Leitura da segunda carta de São Paulo Apóstolo aos Tessalonicenses.
Irmãos,
Vocês sabem perfeitamente como agir, seguindo o nosso exemplo. Não levamos uma vida desregrada entre vocês; e o alimento que comíamos não obtínhamos de graça. Ao contrário, trabalhávamos dia e noite, nos esforçando ao máximo para não dependermos de nenhum de vocês.
É claro que poderíamos ter recebido apoio, mas queríamos dar-lhes o exemplo. E quando vivíamos entre vocês, transmitimos esta instrução: quem se recusar a trabalhar também não deve comer.
Agora ouvimos que alguns de vocês estão vivendo em desordem, agitados e sem produzir nada. A essas pessoas damos este mandamento e exortação em nome do Senhor Jesus Cristo: trabalhem em silêncio e ganhem o seu sustento.
Caro amigo,
«Se alguém não quiser trabalhar, também não coma.» Convenhamos, essa pequena frase de São Paulo (2 Tessalonicenses 3:10) é suficiente para nos deixar inquietos. Soa como um veredicto, é dura, quase impiedosa. Já a ouvimos tantas vezes, frequentemente brandida como uma arma para justificar uma ética de trabalho rígida, para condenar aqueles que estão «à margem» ou para santificar o desempenho. Quase podemos imaginar o Apóstolo como um capataz severo, percorrendo a oficina da Igreja com um chicote na mão.
Mas será que é isso mesmo que Paulo quer nos dizer? Estaríamos condenados a um mero "ganhar a vida", uma triste necessidade para o direito de sobreviver? E se este versículo, longe de ser uma condenação ou um slogan econômico, fosse, na verdade, um convite urgente, quase fervoroso, para redescobrir a profunda dignidade do nosso trabalho diário? E se fosse menos sobre economia do que sobre espiritualidade, menos sobre produção do que sobre... paz interior?
Esta mensagem é dirigida a você. A você que busca, talvez com dificuldade, dar um significado cristão ao seu trabalho, seja ele remunerado, doméstico, voluntário ou mesmo invisível. A você que questiona o delicado equilíbrio entre oração e ação, entre esperar pelo Céu e edificar na terra. Mergulhemos juntos, sem medo e com amizade, nesta exigente passagem da fé. Segunda carta aos tessalonicensesÉ bem possível que encontremos ali, não um juiz, mas um guia, e uma sabedoria muito mais gentil e relevante para nossas vidas agitadas do que parece.
- Primeiramente, vamos contextualizar: o acalorado contexto histórico e teológico de Tessalônica, onde a expectativa do retorno de Cristo virou tudo de cabeça para baixo.
- Em seguida, analisaremos o cerne do problema: a "desordem" (o«ataxia) contra a qual Paulo está lutando, essa agitação estéril que não é de modo algum a mesma coisa que preguiça.
- Em seguida, desenvolveremos a mensagem de Paulo em três linhas principais: dignidade do trabalho como cocriação, o perigo da agitação moderna e a verdadeira articulação entre caridade e responsabilidade.
- Por fim, veremos como a tradição da Igreja meditou sobre essa ligação entre oração e trabalho, para traçar caminhos muito concretos para nossa vida espiritual hoje.
Pronto para desconstruir um clichê e encontrar um tesouro? Vamos lá.
Uma comunidade em turbulência
Para entender a declaração de Paulo, precisamos absolutamente deixar nosso século XXI e desembarcar em Tessalônica, por volta do ano 51 ou 52. Tessalônica era uma metrópole, um importante porto comercial repleto de atividade, a capital da província romana da Macedônia. Paulo havia fundado recentemente uma comunidade cristã ali (você pode ler sobre isso no livro de Atos, capítulo 17). Era uma comunidade jovem e fervorosa, composta principalmente por ex-pagãos, e que vivia em uma atmosfera... digamos, eletrizante.
Por que elétrico? Porque o cerne do primeiro sermão de Paulo (que lemos no primeiro (carta aos tessalonicenses) foi a Parusia : o glorioso e iminente retorno do Senhor Jesus. Esta não era uma vaga crença sobre o fim dos tempos; para eles, tratava-se de amanhã. Essa espera era a alegria deles, a força deles, a esperança absoluta.
Mas essa bela esperança teve um efeito colateral inesperado, que Paulo teve que corrigir em seu segundo carta. Alguns membros da comunidade, convencidos de que o fim do mundo estava literalmente para a manhã seguinte, chegaram a uma conclusão lógica: "Qual o sentido de trabalhar? Qual o sentido de construir, plantar, administrar, cuidar dos assuntos deste mundo que vai desaparecer?"«
Essas pessoas, portanto, não eram simplesmente "preguiçosas" no sentido em que entendemos o termo (esparramadas em um sofá por pura falta de motivação). Elas eram o que poderíamos chamar de "místicos ociosos". Haviam cessado toda atividade profissional, não por preguiça, mas porque excesso de zelo escatológico. Eles pensavam que eram mais espirituais do que os outros por se dedicarem exclusivamente à espera, à oração e... é aí que reside o problema... às discussões intermináveis.
O resultado? Um problema duplo, que Paul identifica com grande perspicácia psicológica e social.
- Um problema da comunidade: Ao deixarem de trabalhar, essas pessoas "espirituais" tornaram-se financeiramente "um fardo" (v. 8) para os outros membros da comunidade. Elas viviam às custas dos outros. caridade fraternal. Isso criou uma tensão óbvia, um desequilíbrio injusto dentro da Igreja ainda em seus primórdios.
- Um problema espiritual e social: A ociosidade não levou essas pessoas à contemplação pacífica. Pelo contrário, tornou-as "desordenadas" (ataktos), um termo militar que significa "quebrar fileiras". E Paulo usa um brilhante jogo de palavras (v. 11): ele descobre que alguns são periergazômeno (ocupados, ocupados com tudo e com nada, "intrometidos", como diriam os ingleses) em vez de serem ergazômeno (trabalhando). Eles não Eles não fizeram nada., mas eles eram muito ocupado Eles espalharam boatos, causaram alvoroço, questionaram, criticaram e semearam discórdia na comunidade. Sua ociosidade tornou-se uma fonte de inquietação.
Está em Esse Este é um contexto muito específico, como Paulo relembra com seu próprio exemplo. Vamos reler o texto que você já conhece:
«Irmãos e irmãs, vocês mesmos sabem como nos imitar. Não ficamos ociosos enquanto estávamos com vocês, nem recebemos o pão que comemos de graça. Ao contrário, trabalhamos dia e noite, nos esforçando e nos matando de trabalhar para não sermos um peso para nenhum de vocês. Certamente, teríamos o direito de ser um peso, mas queríamos dar-lhes o exemplo. Pois, quando estávamos com vocês, já lhes dávamos esta regra: »Se alguém não quiser trabalhar, também não coma’. Agora, ouvimos que alguns de vocês estão levando uma vida desordenada, intrometendo-se em assuntos pessoais sem fazer nada. A essas pessoas ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo que trabalhem em silêncio e ganhem o seu sustento.” (2 Tessalonicenses 3:7-12)
O desafio de Paulo, portanto, é restaurar a ordem, acalmar esse fervor escatológico e lembrar a todos de sua responsabilidade. O tempo da Igreja, o tempo entre a primeira e a segunda vinda de Cristo, não é um tempo vazio gasto esperando em uma plataforma de trem. É um tempo pleno, um tempo para construir, para amar e… para trabalhar.
Imitação contra a desordem
A ideia central de Paulo não é estabelecer uma teoria econômica. Seu objetivo é pastoral e teológico. A palavra-chave é o antídoto para a "desordem" (ataxiaÉ imitação, a mimese.
Observe a estrutura de seu argumento: ele não começa com a lei ("você deve trabalhar"), ele começa com seu próprio testemunho ("você sabe muito bem... o que precisa ser feito para...") nos imite«A autoridade de Paulo não provém de um decreto, mas sim de sua própria vida. É uma pedagogia da encarnação.
E qual é esse modelo? Esse é o paradoxo do versículo 9. Paulo, como apóstolo, como fundador da comunidade, tinha o direito (L'’exousia) ser materialmente sustentado pela comunidade. Ele afirma isso muito claramente em outras cartas (por exemplo, em 1 Coríntios 9). Ele tinha o direito de "comer" sem "trabalhar" (no sentido manual do termo), porque seu trabalho era pregar. Mas em Tessalônica, diante desse problema específico da ociosidade mística, ele renunciou à sua direita.
Por quê? "Para ser para você um modelo (Erros de digitação) para imitar.»
Paulo continuou seu trabalho braçal. Sabemos pelos Atos dos Apóstolos (Atos 18:3) que ele era fabricante de tendas. E não fazia isso em tempo parcial. Ele afirma isso enfaticamente: "Com trabalho árduo e penoso, noite e dia trabalhávamos". Era um trabalho extenuante, que se estendia noite adentro, à luz de lamparinas, após dias de pregação. Paulo não estava brincando no trabalho. Ele estava trabalhando. Realmente, severamente.
Seu trabalho tem um duplo significado:
- Independência (Não ser um fardo): Ele demonstra não ser um charlatão que veio para se aproveitar da credulidade das pessoas (uma crítica comum aos filósofos itinerantes da época). Sua pregação é gratuita, seu amor é altruísta.
- O modelo (A imitação): Ele mostra aos tessalonicenses que o trabalho manual, o trabalho A vida deste mundo não é de forma alguma incompatível com a mais alta santidade e a expectativa do Senhor. Pelo contrário, é o próprio lugar onde a fé é vivida.
O cerne da mensagem é, portanto, este: a agitação (ataxiaO comportamento de pessoas "desordeiras" perturba a harmonia da comunidade. O antídoto é retornar à calma e à realidade, imitando o exemplo concreto do Apóstolo, que por sua vez imita a Cristo (1 Coríntios 11:1).
E qual é a recomendação final de Paulo para essas pessoas inquietas? "Deixem-nas trabalhar". em paz (meta hēsychias) para comer o pão que terão ganho.» (v. 12). A palavra hesíquia (Calma, tranquilidade, paz) é fundamental. É exatamente o oposto da agitação (periérgiaPaul não está apenas pedindo o retorno à produção; ele está pedindo o retorno ao... paz interior. O trabalho Não é um castigo, é o caminho para a pacificação. Ancora a mente febril na realidade, ordena a alma, cura-a da ansiedade (mesmo a ansiedade espiritual da espera).
O trabalho Torna-se uma prática ascética, uma disciplina espiritual, um ato de fé que diz: "Senhor, estou esperando por Ti, mas enquanto isso, estou cuidando do mundo que me confiaste e da comunidade que me deste."«

A dignidade do trabalho: o trabalho como cocriação e um caminho para a santificação.
Quando Paulo exorta os tessalonicenses a trabalharem, ele não está simplesmente aplicando um paliativo a um problema local. Ele está recorrendo, talvez sem mencioná-lo explicitamente, a uma teologia muito mais profunda, a das origens: a teologia da Criação.
Frequentemente temos uma visão distorcida do trabalho, herdada de uma leitura superficial de Gênese. Acreditamos que o trabalho é o conseqüência da Queda, o castigo de Adão. Isso é um erro. Vamos reler o capítulo 2 de Gênese, Antes A Queda: «O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para cultive-a e preserve-a..» (Gênesis 2, 15).
O trabalho Não é uma maldição. É a vocação original da humanidade. É o sinal da nossa dignidade. Deus, o Criador, fez do homem um ser humano único. co-criador. Ele confia o mundo a ela não como um museu para contemplar, mas como um jardim para cultivar, uma obra para aperfeiçoar. O trabalho, A criatividade, em sua essência, é a participação na obra criadora de Deus. É a nossa maneira de responder ao seu "Façamos o homem à nossa imagem". Somos feitos à sua imagem, entre outros motivos, porque somos, como ele, criadores.
Então, o que a Queda (Gênesis 3) mudou? Não mudou nada. introduzido o trabalho, Ela tem abismo. Ela introduziu nisso "tristeza", "o suor da tua fronte", espinhos e cardos. O trabalho, O que antes era uma colaboração alegre com Deus tornou-se trabalho, uma luta contra uma natureza que se tornou resistente e, muitas vezes, uma fonte de alienação e exploração do homem pelo homem.
Mas Cristo veio para redimir. Todos homem e Todos realidade, incluindo o trabalho. E por quê? Este é um ponto absolutamente central da nossa fé, e ainda assim tão frequentemente esquecido. Durante trinta anos, quase toda a sua vida terrena, o que Jesus fez? Ele trabalhou. Ele não era um monge ocioso, nem um filósofo de salão, nem um agitador político. Ele era o Tektōn, o artesão, o carpinteiro de Nazaré (Mc 6, 3).
Esses trinta anos de "vida oculta" não são um parêntese, um insignificante "antes". Eles são um teologia em ação. Por meio de seu trabalho diário, o cheiro de serragem, a fadiga dos braços, a precisão da plaina e a negociação com os clientes, o Filho de Deus santificou o trabalho humano. Ele mostrou que alguém poderia estar totalmente unido a Deus, ser Deus feito homem, em meio às tarefas mais comuns, mais materiais, mais "pé no chão". O trabalho Não é um obstáculo à santidade; é o caminho comum para ela.
Quando Paulo, o fabricante de tendas, exorta os tessalonicenses a "trabalharem em silêncio", ele está seguindo essa mesma linha de pensamento. Ele não está pedindo que eles "voltem à realidade" abandonando sua espiritualidade. Ele está pedindo que eles... encontrar sua espiritualidade na terra, na realidade, em o trabalho com as próprias mãos. O trabalho então se torna uma forma de materialização da nossa fé.
Pense nisso: toda vez que trabalhamos com cuidado, nos esforçamos para fazer um "bom trabalho" e dedicamos nossa inteligência e empenho a uma tarefa (seja programar um software, criar um filho, cozinhar uma refeição, gerenciar um arquivo ou limpar o chão), realizamos um ato de ordem. Participamos da caos (uma página em branco, dados brutos, um quarto bagunçado, fome) e colocamos alguns cosmos (Um texto escrito, uma análise clara, um espaço de convivência tranquilo, uma refeição compartilhada). Esse ato de ordenar o mundo é um ato profundamente divino.
Paulo lembra aos tessalonicenses que sua vocação não é fugir do mundo, mas santificá-lo por dentro. O trabalho é o primeiro lugar dessa santificação. É uma prática ascética. Ela nos confronta com nossos limites, com a resistência da realidade; ela exige de nós paciência, perseverança, o’humildade. Isso nos protege do orgulho espiritual que consiste em acreditar que estamos "acima" das contingências materiais.
O trabalho, Na visão paulina, o trabalho não é, portanto, meramente um meio de "ganhar o pão". É um meio de "conquistar a alma", de estruturá-la, pacificá-la e torná-la frutífera. Trabalhando, o homem edifica-se à imagem de Cristo, o artesão.
O perigo da agitação: "Ocupar-se sem fazer nada" (Periergazomai)
Vamos agora adentrar o cerne da patologia diagnosticada por Paulo. Trata-se de uma doença espiritual que talvez seja uma das mais disseminadas em nossa época: a inquietação estéril.
Paulo usa esse famoso jogo de palavras grego no versículo 11: mēden ergazomenous alla periergazomenous. " Nascer trabalhando (ergazomai) para nada, mas ocupado (periergazomai) para tudo. »
O verbo ergazomai (Trabalhar) é nobre. Vem de ergon, O trabalho, o produto, o resultado tangível. É isso. o trabalho Aquilo que constrói, aquilo que nutre, aquilo que produz algo real. O verbo periergazomai (Ocupar-se) é pejorativo. Significa "trabalhar". em volta »"(peri-). É ser um "intrometido", um faz-tudo, uma pessoa inquieta. É o tipo de inquietação que levanta muito ar, faz muito barulho, mas não produz nada de bom.".
Os "desordeiros" de Tessalônica não eram passivos. Pelo contrário, eram hiperativos. Mas sua atividade era fútil e excessivamente voltada para o exterior: intrometiam-se nos assuntos alheios, propagavam doutrinas fervorosas e semeavam discórdia. Para eles, a ociosidade não era descanso, mas um terreno fértil para a ansiedade. Sem a âncora de um trabalho concreto que lhes desse peso, suas mentes vagavam em todas as direções, levadas pela febre da iminência.
Caros amigos, isso não nos diz nada, no século XXI?
Talvez vivamos no mais periergazomenoi da história. Estamos constantemente "ocupados". Nossos telefones vibram com notificações, nossas caixas de entrada transbordam, nossas agendas estão cheias de "reuniões" e "ligações". Corremos de uma "emergência" para outra. Nos orgulhamos de estar "ocupados". Estar ocupado tornou-se um marcador de status social. Se você não está ocupado, você não é importante.
Mas façamos a nós mesmos a pergunta que Paulo coloca: em meio a toda essa comoção, quantos ergon, Trabalho de verdade? Quanto "pão" é "ganho"? Quanto tempo passamos "trabalhando"? em volta » (respondendo a todos os e-mails, estando por dentro de todas as novidades, navegando pelas redes sociais para "se manter informado") e quanto tempo dedicamos a isso produzir o trabalho em si (escrever o relatório, programar a função, ouvir atentamente a criança, orar em silêncio)?
A agitação dos tessalonicenses era de natureza escatológica (o fim do mundo). A nossa é frequentemente tecnológica ou social (o medo de ficar de fora, FOMO, pressão por desempenho). Mas o resultado espiritual é o mesmo: ansiedade, distração e incapacidade de estar "em paz".hesíquia).
Paulo se opõe radicalmente à agitação (periérgia) e calmo (hesíquiaA agitação é uma doença da alma que tem medo do vazio, medo da realidade, medo do silêncio. O trabalho, Em um sentido nobre, é o remédio.
Por quê? Porque o verdadeiro O trabalho exige presença. Você não consegue escrever um texto profundo enquanto olha suas notificações. Você não consegue esculpir uma bela peça de madeira enquanto pensa em dez coisas ao mesmo tempo. Você não consegue ter uma conversa reconfortante enquanto está "ocupado". ergon Exige que estejamos presentes, imersos naquilo que fazemos. Ancora-nos no momento presente. Obriga-nos a confrontar a matéria, a realidade.
O remédio de Paulo é surpreendentemente moderno. Ele diz a essas pessoas ansiosas e inquietas: "Parem de se preocupar com o que está além de vocês (a data da volta de Cristo) e com o que não lhes diz respeito (os assuntos dos outros). Escolham uma tarefa. Apenas uma. E façam-na. 'Trabalhem em paz'."«
É um apelo à ordem interior. É um apelo para encontrarmos o caminho de volta para... paz pelo caminho da realidade. O trabalho é um encarnação. Isso nos impede de escapar para espiritualidades desencarnadas ou distrações frenéticas. Diz-nos: "Seu lugar é aqui. Seu dever é agora. Santifique-se nesta tarefa, por mais humilde que seja."«
Pensemos no Evangelho. Para Marta e Casado (Lucas 10Martha é quem está "agitada" (periespato, (uma palavra da mesma família) para o serviço. Casado É aquela que permanece "em calma" aos pés de Jesus. A tradição monástica dirá que o objetivo não é opor os dois, mas tornar-se uma "Marta com um coração de". Casado »Ou seja: agir, trabalhar, servir (ergazomai), mas fazê-lo com uma alma unificada e pacífica, focada no essencial (hesíquia).
Os "desordeiros" de Tessalônica são uma paródia trágica dessa síntese. Eles não possuem nem a ação de Marta (não servem a ninguém e não trabalham) nem a contemplação de Casado (Eles estão inquietos, não em paz.) Eles são o pior dos dois mundos. O chamado de Paulo é um chamado para redescobrir a unidade do ser: que suas ações sejam pacíficas e que sua paz seja ativa.
Caridade, responsabilidade e justiça: "Que ele também não coma."«
Passemos agora à frase mais marcante e difícil, a do versículo 10: "Se alguém não quiser trabalhar, também não coma".«
Fora de contexto, essa frase é uma bomba. Ela tem sido usada para justificar os piores abusos sociais, para "quebrar"« os pobres, Negar ajuda a quem precisa é uma interpretação totalmente equivocada e trágica do pensamento de Paulo e de toda a revelação bíblica.
Para compreendê-lo, você precisa manter três pontos-chave de interpretação sempre em mente.
Ponto-chave nº 1: O sujeito não é "aquele que não faz" pode não», mas «aquele que não quero não ". O texto grego é explícito: ei tis ou thelē ergazesthai. Thelō significa "querer", "ter a vontade de". Paulo não está falando de pessoas que não pode trabalho. Ele não fala dos doentes, dos enfermos, das pessoas com deficiência, dos idosos, das viúvas com filhos pequenos (que eram a própria imagem de pobreza na Antiguidade), nem mesmo aqueles que, em nossas sociedades modernas, não consigo encontrar de trabalho, apesar de seus esforços. Todas essas pessoas, a Bíblia (Antigo e Novo Testamentos combinados) nos ordena a apoiar com generosidade radical. O próprio Paulo passou anos de sua vida organizando uma campanha massiva de arrecadação de fundos para os pobres da Igreja de Jerusalém! O amor pelos pobres é o próprio critério do Juízo Final (Mateus 25: "Eu estava com fome, e vocês me deram de comer"). A declaração de Paulo não se aplica. do que em um grupo muito específico de pessoas "desordenadas" de Tessalônica, pessoas fisicamente capazes, aptas para o trabalho, mas que recusado Fazer isso por escolha própria, em nome de um pretexto teológico falho.
Chave nº 2: O contexto é o de caridade Baseado na comunidade, não no Estado de bem-estar social. Naquela época, não existiam previdência social nem seguro-desemprego. A sobrevivência dos mais vulneráveis dependia inteiramente da assistência social. koinonia, comunhão e caridade fraternal dentro da pequena comunidade cristã. Os primeiros cristãos "compartilhavam tudo" (Ato 2 e 4). As refeições eram compartilhadas e as necessidades das viúvas e dos órfãos eram atendidas. O povo "desordenado" de Tessalônica estavam abusando desse sistema. Eles se aproveitaram da generosidade de seus irmãos e irmãs que, por sua vez, trabalhavam arduamente. Eles "comiam do pão dos outros sem pagar" (v. 8). O problema de Paulo não é limitar caridade ; é de proteger. Se a generosidade dos trabalhadores for constantemente explorada por pessoas aptas para o trabalho que se recusam a contribuir, o que acontece? Caridade Está perdendo força. Os doadores estão ficando desanimados, cínicos. E no final, quem será penalizado? O verdadeiro pobres. Aqueles que não pode trabalho (viúvas, órfãos, os doentes) não terá nada sobrando, porque os "aproveitadores espirituais" terão levado tudo. A ordem de Paulo é, portanto, um ato de justiça social interna à comunidade. Protege os trabalhadores da exploração e protege os verdadeiramente pobres da privação que o abuso dos "desordeiros" ameaça criar.
Ponto-chave nº 3: O objetivo não é a punição, mas a correção fraterna. «Que ele também não coma» (v. 10). Isso significa que Paulo está ordenando que eles sejam deixados para morrer de fome? Certamente que não. É uma medida de choque, uma «pedagogia de consequências». Você precisa ler o resto do capítulo. Paulo diz (vv. 14-15): «Se alguém não obedecer ao que dizemos nesta carta, denuncie-o; não se associe com ele, para que ele se envergonhasse. (ina entrapē). Mas não o considere um inimigo, avisá-lo como a um irmão."Essa é a chave! O objetivo é o vergonha (No sentido bíblico de "despertar") que leva à conversão. É uma medida terapêutica, não uma sentença de morte. Em termos práticos, "que ele não coma" provavelmente significava: "Pare de convidá-lo para refeições comunitárias (ágape) onde ele vem para comer livremente os frutos do trabalho alheio. Deixe-o sentir, em seu corpo, a consequência de sua recusa em participar do esforço comum." É uma forma de "separação" temporária e educativa, para "sacudir" e trazê-lo de volta à razão, "como um irmão".
Vista dessa perspectiva, essa passagem deixa de ser um mero slogan capitalista e passa a ser uma regra de profunda sabedoria comunitária. Ela nos ensina uma verdade essencial: caridade Responsabilidade e alimentação não são opostas. São os dois pilares de uma comunidade justa. O "direito à alimentação" (o direito à vida, o direito à dignidade) é fundamental. Mas para aqueles que... pode, Esse direito é inseparável do obrigação contribuir. Amor verdadeiro (o ágapeNão é a dependência que absolve as pessoas da responsabilidade; é o amor que chama os outros à sua própria dignidade, à sua própria responsabilidade, à sua própria capacidade de "ganhar o seu próprio pão" e, por sua vez, tornarem-se uma fonte de generosidade para com os outros. Paulo nos convida a uma caridade inteligente, uma caridade que empodera, que não confunde amor com complacência e que sempre protege, antes de tudo, os mais vulneráveis.

O Eco do Trabalho: Trabalho no Governo e a Reforma
As reflexões de Paulo em Tessalônica influenciaram profundamente toda a tradição espiritual cristã. A Igreja tem meditado constantemente sobre esse equilíbrio entre a expectativa do Céu e... o trabalho da terra, entre orações (ora) e trabalho (laboratório).
Uma das maiores herdeiras da sabedoria paulina é, sem dúvida, São Bento de Núrsia, no século VI. Sua famosa Governante, que moldou a civilização europeia, é uma aplicação magistral de 2 Tessalonicenses 3. O capítulo 48 da Regra começa com uma frase que parece ser um comentário direto de Paulo:« Otiositas inimica est animae »"A ociosidade é inimiga da alma.".
Para Bento, assim como para Paulo, a ociosidade não é repouso; é um vazio que dá lugar à agitação da mente, ao "vagar do coração", àquilo que o Padres do Deserto Chamavam-lhe acídia (tédio espiritual, aversão ao esforço). O antídoto? Uma vida equilibrada, pontuada pela oração litúrgica (Opus Dei) E o trabalho manual ou intelectual. O famoso Ora e Labora.
Para o monge beneditino, o trabalho Não é um "meio de subsistência" (a comunidade provê suas próprias necessidades). É um disciplina espiritual.
- Ele âncora o monge no’humildade da realidade, impedindo-a de se transformar em orgulho espiritual (o mesmo perigo que o dos tessalonicenses).
- Ele pacifista a mente. Ao se concentrar em uma tarefa manual (jardinagem, cópia de manuscritos, culinária), a alma se recompõe, encontra a "calma" (hesíquia) que Paulo está mencionando.
- Ele construído a comunidade. O trabalho O que cada pessoa faz beneficia a todos. É a expressão concreta de caridade fraternal e interdependência.
Mais tarde, o Reforma Protestante, notadamente com Martinho Lutero e João Calvino, provocaram outra revolução na teologia do trabalho, ainda seguindo os passos de Paulo. Desenvolveram a noção de "vocação" (em alemão, Profissão, que significa tanto "profissão" quanto "vocação"). Contra uma visão medieval que tendia a espiritualizar excessivamente o vida monástica ou sacerdotal (a "vida perfeita") em detrimento da vida secular, afirmavam os Reformadores que Todos O trabalho honesto é uma "vocação", um chamado de Deus.
O padeiro que faz um bom pão, a mãe que cria seus filhos, o magistrado que administra a justiça, o agricultor que lavra seu campo… todos desempenham um serviço divino, um «sacerdócio» no mundo. Não existe mais hierarquia entre o «espiritual» e o «temporal». O mundo inteiro se torna o lugar do encontro com Deus, e o trabalho é o meio preferido. Trata-se de uma tremenda reavaliação da vida ordinária, uma santificação do cotidiano, que extrai sua essência do exemplo de Cristo, o carpinteiro, e de Paulo, o fabricante de tendas.
Finalmente, mais perto de casa, o doutrina social da Igreja Católica desenvolveu essa ideia detalhadamente. Em encíclicas como Rerum Novarum (Leão XIII, 1891) ou, de maneira marcante, Exercício Laborem (João Paulo II, ( , 1981), a Igreja afirma a eminente dignidade do trabalho. João Paulo II escreveu que o trabalho é "uma chave, e provavelmente a chave essencial, para toda a questão social". Ele nos lembra que o trabalho é "para o homem" e não "homem para". o trabalho »Ele defende a "prioridade do trabalho sobre o capital" e o direito a um salário justo. Essa tradição, ao combater a alienação e as injustiças do mundo do trabalho, nos lembra constantemente, com Paulo, que o trabalho é um caminho para a realização da humanidade, uma participação na obra de Deus e um serviço à comunidade.
De Paulo a Bento, de Lutero a João Paulo II, Um tema comum emerge: o trabalho Não é uma opção, nem uma maldição, nem um ídolo. É um caminho para a santidade, um lugar de paz, um ato de justiça e um serviço de amor.
Ancorar a alma na realidade
Como podemos fazer com que este ensinamento de Paulo ressoe em nossas vidas hoje? Como podemos passar da teoria à prática, para que nosso trabalho (ou a falta dele, ou nossa inquietação) se torne um espaço de crescimento espiritual? Aqui estão algumas sugestões simples para experimentar "em paz e tranquilidade".
- Oração da manhã (A oferta de Ergon) : No início do seu dia, reserve trinta segundos. Não peça apenas "coragem para superar isso". Ofereça-lhe o seu dia de trabalho. Ofereça-lhe as suas tarefas futuras, os seus encontros, as suas dificuldades. Peça a graça de vivenciá-los não como uma pessoa "ocupada".periergazomenos), mas como um "artesão" (ergazomenos), que busca realizar um trabalho bom e pacífico, a serviço dos outros e para a glória de Deus.
- A âncora da realidade (O antídoto para’Ataxia) : Quando você sentir que está se deixando levar pela agitação, ansiedade e distração (notificações, mil pensamentos): pare. Respire. E realize uma ação muito simples e concreta, com atenção plena. Guarde um arquivo na sua mesa. Lave uma caneca. Olhe pela janela por um minuto. Use essa microtarefa como uma âncora para trazer sua mente de volta ao presente, "à calma".hesíquia) o que Paulo está perguntando.
- A Graça Revisitada (Comer o Próprio Pão): Ao comer, seja um sanduíche rápido ou uma refeição em família, reserve um momento para ser grato. Agradeça pela refeição. Mas conecte-a, como Paulo, ao seu trabalho. Agradeça por o trabalho (Seu ou de outra pessoa) que tornou esta refeição possível. Se você trabalha, reconheça a dignidade de "comer o pão que ganhou". Se você não pode trabalhar, receba este pão como fruto da solidariedade (o "trabalho" do amor ao próximo), unindo-se a ele em oração.
- Discernir agitação: No meio de uma tarefa, pergunte-se: "Estou atualmente... trabalhar ou de mimpendência Estou concentrado no trabalho a ser produzido ou estou apenas perdendo tempo para me dar a ilusão de estar ocupado? Minhas ações geram ordem ou desordem?
- O serviço oculto: Identifique uma pessoa cujo o trabalho, Muitas vezes invisível, esse trabalho permite que você viva ou tenha seu próprio emprego (empregada doméstica, suporte de TI, assistente administrativo, seu cônjuge cuidando da casa, etc.). Reserve um momento para reconhecer a dignidade desse trabalho e, se possível, expresse sua gratidão. É reconhecendo o "trabalho" dos outros que você consegue "comer".
- Caridade apenas : Analise a sua forma de doar (seu tempo, seu dinheiro). É justa? Ajuda os verdadeiramente pobres (aqueles que não têm recursos)? pode (Não)? Ela é? capacita aqueles que pode Estou praticando? caridade Ou para financiar "a agitação"? É uma pergunta difícil, mas essencial para entender Paulo.

A revolução "calma"«
Começamos com uma frase que nos pareceu uma parede, um julgamento frio: "Se alguém não quiser trabalhar, também não coma". E, ao colocá-la de volta em seu contexto, ao lê-la com Paulo, na oficina de Cristo carpinteiro e sob o olhar dos monges trabalhando, descobrimos uma paisagem imensa.
Não, Paulo não santifica o trabalho baseado em desempenho, nem a exploração, nem a severidade para com os outros. os pobres. É exatamente o oposto. Ele está nos convocando para uma revolução. A revolução da dignidade Nosso trabalho, seja ele qual for, é o lugar onde participamos da obra de Deus. A revolução do paz Nosso trabalho é o antídoto para a agitação frenética de nossas almas, o caminho para encontrar a "calma" ancorando-nos na realidade. A revolução do justiça Nosso trabalho é uma expressão de nossa solidariedade, uma forma de "ganhar o pão de cada dia" para não sermos um fardo para os outros e para proteger. caridade Destinado aos mais vulneráveis.
A mensagem de 2 Tessalonicenses 3 é um chamado para deixarmos de estar "ocupados" espiritualmente ou mundanos. É um chamado para nos tornarmos pacificadores no próprio tecido de nossas vidas diárias.
Portanto, da próxima vez que você ouvir essa frase, não pense em um juiz, mas em um irmão, Paulo, estendendo a mão para você, cansado de seu próprio trabalho como fabricante de tendas, e dizendo afetuosamente: «Meu amigo, não se irrite. Não se perca nas nuvens ou nas distrações. Aceite a sua parte de direito da realidade. Trabalhe. Faça isso 'em paz'. É aí que você encontrará a sua dignidade, é aí que você servirá aos seus irmãos e é aí que, no pão ganho e compartilhado, você encontrará o Senhor.‘
Algumas diretrizes
- Leitura : Releia a passagem paralela em 1 Tessalonicenses 4:11-12: «Esforcem-se para viver em paz, cuidar dos seus próprios negócios e trabalhar com as próprias mãos, como nós lhes ordenamos.»
- Discernimento: Identificando uma "agitação estéril" (periérgia) em sua vida (fofoca, uma vício para as redes sociais, uma ansiedade) e contrastá-la com o "trabalho real" (ergon) concreto (um serviço, uma tarefa específica, um momento de oração silenciosa).
- Justiça: Em seu próximo ato de caridade, pergunte-se: como essa doação pode servir de alavanca para... dignidade e o responsabilidade da pessoa que está sendo ajudada, e não apenas da assistência?
- Conhecimento : Executar uma tarefa manual (cozinhar, jardinagem, limpeza, trabalhos manuais) com atenção plena, vivenciando-a não como uma obrigação, mas como um ato de ordem e pacificação da alma.
- Treinamento: Para saber mais, leia algumas passagens da encíclica. Exercício Laborem de João Paulo II, que oferece uma magnífica síntese da teologia cristã do trabalho.
Referências
- Textos bíblicos principais:
- 2 Tessalonicenses, capítulo 3
- 1 Tessalonicenses, capítulo 4
- Gênesis, capítulos 2 e 3
- Atos dos Apóstolos, Capítulos 17 e 18
- 1 Coríntios, capítulo 9
- Tradição e Magistério:
- São Bento de Núrsia, A Regra de São Bento, (Capítulo 48: "Trabalho manual diário").
- João Paulo II, Carta Encíclica Exercício Laborem (1981).
- Obras teológicas e espirituais:
- Marie-Dominique Chenu, OP, Em direção a uma teologia do trabalho, Seuil. (Um clássico sobre a visão cristã do trabalho).
- Jacques Philippe, Paz interior, Publicado por Éditions des Béatitudes. (Uma excelente reflexão moderna sobre a luta contra a turbulência interna).


