocorreu. Visto que os amigos de Jesus pretendiam prestar suas últimas homenagens aos seus restos mortais de forma mais solene no domingo de manhã (ver Marcos 16:1; Lucas 24:1), na sexta-feira eles se limitaram a dar-lhe um sepultamento rápido e temporário. José o envolveu em suas costas.. Depois de o lavarem e ungirem, envolveram-no em panos de linho, conforme o costume (João 19:39-40), e finalmente o envolveram num sudário de linho. Um sudário branco, Ou seja, novo, ainda não usado.
Mt27.60 e a colocou no novo túmulo que havia escavado na rocha para si mesmo, e então, tendo rolado uma grande pedra até a entrada do túmulo, foi embora. João 19:41-42 comenta essas palavras: «No lugar onde Jesus foi crucificado havia um jardim, e nesse jardim um sepulcro novo, onde ninguém ainda havia sido sepultado. Ali puseram Jesus, por causa da lei judaica contra o sepulcro, visto que ficava perto.» O sepulcro pertencia a José de Arimateia; tinha sido cavado recentemente. Portanto, Jesus foi sepultado ali primeiro. Que ele havia mandado esculpir na rocha.. Já mencionamos em outros lugares, cf. 23, 29 e o comentário, que nas proximidades de Jerusalém havia muitos túmulos escavados na rocha. De acordo com vários detalhes mencionados no quarto Evangelho, 20, 5-6, 11, o de José de Arimateia parece ter consistido em uma única câmara, escavada horizontalmente na rocha: o corpo do Salvador deve ter sido colocado no centro dessa câmara funerária. Ele rolou para longe uma pedra grande.. Essas enormes pedras, que os judeus costumavam colocar na entrada de seus túmulos, tinham o propósito de afastar animais selvagens e ladrões. Seu nome significava "aquilo que é rolado". Às vezes, eram habilmente embutidas na rocha e equipadas com uma fechadura secreta; cf. de Saulcy, Arte Judaica, p. 235 e seguintes.
Mt27.61 Agora Maria Madalena e as outras Casado Estavam lá, sentados em frente ao túmulo. – “Quando os outros abandonaram o Senhor, mulheres continuam a velar por ele… e, portanto, merecem ser os primeiros a ver a sua ressurreição”, São Jerônimo, em hl Maria Madalena é a primeira nesta posição de amor. Com ela está ooutro Casadoou seja, Casado, mãe de Tiago e José, mencionada no versículo 56. Eles estão ali em atitude de luto. É impossível para eles deixarem Jesus, mesmo após a sua morte; além disso, eles queriam saber onde o seu corpo seria depositado, porque desejavam ungi-lo mais completamente quando terminasse o repouso do sábado. Marcos 15:47; Lucas 23, 55 e seguintes.
Mt27.62 No dia seguinte, que era sábado, os principais sacerdotes e os fariseus foram juntos ter com Pilatos., – No dia seguinte No Sábado Santo. Por Paraskeva, os judeus helenísticos designavam o Dia da Preparação como o dia que antecedia o Shabat ou festas solenes. Esse nome derivava dos preparativos especiais que precisavam ser feitos durante as vigílias, para não violar o repouso sagrado do dia seguinte; cf. Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas 16, 6, 2. Livro de JuditeNo Evangelho de João 8:16, encontramos a expressão equivalente "véspera do sábado". Mas por que o evangelista usou uma circunlocução tão peculiar quando poderia ter dito simplesmente e muito mais claramente "sábado" ou "dia de sábado"? Visto que o sábado é muito mais importante do que a sua vigília, parece surpreendente, a princípio, que ele tenha sido designado aqui não diretamente, mas após o dia anterior. Várias explicações foram propostas para justificar essa expressão. A mais natural, e também a mais aceita, é que o nome Paraskeva entrou na linguagem litúrgica da Igreja desde cedo para designar o dia da morte do Salvador. Como, de uma perspectiva cristã, esse dia era primordial, é fácil entender por que ele serviu como nome central para todos os outros, sem que o sábado fosse uma exceção a esse costume. A expressão "dia seguinte à Paraskeva" é, portanto, usada em um estilo completamente cristão, embora seja emprestada de ideias judaicas. Os principais sacerdotes e os fariseus. Eles se apresentaram a Pilatos como delegados do Sinédrio. Sabemos que o partido fariseu tinha ampla representação no Sinédrio e que os principais sacerdotes formavam uma das três câmaras que o compunham. Os membros do Sinédrio temiam Jesus mesmo após a sua morte: ao saberem que o seu corpo havia sido deixado à disposição dos seus amigos, quiseram impedir que o usassem para enganar o povo. Daí o pedido de audiência feito a Pilatos. É difícil determinar com precisão a hora em que compareceram ao pretório. Segundo D. Calmet, teria sido no início do sábado, portanto, na sexta-feira à noite, após o pôr do sol. Mas a maioria dos comentadores situa a visita dos membros do Sinédrio na manhã ou na noite de sábado: o significado das palavras no dia seguinte fomenta esse sentimento.
Mt27.63 E disseram-lhe: «Senhor, lembramos que este enganador, enquanto ainda vivia, disse: Depois de três dias ressuscitarei, – Lorde era um título honorífico frequentemente usado em interações sociais na época. Nós nos lembramos. Os delegados do Sinédrio, de certa forma, pediram desculpas por incomodarem novamente o procurador neste assunto; mas haviam negligenciado um ponto de extrema gravidade, que era essencial que ele abordasse o mais breve possível. Este impostor. Expressão de desprezo; mesmo após a sua morte, não cessaram de lançar ignomínia sobre Jesus. O próprio Horácio aplica essa palavra a um charlatão ou vendedor ambulante que engana as pessoas com bugigangas e quinquilharias. Quando ele ainda estava vivoEntão ele estava realmente morto: os fariseus tinham certeza disso. Recomendamos este dito aos racionalistas modernos que, para explicar a ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, recorrer a um simples desmaio, do qual supostamente se recuperou após algumas horas. Veja Dehaut, O Evangelho Explicado, Meditado, vol. 4, p. 414 e seguintes, 5ª ed. Depois de três dias eu ressuscitarei.O verbo está no presente do indicativo no texto grego, o que expressa melhor a certeza absoluta com que Jesus proferiu essas palavras. “Depois de três dias”, isto é, o terceiro dia após a minha morte, como já demonstramos anteriormente. Veja 12:40 e o comentário. Além disso, isso fica muito claro no versículo 64 e em um texto semelhante em Lucas 23:7. A profecia mencionada aqui pelo Sinédrio parece ter sido anunciada somente aos Apóstolos em termos tão formais. Cf. Marcos 8:31. Vários exegetas (Bispo MacEvilly, J.P. Lange, etc.) conjecturaram que os inimigos do Salvador souberam disso por meio de uma revelação do traidor. Mas é possível que tenha sido revelada de outra forma. Além disso, várias passagens do Evangelho já mencionadas, especialmente João 2, 19; Mat. 12, 39, 40, são suficientes para explicar a citação dos fariseus.
Mt27.64 Portanto, ordene que o seu túmulo seja guardado até o terceiro dia, para que os seus discípulos não venham, roubem o corpo e digam ao povo: »Ele ressuscitou dos mortos”. Este último engano seria pior do que o primeiro.» – Após as considerações, segue-se o pedido: ordem Em virtude de sua autoridade superior. O próprio Sinédrio não teria o direito de tomar a medida que está implorando a Pilatos. Teria sido um abuso de poder que os romanos não tolerariam. Seja mantido : por um esquadrão de guardas pretorianos. – Até o terceiro dia Ou seja, até domingo à noite. Visto que Jesus prometeu ressuscitar ao terceiro dia após a sua morte, se ele permanecesse no túmulo depois desse dia, o seu engano se tornaria evidente e não haveria mais necessidade de guardas. Ao povo : para a multidão inculta, tão facilmente enganada. Esta expressão revela o desprezo que os orgulhosos fariseus sentiam pelo povo analfabeto. Cf. João 7:49. Uma impostura que seria ainda pior. Eles descrevem a infeliz consequência que resultaria da crença das pessoas em a ressurreição de Jesus. É essa crença que eles chamam de engano final; o primeiro erro foi a fé no caráter messiânico do Salvador. Observe que eles, sem perceber, corroboram o argumento com base no fato de a ressurreição de Jesus. Partindo do pressuposto de que Cristo ressuscitou dos mortos, devemos admitir imediatamente tudo o que está implícito na fé em um cristandade sobrenatural.
Mt27.65 Pilatos respondeu: "Você tem um guarda; vá e vigie-o como achar melhor."« A resposta de Pilatos foi lacônica e fria: se o governador atendesse a esse novo pedido dos membros do Sinédrio, seria humilhando-os mais uma vez. Você tem guardas. De acordo com a tradução do grego, o texto pode ser entendido da seguinte forma. No primeiro caso, Pilatos teria lembrado aos principais sacerdotes que já havia colocado soldados à disposição deles, seja para proteger a área ao redor do templo e evitar qualquer perturbação durante a festa, seja, mais recentemente, para crucificar Jesus. Por que eles estavam vindo pedir-lhe outro destacamento de suas tropas? Outra possibilidade, que talvez seja mais precisa, é que Pilatos simplesmente concordou com o pedido de seus visitantes indesejados. «Pilatos respondeu: »Isso é permitido a um soldado. Conservem o corpo enterrado como quiserem.’” Juvenc. Evang. Hist., lib. 4. Vamos. Pilatos, não querendo se preocupar mais com o assunto em questão, dispensou o Sinédrio abruptamente. Conforme você o entende ; Ou seja, da melhor maneira possível; ou, como achar melhor, de acordo com o objetivo que deseja alcançar.
Mt27.66 Então eles se retiraram e asseguraram o túmulo, selando a pedra e colocando guardas no local. Retiraram-se, cheios de alegria por terem tido sucesso com tanta facilidade, e apressaram-se a tomar as precauções necessárias para evitar qualquer fraude por parte dos amigos de Jesus. Estabeleceram um posto de soldados romanos perto do túmulo, aos quais confiaram uma vigilância rigorosa. Eles selaram a pedra.. Essa foi a primeira operação deles. Para se protegerem até mesmo dos guardas, que poderiam ter sido influenciados pelos amigos de Jesus e entregado o seu corpo, eles começaram selando o túmulo de tal forma que seria impossível abri-lo sem romper os selos de cera que haviam colocado. Selos semelhantes são encontrados em alguns túmulos do antigo Egito. Eles colocaram guardas lá.Um posto romano geralmente era composto por dezesseis homens: destes, havia sempre quatro soldados de guarda. Eles eram revezados a cada três horas. A natureza providencial dessas medidas tomadas pelo Sinédrio já havia atraído a atenção dos Santos Padres: elas serviam, diziam eles, para melhor estabelecer a autenticidade do milagre de a ressurreição“Tudo o que eles ganharam com seus artifícios foi tornar sua ressurreição mais famosa e mais certa; de modo que não se pode razoavelmente duvidar dela, visto que ele ressuscitou na presença dos próprios judeus e dos soldados.” São João Crisóstomo, Homenagem em Mateus 11:1. “O cuidado que tiveram para guardar Jesus serviu à nossa fé. Quanto mais o corpo de Cristo era protegido, mais evidente se tornava o poder de sua ressurreição.” São Jerônimo, em 11:1. Sem as meticulosas precauções do Grande Concílio, a história da remoção do corpo pelos discípulos (cf. 28:13-15) teria se espalhado por toda parte com ainda mais sucesso.


